Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Da Educação para as Pontes


Não há maus alunos, nem alunos maus.
Há jovens que ainda não encontraram o seu caminho e o seu lugar.
E há jovens saudavelmente selvagens que recusam a formatação social e educativa que violentamente lhes queremos  impor.

Onde não houver afeto significativo, não ocorrerá aprendizagem significativa.

De pouco importa saber o que é necessário saber para construir uma ponte sem que caia, se não soubermos, antes de mais, porque é que as pessoas querem atravessar pontes.

joão paulo videira


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FELIZ NATAL!

De Rerum Natura
Feliz Natal!

MPMI deseja a todos os leitores, amigos e familiares um FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO.

Um querer bem. Um desejar o melhor. Um optar pela positiva. Um olhar acolhedor. Uma mão quente noutra mão quente. Uma tolerância face ao erro. Um reconhecer o erro. Uma canção trauteada. Um sorriso aberto. Uma inesperada aceitação. Um olhar para o outro desde o lugar dele. Uma saudade profunda. Uma comoção. Um espírito invisível e certo. Um coração desperto. Uma voz antiga. Uma família reunida. Uma luz amarelecida. E outra canção que passa. Uma distância que abraça. Um sentir repetido e inaugural. Um dia sem dia. Um feliz Natal.

A galeria que hoje publicamos é uma galeria de afetos. Faltam aqui imensas fotos. Caro leitor, amigo, familiar, envie-nos a sua foto e teremos muito gosto em juntá-la a esta galeria (mailsparaaminhairma@gmail.com).


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Só…

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Só,
No deserto árido das palavras.
Só,
No glaciar impenetrável das emoções.
Só e perdido,
Afogado no grito próprio
E na mudez da tua ausência.

Só e perdido,
Na memória antiga que se esvai
E no tempo que não volta.
Eu já não sou filho
E tu já não és pai.
E contudo, vives aqui,
No espaço de não ver-te,
Na ilusão de prender-te
Entre os braços,
De querer ser como tu
E não ter a sabedoria
De esperar.
Já vai longa a agonia
E não oiço
A voz desejada.
Seu peito
É uma amurada deserta
E traz a herança certa
De quem rasgou sulcos breves.
Têm de ser leves
As passadas do agricultor
Quando joga ao vento
Semeaduras de amor.
Mas têm de ser fundos, os rasgões.
Esse arado com que lavras
Meu peito
E semeias ausências
E silêncios sem palavras
Anda-me roubando a vida.
Causa inglória e perdida…

Só…
Já nem me negas…
É na ilusão do teu colo que me deito.
Filho abandonado,
Pai sem jeito.

Só…

jpv


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calendário

nessa manhã cinzenta de março
em que o silêncio se fez sentir,
morri de muda morte
e da fraqueza
renasci mais forte
ao ver-te partir.

veio um abril incerto.
o meu peito
era um campo aberto
e pressentia as tuas passadas.
caíram chuvas
e as gotas de água
abriram linhas molhadas
na minha face.

em maio pressenti o desfecho.
um arrepio de incerteza.
vi o medo e o fim.
naveguei ondas de fraqueza
e procurei um horizonte.
estava escuro.
não tinha brecha
esse muro
que ergueras entre nós
com a ausência da voz.

em junho,
cravei de raiva
lâminas de dor
no meu peito.
desesperei à procura
de desfazer
o que estava feito,
e não encontrei palavras
nas palavras que te escrevi.

acreditei e vi,
em meados de julho quente,
que era eu o ausente
do novo mundo
e da ordem nova
que desenharas.
sem saber onde foras,
sabia que por lá ficaras.

rebentaram em profusão
Nesse agosto de estio
cearas de solidão
colhidas em noites de frio.
fui ao engano,
à procura da luz.
ficou um poema por escrever
no meu grito calado.
jazia em meu peito
um homem tombado
e o homem era eu.
nada em mim reconhecia de teu.

ainda me lembro
da chegada de setembro
e as mãos a sangrarem súplicas.
linhas tortas de palavras inúteis
e o olhar perdido no nada.
Estava consumada
a negação.
a viagem era tua.
para mim não sobrou, sequer, o chão.

outubro.
mês do meu aniversário.
tempo ideal para uma revolução
no calendário.
a revolta foi só a minha,
e a desilusão.
não houve
estender de mão
nem ventos de mudança.
não houve palavras de anunciação
nem gestos de esperança.

o calor chegou
no mês dos santos
e tu ofereceste-me outros tantos
silêncios
e umas quantas mágoas.
choveram abundantes águas
e silvaram ventos destruidores.
Na sozinhês de mim
nasceram novas dores
e algumas certezas.

finalmente,
como em todos os calendários,
chegou o mês do menino jesus,
das promessas novas,
dos presentes vários
e coloridos
da esperança e do natal.
nada ficou igual.
e tudo ficou na mesma.
a tua face, sim, e o teu corpo cingindo o meu.
a mesma solidão,
o mesmo desespero,
o mesmo breu…

o tempo passou.
nada do que foi ficou,
a não ser
este informe e nefasto sumário,
de vida negada e silêncios profundos,
marcado nos quadradrinhos do meu calendário.

jpv


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Carrossel sem Anestesia

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Não faco balanços, nem arrumações de casa, nem limpeza de amizades e, menos a ainda, resoluções de ano novo. Cinjo-me a factos com a naturalidade de quem já não tem tempo a perder com rodeios.

Eu sou, sempre fui, um tipo positivo e otimista. Muito. Quase como uma doença incurável, uma espécie de segunda pele. Tenho uma tendência natural para acreditar que as pessoas e os acontecimentos são bons, ou têm algo de bom, e acredito nessa bondade antes de tudo o resto. Digo isto para que se perceba que não é com leviandade que me refiro a 2017 como tendo sido um mau ano. Um dos piores que vivi desde que me lembro de viver.

Demasiados fatores alheios a mim por controlar, demasiadas deferências, demasiadas esperas, alguma contemplação para com a ignorância e a estupidez inconsciente, alguma falta de determinação, algum evitar o inevitável e as soluções a saírem-me ineficazes e as situações a perderem-se no espaço e no tempo certos. Ficam a brilhar no escuro da insatisfação algumas amizades, a família e a saúde que, não obstante o avanço da idade, ainda me não trouxe preocupações de maior.

Naturalmente, isto terá de mudar. Isto vai mudar. Se não mudasse, teria de despedir-me de mim e isso não posso, não quero e não sei. Que é como quem diz, não farei senão o que tiver sentido para mim, sem cedências, nem contemplações… não haverá esperas nem brechas para a ignorância. Seja com quem for, há de ser sem anestesia.

Eu fui um menino sossegado, um adolescente rebelde e trabalhador e sou ou, pelo menos, tento ser, um bom homem. Erro, claro, mas tenho essa intrínseca humildade de reconhecer o erro e a força para melhorar a partir dele. Sou cordato, mas não sou, por imperativo de preservação dos princípios, anuente. E sou frontal o que, diga-se, me tem conquistado bastantes problemas e dissabores.

Os meus amigos serão sempre os meus amigos e não sentirão diferenças nem mudanças. Mas haverá quem o venha a sentir. Antes de mais, eu. Os outros poderão espantar ou nem sequer notar. Não quero saber. Quero saber que a terra dará mais uma voltinha à volta do sol, mas o carrossel será outro. Sem anestesia.

jpv


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Partida

 

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Ainda tenho o teu abraço
No meu corpo.
Ainda sinto em mim
O perfume da tua pele doce.
Ainda a tua voz
Me pergunta se vi os teus óculos.
Ainda não partiste
E já foi, há muito,
A hora da partida.
És a estrela
Na noite da minha vida.
A força
Do meu respirar.
Conjugação primeira
Do verbo amar.
A luz no breu,
O fogo de Prometeu
Sem castigo nem suplício.
Só o vício
De ter-te a mão
Na mão
E saber que isso
É o Universo que conheço e sei.
A única e verdadeira lei
De estar vivo e completo.
Ainda tenho o teu abraço
No meu corpo
E já me falta o chão…
E o teto.

jpv


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Livro da Coragem – 21

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Bolinhos, bolinhós…

Não tenho nada contra o “Haloween”. Nem a favor. Não me diz nada. Culturalmente, pertence a outras geografias e na minha família nunca teve qualquer espécie de relevo.

Já o Dia de Todos os Santos é toda uma memória. Pela manhã, bem cedo, a azáfama de preparar o farnel, o carvão, fogareiro, o abano, bebidas para adultos e miúdos, um frasquinho com sal e outro com açúcar, a cafeteira do café, os guardanapos, as colherzinhas, as mantas para colocar no chão, a cadeira articulada do meu pai, os panos da loiça, a toalha de mesa e uma mesinha pequenina cujas pernas se dobravam. Romaria ao cemitério da Conchada a comprar as flores e a acompanhar a Mimi que visitava os defuntos todos. Os dela e os dos vizinhos. Na altura, eu não tinha defuntos. Aprendi os rituais. Depois das orações e do passeio silencioso pelo jardim dos mortos, enfiávamo-nos todos na 4L do meu pai e lá íamos a caminho de Santa Quitéria, ali para os lados de Pombeiro da Beira. À chegada, era ver as gentes montanha acima e montanha abaixo espalhadas, acendendo lumes, oferecendo do seu vinho a provar, as famílias trocando abraços. Seguia-se a peregrinação de ir comprar pão, castanhas, uns chouriços, umas morcelas e, claro, as febras. A passagem inevitável pela capelinha da Santa e depois o nosso próprio ritual de acender o lume, a Mimi de volta dele com uns gravetos que eu e a minha irmã tínhamos ido apanhar pelo pinhal, e a dar-lhe com o abano, a minha mãe temperava a carne e o meu pai sorvia aqueles momentos como se soubesse que nos deixaria neste mundo antes de todos os outros e quisesse aproveitar cada segundo. Comíamos e bebíamos, conversávamos e depois procurávamos um poiso para olhar o céu por entre as ramagens dos pinheiros enquanto os adultos dormiam a sesta.

Aqui onde vivo não é feriado. É um dia de trabalho normal. E isso magoa-me, como me magoou a suspensão desse feriado nos últimos anos. É que, agora, infelizmente e porque o Senhor Tempo não para, já tenho defuntos. A Mimi, velhinha, de cancro, o meu querido pai, que tanta falta me faz a cada segundo que passa, aos 65, do coração, a minha avó Ana, do pâncreas, o meu avô Velez, de cansaço, a minha avó Letícia e o meu avô Francisco, tanto quanto sei, de velhice… e tantos outros que me povoaram a infância… estes são os meus Santinhos, as almas por que rezarei amanhã. Não é uma coisa que se resuma à religiosidade do dia. É a tradição de manter a família unida, vivos e mortos, num só ritual. É uma evocação dos tempos em que fui mais feliz porque, nesses dias, havia toda uma vida a viver, e tudo era duradouro e seguro e eterno. E todas as minhas decisões eram claras e óbvias e todos os meus gestos eram simples e imaculados.

Amanhã, para mim, não é o “Halloween”, empréstimo de outras gentes. Amanhã, é Dia de Todos os Santos e hoje é a noite de sair por aí tocando e batendo às portas, “Bolinhos, bolinhós, para mim e para vós…”

jpv