Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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De Rerum Natura

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O facto é incontornável. Faz hoje 17 anos que o meu pai foi sepultado. De resto, a sequência 2, 3 e 4 de janeiro é muitíssimo significativa na vida do homem que mais admiro. E, por razões que não interessam mesmo nada, desilusões intrínsecas e saudades avulsas, lembrei-me dele e de quais teriam sido, na minha perspetiva, porque na dele não temos como saber, as datas mais significativas da sua vida.

1934 – 3 de janeiro. Nasceu.

1951 – Embarcou para Angola com 17 anos. Foi sozinho. Era já um homem.

1967 – 21 de janeiro. Casou com a minha mãe que era 13 anos mais nova.

1967 – 4 de outubro. Foi pai pela primeira vez.

1972 – 4 de novembro. Foi pai pela segunda vez.

1975 – Regressou, definitivamente, a Portugal. Era um homem revoltado.

1986 – Teve o primeiro enfarte. Este episódio mudou completamente a sua vida.

1990 – 11 de setembro. Foi avô.

1999 – 2 de janeiro. Faleceu.

1999 – 4 de janeiro. Foi a sepultar.

Pelo meio ficam datas como a conclusão dos cursos dos filhos, o casamento de um deles, as suas conquistas pessoais, o falecimento dos pais e mais um número significativo de eventos importantes na sua vida e na sua perspetiva.

E, contudo, ainda que não saiba, foi depois de morrer que a importância da sua vida se revelou mais amiudadamente. Diariamente. Na vida dos que privaram com ele. Não passa um dia que não lhe sinta a falta. A sabedoria, o bom senso, a integridade, a justiça e o tempo exato do julgamento. A tolerância.

Tenho pena que a maioria de vós o não tenha conhecido. Não sou meio homem do que foi o meu pai. Mas penso nele todos os dias e tento fazer como ele faria. Dizer o que diria, calar o que calaria, decidir o que decidiria… não é fácil. Fica-me sempre tudo pela metade da estatura de meu pai.

João Paulo Videira


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Nefasta Nuvem

9622d-pai-jpUm segundo perdido.
Um fugaz momento.
Um bater de asas no ar.

Um olhar fugido
Sem espaço nem tempo.
Um coração a pulsar.

Uma palavra segura.
Um raio de luz
Desenhado numa sala escura.

Uma prisão
E a liberdade.
Um corpo caído na estrada
Sem desejo nem vontade.

Um quase poema.
Uma redação da primeira classe
Escrita sobre o joelho
Num papelinho
Onde coube uma casa, uma árvore…
E um caminho.

Um fim.
E um princípio.
Uma solidão
Entregue à tua distante
Companhia.
Uma noite
Que teima em fazer-se dia
Contra minha triste determinação.
A ausência da tua mão,
E nela as mãos todas. Outras.

Uma linha de vida
E um nó.
Uma alma perdida
Em nefasta nuvem de pó.

jpv


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Anseio

iago filhoAnseio

Anseio já esse abraço.
Esse toque puro.
Anseio a tua voz
Para cá do muro.
Essa distância que me mata
É a medida imprecisa
E exata
Deste peso no peito,
Desta mão incerta,
Deste amor que te tenho,
Sem o qual
A minha vida é deserta
De tudo.
Até de mim.

Meu olhar vagueia
À procura de ti
Enquanto percorro
Mundo e meio
E finjo outras razões,
Outros motivos e sensações.
E tudo é simples e cristalino,
Sou só um pai perdido
À procura do seu menino.

Andaste lá longe.
Cá longe andei,
Mas já gira a roda
Das palavras que te direi.
Essas palavras de desassossego…
Palavras de ter-te,
De reter-te…
E o medo
De ver-te partir outra vez.

Errante pelo mundo,
Procuras o sentido profundo de ti,
Esse mesmo que tenho em mim
E posso contar-te baixinho
Para ninguém ouvir.
Ser pai é olhar
Um filho partir.
E há nessa contemplação
Uma alegria e uma dor.
A alegria jorra na fonte generosa da presença
E a dor de amar dita sua definitiva sentença.

Eu vivo em ti,
Por ti,
Para ti.
E há nisso
Um gozo e um prazer.
É ver-te crescer e ser homem.
Quem dera morrer
E saber-te bem e completo.
É esse meu desejo secreto,
Minha missão,
Meu ousado cometimento.
Amar-te a cada instante,
Libertar-te em cada momento.

jpv

 


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39

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Olá Mana!

Saudades! Muitas!

Hoje é 31 de maio. Faz, portanto, 39 anos que reaprendemos a viver! Não morremos. Renascemos…

Amo-te muito, Mana!

Mil beijinhos,

Mano

 

A reler: https://mailsparaaminhairma.wordpress.com/2011/05/31/a-noite-mais-longa/


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Antes do Tempo

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Antes do Tempo

Antes da memória.
Antes da penumbra no olhar.
Antes da história
E de termos de explicar.
Antes de morrer a inocência.
Antes de termos cuidado.
Antes do nosso futuro
Não ter passado.
Antes de um dia aziago.
Antes de uma lágrima corrida.
Antes do ritual fúnebre
Que marcou a nossa vida.
Antes do tempo
Em que não havia tempo
Antes de quase tudo
Ser só um momento.
Antes desse tempo,
Tu eras menina
E bailava no teu olhar
O brilho de um sorriso.
Antes desse tempo,
Era um gesto conciso.
E absoluto.
Era das tuas palavras
Que eu bebia a vida,
Era da tua vida
Que eu marcava a partida.
E a chegada.
Antes desse tempo,
O tempo era tudo
E a fortuna era nada!

jpv
À minha Mana