Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


2 comentários

Back To Life

Nascer do Sol em Maputo

Nascer do Sol visto da nova habitação às 5:05h da manhã.

Caros Amigos e Leitores,

Depois de dezasseis dias sem publicações, uma eternidade(!), cá estamos de volta à vossa companhia. Claro que trazemos muitas histórias.

Já experimentaram fazer uma mudança em África? Nós já! Foi agora. Daí a ausência. Traquitanas às costas e mudámo-nos do centro da cidade de Maputo para os seus campesinos arredores. Um outro espaço, um outro sossego. Claro que levou o seu tempo até restabelecer comunicações e a falta de Internet bem como a exigência das tarefas de mudança e manutenção têm-nos mantido afastados da escrita.

Pelo meio, conhecemos algumas personagens bem interessantes e vivemos uns quantos episódios deliciosos. Claro que daremos fé de tudo!

Para já, só o regresso ao vosso contacto.

Até breve!
jpv


1 Comentário

Crónicas de África – Roteiro Gastronómico de Maputo (1)

18d31-cronicas-de-africa-img-2

Crónicas de África – Roteiro Gastronómico de Maputo (1)

Maputo, 13 de outubro de 2014

Precisei de tomar banho. Às vezes, lá muito de vez em quando, acontece-me. A caminho da banheira, passei pela balança e assim que vi o número escarrapachado no visor, a pergunta estalou-me na cabeça como uma bomba:

– Mas como é que isto aconteceu?!

Foi ao tentar elaborar uma resposta para aquela pergunta que esta crónica me surgiu. Desde já aviso que isto não pretende ser um roteiro exaustivo, nem sequer pretendo aconselhar ninguém a ir a lado nenhum, nem tenho comissões, nem sou gastrónomo, nem fiscal. Gosto de comer, descansado, em boa companhia, e gosto das memórias que alguns locais me semeiam quando lá como. Ou seja, mais do que um roteiro, é um caderninho de boas memórias gastronómicas. Estou no meu terceiro ano em Maputo e o meu palato lembra-se de algumas coisas que decidi partilhar.

Maputo tem muito mais oferta do que aquela que vou referir e sei que vou voltar para referir outros locais, daí ter numerado a crónica com um (1)… Em todo o caso, vou registar um ou dois pratos por restaurante, aqueles que me agradaram mais, caso tenha lá comido mais do que uma vez, ou aquele que me causou uma excelente impressão. Claro que vou fazer juízos de valor, mas esses decorrem somente das minhas impressões. Não são nenhuma espécie de lei. Mas isso, os leitores já sabiam.

Piri Piri

É talvez o restaurante mais concorrido da cidade, tem uma clientela muitíssimo variada. Muitobem situado no coração da cidade, com serviço rápido e simpático e algumas confusões nas contas, mas nada de preocupante. É que a azáfama é muita. A oferta é variada, mas isso não interessa para nada. No Piri Piri come-se frango de churrasco. Ponto final. Invariavelmente bem confecionado. Há mais. Sem qualquer espécie de problema, afirmo que é onde se bebe a melhor imperial em Maputo. Sempre bem gelada. Sempre bem viva. Sempre perfeita. Não me lembro de ter bebido uma imperial assim-assim no Piri Piri. A mousse de chocolate termina bem. Gasto médio por pessoa: 500 meticais.

Cristal

Nem dá para pensar duas vezes: caranguejo ao natural. Ponto. É claro que a açorda de garoupa e a massada do mesmo peixe são excelentes, mas na Cristal é caranguejo ao natural. Serviço simpático e célere. Para terminar, tem tarte Tatin fantástica. Gasto médio por pessoa: 650 meticais.

Zambi

O ambiente deste restaurante é muito agradável, sobretudo, se decidirmos comer na rua, sob as palmeiras. Da variada oferta, que não conheço, nem é preciso, elejo o prato que comi quando lá fui a primeira vez e que sempre repito quando lá volto. Arroz de pato. É ao sábado. Deve acompanhar com a soberba sangria de champanhe e maracujá. No fim, há um petit gateaux de chocolate com bola de gelado que é divinal. Gasto médio por pessoa: 900 meticais.

Costa do Sol

Dizem as vozes da cidade que o restaurante Costa do Sol já foi bom, que já não é o que era, etc e tal. Mas isso diz toda a gente em relação a tudo. A não perder a decoração interior. A não perder os camarões grelhados com batata frita e molho acre. Tem uma boa imperial. Serviço simpático e célere. Gasto médio por pessoa: 600 meticais.

Mimmos

É um daqueles restaurantes de comida pré-feita, uma espécie de franchising de pizzas e massas ao estilo italiano. A imperial deixa a desejar. Mas o macarrão de galinha assada é delicioso. Vale a pena. O serviço é invariavelmente lento. Gasto médio por pessoa: 450 meticais.

Kalus

Ainda que tenha zonas cobertas, a sala de jantar deste restaurante é, basicamente, num jardim, no centro do qual ficam enormes assadores de carne. E é essa a especialidade da casa. Carne grelhada na brasa. A dita carne compra-se ao balcão, ainda crua, e só depois de feita a aquisição do naco é que ele vai a cozinhar. Ideal para quem quer fazer uma churrascada sem ter de lavar a loiça. O serviço é lento, mas carne grelhada não promete outra coisa. Gasto médio por pessoa: 400 meticais.

Hotel Cardoso

Esqueçam lá a comida. Aquilo é bom por causa da paisagem. O restaurante fica numa varanda com vista sobranceira ao mar. O naco na pedra é excelente. Ambiente super agradável. Serviço muito bom. Gasto médio por pessoa: 1000 meticais.

Clube Marítimo

A localização é convidativa. A esplanada do restaurante fica encostada à rebentação do pacato Índico. O som do mar é a música de fundo e a brisa é inspiradora. Todas as massas italianas são muito boas, mas o que mais me atrai neste restaurante nem é um prato, é uma salada. A salada de marisco é simplesmente divinal. Servida fria, claro, tem um equilíbrio fantástico entre o sabor do marisco e o das ervas usadas para aromatizar o prato. Aconselha-se a caipirinha de maracujá para empurrar. Além disso, este restaurante tem a melhor sobremesa de Maputo. Bolo de mousse de chocolate. É de comer e chorar por mais. Gasto médio por pessoa: 650 meticais.

Mundos

Também é um restaurante de comida pré-preparada. O ambiente é muito agradável. A sala central tem uma cobertura típica de África, feita de ramos muito juntos e apertados, o que a torna fresca e agradável. A espetada de galinha com molho shutney é muito boa. Boa imperial. Gasto médio por pessoa: 500 meticais.

A Casa do Peixe

Aqui está outro restaurante onde o que mais me atrai não é um prato principal. Claro que o filete de garoupa grelhado é soberbo, mas ir à Casa do Peixe e não comer uma sopa rica do mar, é como ir a Roma e não ver o Papa. A sopa é perfeita. É um generoso creme de frutos do mar. Generoso na qualidade da confeção e na quantidade servida. O serviço é simpático e célere. Para fechar, tem um bolo de chocolate que vale bem a pena, na boca, as calorias que hão instalar-se mais abaixo. Gasto médio por pessoa: 1000 meticais.

Marginal

Dar um passeio pela marginal até à Costa do Sol, ir à praia, sentar nas esplanadas improvisadas e comer com as mãos um frango no churrasco com uma 2M a acompanhar não é má ideia. Pezinho na areia e batatas fritas daquelas enormes como a minha avó fazia. Gasto médio por pessoa: 200 meticais.

E pronto, para já é tudo. Agora tenho de ir dar uma corridinha… Um dia destes, conto mais!

jpv


Deixe um comentário

Crónicas de África – Antes a Multa!

mija-multa

Clique na imagem para aumentar.

Crónicas de África – Antes a Multa!

Maputo, 6 de outubro de 2014.

É comum encontrar nas ruas de Maputo, em particular, escrito em muros ou em vedações metálicas temporárias para realização de obras, inscrições que ameaçam com multas quem urinar no local. É verdade, também, que as multas variam e a amplitude do valor cobrado é muito grande. Já vi locais onde a multa é de 50 meticais, mas também já vi de 100, 200 e mesmo 500.

O que eu nunca tinha visto, e por isso registei, foi uma oferta diversificada. Uma coisa do tipo ‘à escolha do freguês’! A verdade é que, quem quer que seja que mora ali, trabalha ali ou passa ali, parece determinado a não ser incomodado com o mijar alheio.

Ora, a coisa cheira-me a discriminação mictória. Vejamos. Qual o critério que determina a diferenciação do valor a pagar? O volume da tiragem, o tempo de micção, o aspeto do infrator? É o infrator que escolhe o meio de pagamento? Assim, do género, ‘Não trago aqui dinheiro, posso, em vez disso, levar um enxerto de porrada?’  Enfim, seria útil esclarecer o critério. Mais útil e pertinente seria informar a população acerca dos critérios que implicam a coima mais agressiva. Simpaticamente designada de ‘PURADA’, mas, a meu ver, a anunciar maleitas físicas significativas no infrator porque, ou muito me engano ou, onde se lê ‘PURADA’, deve ler-se ‘PORRADA’.

Para os menos entendidos nestas matérias de índole legal eu transcrevo a inscrição:

‘NÃO MIJAR AQUI. MULTA 150-200MT OU PURADA’

E aproveito para a esclarecer porque as coisas em linguagem legal são sempre um pouco opacas. Sentido da inscrição:

‘NÃO URINAR AQUI. MULTA DE 150 A 200 METICAIS OU AINDA A POSSIBILIDADE DE TE PARTIRMOS A OSSADA TODA!’

E pronto, por hoje é tudo. Se me dão licença, vou ausentar-me, tenho de ir ali e já venho!

jpv


Deixe um comentário

“De Negro Vestida” no Brasil

"De Negro Vestida" chega ao Brasil pela mão da Livraria Cultura

“De Negro Vestida” chega ao Brasil pela mão da Livraria Cultura

Caros Leitores e Amigos,

É com grande satisfação que venho informar-vos que o romance “De Negro Vestida” já pode ser adquirido no Brasil.

Ele está disponível online no site da Livraria Cultura. Pode aceder ao link direto aqui ou clicando na imagem.

Durante a redação do livro e após a sua publicação em Portugal e em Moçambique, muitos amigos e leitores brasileiros manifestaram o desejo de ver o livro à venda no Brasil. Pois então, amigos, já está!

Boas Leituras!

jpv


2 comentários

Crónicas de África – Um Dia em Inhaca

Às seis e meia da manhã estávamos no Continental a tomar o pequeno-almoço. Para mim, café duplo e pastel de nata. Quentinho! Uma só mochila, uma toalha, protetor solar, água e umas sandes que foram e vieram. A máquina fotográfica, pois claro. É conhecido em Maputo pelo barco da Vodacom porque a transportadora é patrocinada pela telefónica. É um catamarã simples que percorre os cerca de 40km entre Maputo e a Ilha de Inhaca em uma hora e quarenta minutos. A brisa marinha e o odor do oceano semeiam aventuras na imaginação e a verdade é que, à medida que nos afastamos da capital e nos aproximamos da ilha, o oceano vai-se limpando e o seu azul vai-se tornando cada vez mais forte e límpido. Chega a uma altura em que o azul do mar é tão forte e desenha um linha de horizonte tão definida que quase parece irreal.

A chegada à ilha fez-se com maré baixa. Vai de mudar de barco para barquinho e depois fazer os últimos cem metros com água pelo joelho e a receção não poderia ter sido mais espetacular. Centenas de Estrelas-do-Mar dos mais variados tamanhos e cores receberam-nos em admiração pela fartura  e pelo espetáculo proporcionado. Foi possível pegar-lhes e sentir que estavam vivas pelo movimento dos filamentos na parte inferior. Os curadores da ilha surgem a avisar para as devolvermos ao mar.

Escolhemos um passeio numa carrinha pick-up 4×4 até ao farol. A estrada está ladeada de palmeiras e cruza diversos povoados. O farol está construído em alvenaria por fora, mas por dentro é um gigantesco cilindro metálico com uma escada em caracol muito estreitinha. Cento e dezasseis degraus contou o Rodrigo e nós acreditamos. Ao subir, há vários troços onde o breu é total e torna-se necessário progredir só com a orientação do tato. Lá em cima, além da imponência e da beleza da paisagem, observámos uma família de baleias em brincadeira dominical. Numa das paisagens há duas linhas no horizonte tão definidas que parecem melhoradas com PhotoShop. Mas não são. Trata-se do verde intenso e cerrado da vegetação a mergulhar no azul profundo do mar e este a demarcar-se  do suave céu.

Depois visitámos uma das muitas praias. Fomos ao banho por entre as centenas de anémonas que por ali andavam. Sem problemas. Não havia a perigosa variedade bluebotle cujo contato provoca dores fortes. O Renato distingue-as bem! Uma ondulação suave e uma temperatura cálida das águas convidavam a mergulhos demorados. Tudo isto sempre acompanhado de uma variedade imensa de aves de canto cristalino e generoso. Um sol forte a pedir muito protetor solar e muita aguinha para beber.

Almoçámos no Restaurante Lucas. É gerido pelo próprio senhor Lucas, um natural de Inhaca, muitíssimo simpático. Caranguejo, frango assado, uma deliciosa salada de couve e umas geladinhas para acompanhar. No regresso, dormitámos sonhando com um dia diferente, em boa companhia, a conhecer e a usufruir do melhor de Moçambique. Anémonas bailavam à volta do barco e aves passavam rasando o oceano. Esta terra merece a Paz. Ainda bem que os homens se estão a entender.

Ao final do dia, já em casa, uma conclusão era evidente: um dia não chega para conhecer Inhaca. A ilha é enorme e tem tantas coisas para ver, tantas praias para visitar, coral a descobrir, aves a fotografar… e a Ilha dos Portugueses, mesmo em frente, a pedir um passeio na maré baixa pelos seus extensíssimos bancos de areia. Havemos de voltar.

Por agora, o regozijo de ter descoberto um pouco mais da encantadora nação moçambicana.

Aí ficam algumas fotos deste dia fantástico!

jpv

Fotos de Um Dia em Inhaca

???????????????????????????????
Regresso com Maputo ao fundo.

IMG_2574
Sorrisos ao final do dia.

???????????????????????????????
Ilha de Inhaca.

IMG_2564
Azul profundo.

???????????????????????????????
Ilha dos Portugueses ao longe.

IMG_2553
Ave autóctone em pose altiva.

???????????????????????????????
Sanduiche.

???????????????????????????????
Renato a vigiar anémonas.

???????????????????????????????
Tourist Stile.

IMG_2532
Baía no ‘Saco de Inhaca’.

IMG_2527
O casal maravilha. Primos fantásticos.

IMG_2523
O splash da baleia.

IMG_2519
Suave ondulação.

???????????????????????????????
Linhas definidas.

???????????????????????????????
Palmar em Inhaca.

IMG_2510
Bancos de areia em Inhaca.

IMG_2508
Mar e terra.

???????????????????????????????
O farol de Inhaca.

IMG_2497
Comité de boas-vindas.

IMG_2492
Palmeiras bordejando a estrada.

???????????????????????????????
Rodrigo a vigiar o pai.

IMG_2485
Espetáculo de cor.

IMG_2484
Espetáculo de cor.

IMG_2482
Tantas!

IMG_2481
Só por este sorriso voltava lá todos os dias!

???????????????????????????????
Pesca em Inhaca.

IMG_2470
Pescadores vigiados por ave boiando.

???????????????????????????????
Inhaca à chegada.

Nota: nenhuma foto sofreu qualquer tratamento, contudo, a sua definição foi reduzida para facilitar a publicação. Clicando nas fotos poderá vê-las um pouco maiores.


6 comentários

Crónicas de África – A Força do Contexto

Crónicas de África - African TalesCrónicas de África –  A Força do Contexto

Como é sabido, e difícil de contrariar, Moçambique, e em particular, Maputo, têm um contexto social muito vincado e muitíssimo pujante. É uma daquelas coisas que não convém contrariar sob pena de insucesso. Vale mais tentarmos percebê-lo, adaptarmo-nos e viver de acordo com as suas regras. Negar a força desse contexto é uma ousadia que pode pagar-se caro.

A presente história passou-se com italianos, mas poderia ter sido com espanhóis, com dinamarqueses, com chineses, com búlgaros, com noruegueses ou mesmo com portugueses.

Muitos dos países que referi, e tantos outros, têm instituições de diversa ordem a funcionar em Maputo ligadas à diplomacia ou à cooperação ou a outras formas de intercâmbio e ajuda. A maioria delas, por via de estarem envolvidos dinheiros públicos, recebe, com regularidade incerta, a visita de inspetores ou supervisores das respetivas pátrias a fim de averiguarem se os projetos decorrem de acordo com o estipulado nos protocolos e na legislação. Ainda há dias, a Escola Portuguesa de Moçambique foi visitada por uma equipa de inspectores e avaliadores. Tudo normal. Acerca destas visitas, emergem inúmeras histórias, quase todas ligadas à força do contexto.

Há uns meses, estiveram em Maputo uns supervisores de uma instituição pública italiana com o propósito de avaliar o seu funcionamento, a legalidade de procedimentos e questões de ordem orçamental. Seria uma visitasinha para dez dias de trabalho. O acolhimento foi agradável, mas depressa nasceram algumas discordâncias. Os supervisores puseram em questão alguns procedimentos que os funcionários locais obstinadamente teimavam em justificar com o contexto social. Um dos supervisores perdeu a calma:
– Lá está o senhor com o contexto! O contexto, seja ele qual for, não pode interferir com as leis de Roma!
– Mas a realidade aqui é diferente. Não é a mesma forma de pensar, de viver, e os recursos e a insegurança!
– Nada disso pode interferir com a missão, com os resultados a apresentar, nem com os procedimentos. Deixe-se lá de contextos e cumpra a lei de Roma.

A mensagem não poderia ter sido mais clara. E a visita continuou. O funcionário italiano em Maputo começou a rever procedimentos e tudo parecia estar a levar uma pequena reviravolta. O único problema, é que ninguém tinha perguntado ao contexto o que é que ele pensava do assunto. Num desses dias, ao cabo de uma jornada de trabalho, o contexto manifestou-se. Jantar amistoso num restaurante da cidade. Aconselharam pratos simples aos supervisores e sugeriram que esquecessem as saladas, é que o contexto… Mas o supervisor estava apostado em provar que as leis de Roma e os romanos que as representavam estavam acima de qualquer contexto e vai daí pediu uma salada para acompanhar. E acompanhou.

No dia seguinte, de manhã, o senhor supervisor foi visto a fazer uma viagem apressada do seu gabinete à casa-de-banho e, quando estava a dois ou três metros da mesma, apressou o passo, deu uma corridinha e levou uma mão ao rabo das calças como que se certificando de que estavam enxutas. Alguns minutos passados saiu de lá trazendo com ele uma baforada de cheiro que preencheu todo o corredor. O homem vinha lívido, olheiras enormes, um pouco dobrado para a frente e passava a mão pela barriga como se estivesse a alisá-la de alívio. Conta quem viu que o supervisor se cruzou no corredor com dois dos funcionários italianos em Maputo sendo um deles o seu opositor discursivo dois dias antes. E cumprimentou-os:
– Bom dia!
– Bom dia, senhor supervisor. Precisa de alguma coisa?
-Uma garrafinha de água, por favor.
– Com certeza. É para já.

Assim que o supervisor desapareceu no gabinete, um dos funcionários perguntou ao outro:
– O tipo está esquisito. Sabes o que é que ele tem?
– Sei. Enfim, suspeito…
– Então?
– Acho que ontem teve um encontro com o contexto e hoje está a ter fortes descargas contextuais.

E riram ambos a bom rir. Conta quem sabe que, fosse pela força do contexto, fosse por uma outra insondável razão, quando o relatório de Roma chegou a Maputo, a palavra mais frequentemente repetida era… contexto!

jpv