Sempre imaginei Qua as deusas se banhavam Em frescas fontes Brotando cascatas de prata. E, contudo, Aqui estás, no meu chuveiro, Com esse sorriso que resgata O homem perdido, Enquanto a espuma desce As curvas de teu corpo despido.
Sempre julguei Que as deusas comiam Sob árvores frondosas e seculares, Em mesas postas De iguarias e manjares Sobre toalhas de linho branco, Embaladas pelo chilrear dos passarinhos. E, contudo, Sentas-te à mesa da cozinha E comes queijo aos pedacinhos, Em pão fresco e café quente, Com papaias generosas no horizonte.
Sempre pensei Que as deusas descansavam Em camas de marfim E imaculados lençóis de cetim Com o firmamento por teto. E, contudo, Sentas-te na nossa varanda Saboreando a brisa e o tempo Enquanto escrevo por perto.
Sempre imaginei Que as deusas orientavam Os pobres humanos Com um suave aceno da alva mão. E, contudo, Deslizas na sala de aula De palavra límpida e proferida E envolvente explicação.
Sempre julguei Que as deusas dormiam recostadas Em leitos divinais Com pajens e amas de quarto Satisfazendo seus caprichos banais. E, contudo, Deitas-te exposta ao meu olhar Bela, sensual, E sem qualquer banalidade, Em lençóis simples e monocromáticos Comprados na calamidade.
Sempre pensei Que as deusas amavam Em leitos de luxúria E orgias intensas e loucas. E, contudo, Em breves dias me ensinaste Que são parcas e poucas As artes das deusas Nesse diálogo de tranquilas euforias Que nossos corpos travam nos dias Em que dançam juntos A melodia do amor…
Se soubesses, meu amor, O quanto gosto de ti. Se ao menos conseguisses imaginar Todos os peixinhos que há no mar, Nesse oceano sem fim, E quantas estrelas há no céu… Saberias uma centelha Das razões por que sou teu.
Não consigo, mamã. Não consigo este luto impossível. Não é um luto. É uma luta de Titãs com fantasmas e remorsos. Não consigo despedir-me de ti. Não consigo aceitar a tua perda. Não desta maneira. Abrupta. Trágica. Violenta. Não há preparação possível para a morte. Eu sei. Mas, ao menos, um adeus.
Nessa manhã, escreveste-me um daqueles teus elogios em jeito de brincadeira a reavivar o nosso amor e, uma vez mais, me senti orgulhoso de ti. De como aos setenta e três anos dominavas as tecnologias e tinhas o teu espaço nas redes sociais.
A tua comunidade religiosa, a tua maior rede social, homenageou-te sentidamente, mamã. Com gestos simples, mas profundos, com palavras certeiras, com abraços, com leituras, e com o teu cântico preferido. Sabes, mamã, quando nos despedimos de ti, houve saudade e a natural tristeza de ver-te partir, mas não houve desespero. Pelo contrário. Talvez tenha sido o funeral em que senti mais esperança.
Se soubesses como me arrependo de tanta coisa. De como faria, hoje, tanta coisa diferente. E o que mais me revolta é que foi preciso morreres para perceber isso. Tinhas tanta razão. Tantas razões. Todas fluíam de ti com a naturalidade de um ribeiro que caminha para um curso maior.
A Mana está bem. Não fiques preocupada. É capaz de fazer tudo. De enfrentar tudo. Está forte e autónoma e encontrou uma outra irmã, quase de sangue, uma irmã de dor e compaixão, que tem cuidado dela. A Mana tem dúvidas. Ninguém passa incólume de viver contigo a viver sem ti. Mas está a conseguir. Como tu querias. Talvez melhor do que poderias esperar.
E, agora, vamos lá aqui conversar sobre o mais difícil: o teu adorado e tão desejado bisneto nasceu. É um rapagão grande e lindo e saudável. Ias adorá-lo mais do que já o adoravas antes mesmo de nascer. É um milagre de vida. O teu neto e a tua neta nem sabem para onde virar-se no desvelo de cuidar dele… queria tanto que pudesses pegar-lhe ao colo. O teu colo era tão bom! Tão acolhedor!
Soube, recentemente, que, ao longo dos últimos anos, me escreveste periodicamente. Estou ansioso por beber as tuas palavras. Estou ansioso por reencontrar-me contigo nesse plano de entendimento que só a escrita permite. E temo! Temo ter ainda mais saudades. Temo que esta revolta surda cresça ainda mais. A tua morte, mamã, não pode ser uma tragédia, tem de ser uma revolução.
Naquele momento em que tudo aconteceu, sei que te assustaste e sei que sofreste e sei, contudo, que tudo foi demasiado rápido para pensares, sequer, no que estava a acontecer-te.
Mãezinha, não consigo despedir-me de ti. Não sei que merda seja essa coisa a que chamam luto! Que puta de paz nos sobrevém e dá esperança no futuro se nenhum futuro sem ti o é verdadeiramente. Tinhas tanta vida a viver, tantos projetos, tanta pujança. Não consigo perceber a violência da tua partida inesperada e não consigo largar-te da minha mão, do meu próprio colo, dos meus arrependimentos. Não deixámos nada de importante por dizer, mas ficou tanto por fazer.
Não partas já! Vem, de novo, ajeitar-me o cabelo de menino. Vem, de novo, pedir-me para regressar que, desta vez, eu regresso. Perdoa, mamã! Perdoa pelo bem que te não fiz e podia ter feito. Perdoa as minhas fraquezas e as minhas faltas. Não foram por não te amar, por não te querer bem. Foram por cobardia e outras razões que os homens encontram para justificar as suas ações e os seus erros.
E, agora, estás aqui, a encher-me o peito e a povoar-me os dias e as noites com o teu sorriso, com o teu abraço, com as tuas graças, e aquele toque que me davas no ombro quando querias que me risse contigo. E recordo, com dor e saudade, quando pedias um xiripiti depois de almoço ou quando te surpreendia na cozinha às sete da manhã com tudo arrumado e o almoço já orientado e depois preparavas o teu café e o teu pão e ficávamos ali a conversar.
O máximo que consigo, hoje, mamã, é conversar um pouco mais. Não tenho, ainda, força para despedidas, nem lutas com fantasmas, nem o que quer que seja.
Só consigo conversar contigo e pedir-te desculpa por tudo o que não fui e sonhavas que fosse. Só consigo reencontrar-me, em lágrimas de fogo, com os meus erros e as minhas falhas e o teu sorriso e a tua aceitação e a tua resiliência… hoje, não sou capaz de mais…
Chegou a hora de dizer-te que te amo. Sempre amei. Sempre amarei. Chegou a hora de dizer-te que, para mim, não tens defeitos. Chegou a hora de dizer-te que, desde que nasceste, foste o meu milagre de vida, o meu segredo revelado, o sentido que faltava dar aos dias e às noites. Que amo tudo em ti. A forma apaixonada e ingénua como te entregas aos ideais, a forma genuína e desinteressada como assumes compromissos, o brio que colocas em tudo o que fazes. Não são os outros que estão certos, Mana, és tu! É o teu coração que bate compassadamente ao ritmo das coisas lindas e acertadas que os nossos pais nos ensinaram. Fui eu que nasci antes, mas és tu a mais velha, és tu o farol e é a ti que temos de seguir. És tu o exemplo do que foi feito e o guião do que falta fazer. E estas coisas são assim porque estiveste sempre mais próxima do centro desses ideais, porque nunca abdicaste deles.
O nosso amor e a nossa união não podem ter vacilações nem intermediários. Não podem ser hipotecados sob pretexto algum.
Como te amo, Mana. Como te amo. E como quero que sejas feliz e livre e autónoma e, sobretudo, como quero assistir a isso tudo. E como sei, hoje, que foste sempre tu quem esteve certo. Como compreendo, hoje, a tua luta, o teu desespero. Não te sintas perdida de novo. Não precisas desesperar de novo. Eu cheguei! Eu estou aqui! Sentes a minha mão na tua mão? Sente, Mana, sente! Não importam mais os aviões, não importam mais as distâncias, não importam mais as regras dos outros. No exato momento em que a nossa mãe morreu, eu renasci para ti. Para te segurar a mão, para te perguntar como estás e onde queres ir… renasci para me certificar de que todas as tuas passadas serão dadas na direção que tu escolheres. Vamos viver, Mana, o que temos para viver, sem cedências, nem contemplações, orientados pelo brilho dessas duas estrelinhas maiores que brilham por nós lá no alto do Céu e nos indicam o caminho que nos tinham ensinado.
Está em nós Toda a essência Do Amor. Está em nós Toda a ciência Da alegria E da dor. Está em nós A arte de colocar A minha cabeça No teu regaço E essa forma Única De segurares Meu braço. Está em nós A arte de um beijo Despudorado, Em público trocado. E está em nós Algo de eterno E não perecível, Tão antigo E tão renovado… A confiança De estares aí, A certeza deste encontro Desencontrado! E haver ainda Tanto para amar Depois de tanto Já amado.
Lá longe.
Lá, onde o olhar não chega,
Do outro lado do Mundo,
Há um peito
Onde habita meu coração
A bater profundo.
Lá longe.
Lá, onde os rios correm ao contrário,
Bate a descompasso
E sem horário
Um relógio de amar.
Lá longe.
Lá, onde estou, mas não chego,
Aguarda-me esse inigualável sossego
De teus braços a abraçar.
Lá longe.
Lá, nessas ruas desertas de mim,
Onde deambulam teus passos, assim
Como quem me inaugura o desejo…
Lá, onde estou e te não vejo,
Mas te amo com devoção.
Lá longe.
Lá, onde me falta o chão
E me sobra o caminho.
Lá, onde piso devagarinho
E me aproximo sem chegar
A esse apetecível altar
De rezas e súplicas imploradas.
Lá, onde está teu ser
E meu ser desejava estar
Ao cair da noite
E nas auroras anunciadas.
Viajante clandestino
No porão do teu olhar,
Eu sou.
Coração de menino
No peito a exultar,
Eu sou.
Amante dos gestos,
Realizados e a realizar,
Eu sou.
Não há mais palavras
Para dizer-te.
Tu és as palavras todas.
Tu és o texto,
O poema acabado e perfeito,
Tu és a pergunta e a resposta,
O predicado e o sujeito
Do viajante que levas
Escondido…
No porão do teu olhar.
Não me sais do peito.
Apetecem-me ousadias
Sem jeito.
E ternuras desmesuradas.
Apetece-me o teu olhar
Encantado
E as tuas mãos
Em meu corpo saciadas.
Apetece-me beijar-te
A pele
E a alma.
Menos que isso
É estar morto.
As tuas palavras
Anunciam desejos.
Os teus lábios
Prometem beijos.
As tuas mãos
Semeiam carícias.
As tuas ancas
Conjuram delícias.
Se não for o anúncio falso
E a promessa vã,
Se não for a sementeira estéril
E a conjuração improcedente,
Nascerá uma nova manhã
De odores citrinos e inaugurais.
Manhã ímpar e fresca
De gestos simples e fundamentais.
Um mundo renovado
E uma nova religião,
O credo do pastor amado
E a prece da paixão.
Reescrevo versículos
Com a cabeça abandonada
Em tuas nádegas desnudas.
Se soubesses
O quanto mudas
Só por estar aqui.
Tenho uma nova Bíblia,
Repleta de orações,
Que nasceu em ti.
E esse livro,
Sagrado e controverso,
Desenha um ato de amor
Em cada singelo verso.
Não é um amor proibido.
Não é um sentimento fingido, também.
É um desencontro
Que nasceu, quem sabe,
No útero de minha mãe.
Não é o que nunca foi,
E não é, também,
O que nunca será.
É um sentir,
Aqui e já,
O desejo
E a impossibilidade.
É uma coisa nova
Mais antiga que a idade.
Não é um pecado,
E não é lícito também.
É uma transgressão imaculada
Que nasceu, quem sabe,
No útero de tua mãe.
Não é um romance anónimo,
E não é, tão pouco,
Um romance nomeado.
Tu não pronuncias meu nome,
E teu nome, em meus lábios,
Isso, sim, seria pecado.
E vivemos neste entre-ser
Que a vida nos trouxe,
Sem saber como teria sido,
Mas vivendo como se fosse.
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