Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Anseio

iago filhoAnseio

Anseio já esse abraço.
Esse toque puro.
Anseio a tua voz
Para cá do muro.
Essa distância que me mata
É a medida imprecisa
E exata
Deste peso no peito,
Desta mão incerta,
Deste amor que te tenho,
Sem o qual
A minha vida é deserta
De tudo.
Até de mim.

Meu olhar vagueia
À procura de ti
Enquanto percorro
Mundo e meio
E finjo outras razões,
Outros motivos e sensações.
E tudo é simples e cristalino,
Sou só um pai perdido
À procura do seu menino.

Andaste lá longe.
Cá longe andei,
Mas já gira a roda
Das palavras que te direi.
Essas palavras de desassossego…
Palavras de ter-te,
De reter-te…
E o medo
De ver-te partir outra vez.

Errante pelo mundo,
Procuras o sentido profundo de ti,
Esse mesmo que tenho em mim
E posso contar-te baixinho
Para ninguém ouvir.
Ser pai é olhar
Um filho partir.
E há nessa contemplação
Uma alegria e uma dor.
A alegria jorra na fonte generosa da presença
E a dor de amar dita sua definitiva sentença.

Eu vivo em ti,
Por ti,
Para ti.
E há nisso
Um gozo e um prazer.
É ver-te crescer e ser homem.
Quem dera morrer
E saber-te bem e completo.
É esse meu desejo secreto,
Minha missão,
Meu ousado cometimento.
Amar-te a cada instante,
Libertar-te em cada momento.

jpv

 


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Um País

Portugal Ilha de MoçambiqueUm País

Um marco na estrada,
Um gesto que se faz.
Uma palavra que se diz
E ergue-se o meu país.
É um barco no mar,
Uma varina a chorar.
É uma sopa e o conduto
E uma velhinha vestida de luto.
É um homem que parte.
É a vertigem da arte.
É um pão sobre a mesa,
É mais dúvida que certeza.
É uma capela e um sino,
Uma bandeira e um hino.

E é a saudade!

É uma guitarra a chorar um fado,
Um povo trabalhador e honrado.
E é a distância.
O passo certo da errância
E da solidão.

O meu país é uma canção.

Nascem na pena de um poeta
Versos de esperança e futuro.
Mas o horizonte e a meta
Estão para lá do muro.
A semente secou e morreu
Num ventre prenhe de vida.
O meu país pereceu
Às mãos de uma arma fingida.

Houve homens altos
Que ergueram uma capela no Índico
E uma fortaleza perdida.
Houve homens que foram lá longe
Onde começa o mundo,
No outro extremo desse poço sem fundo
De palavras e dizeres.
Houve homens que levantaram âncoras
De morte e suor.
E também houve feitos épicos
E vorazes epopeias.

O meu país é um deserto de ideias!

Passa uma criança com fome
E um doente abandonado,
Passa um velho triste
E um político num fato engomado.
Passa um avião
Rasando as casas da cidade,
Lá dentro vai a desilusão
Num corpo sem idade.
Passa um povo traído
E não há quem o console,
Vive entregue ao capricho sinuoso
De uma bola de futebol.
Vai desfilando angústia e desespero
Na passadeira da história.

Meu país é um povo sem memória!

E de manhã, ao acordar,
Sente-se um perfume no ar,
Um vento de insuspeita mudança,
Um grasnar na praia,
Um rumor de sentença,
Uma música na rádio,
Uma correria de rua,
Uma bandeira desfraldada,
Uma mulher semi-nua.
Um gritar entusiasmado,
Uma cidade em alvoroço,
Um refrão mal rimado
Em verbo curto e grosso.
Um punho no ar,
Um cartaz na mão.

Portugal é um país
Em constante revolução!

jpv


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No manto escuro e brilhante

No manto escuro e brilhante

 

No manto escuro e brilhante
Situa-se um conjunto de afortunados
Quase nele encontra-se conforto e sossego

Naquele momento quando se desperta
Provoca um desejo de dar a volta
Sem a sua companhia
Nós não teríamos fantasia

Minutos, segundos ou mesmo horas
Perde-se naqueles breves momentos
Momentos trágicos e loucos
Que nos assombram para a vida

Sem eles a nossa vida estaria incompleta
Porque sem aquelas memórias e desejos
Nós seriámos humanos inférteis
Sem nada para ansiar ou sem nada para desejar…

Nádia Pinto
13 anos


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Linha Indecisa

Endechas à Saia de Bárbara

Linha Indecisa

Há, na linha indecisa
Da tua saia,
Um fim
E um princípio.
É o tecido que termina
E desmaia,
É a perna que surge
E contra a minha vista
Insurge
Sua presença
E seu tom.
E eu não sei
Se isso é mau
Ou se é bom.
É que não a vejo toda,
Nem toda a quero ver.
Basta-me o suficiente
Para te não esquecer.

E poderia ver mais,
Além desse limite,
E desse precipício.
Mas isso seria inequívoco
E intolerável indício
De pairar no ar
Perigoso convite.
Serei prudente,
Fingirei que não vi,
Antes que a visão do abismo
Me precipite!

Leva lá a saia
E sua sinuosa linha
Antes que me descaia,
De novo,
O olhar para a perninha!

jpv


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Antes do Tempo

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Antes do Tempo

Antes da memória.
Antes da penumbra no olhar.
Antes da história
E de termos de explicar.
Antes de morrer a inocência.
Antes de termos cuidado.
Antes do nosso futuro
Não ter passado.
Antes de um dia aziago.
Antes de uma lágrima corrida.
Antes do ritual fúnebre
Que marcou a nossa vida.
Antes do tempo
Em que não havia tempo
Antes de quase tudo
Ser só um momento.
Antes desse tempo,
Tu eras menina
E bailava no teu olhar
O brilho de um sorriso.
Antes desse tempo,
Era um gesto conciso.
E absoluto.
Era das tuas palavras
Que eu bebia a vida,
Era da tua vida
Que eu marcava a partida.
E a chegada.
Antes desse tempo,
O tempo era tudo
E a fortuna era nada!

jpv
À minha Mana


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Um Átomo de Esperança

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Um Átomo de Esperança

Tudo é desencanto.
Tudo morre e fenece.
Tudo se perde
Por entre as palavras de uma prece.
Nada do que deixou de ser
Será alguma vez.
Mesmo quando se tira o luto,
Permanece a viuvez.

Tudo se esvai.
Tudo escapa às mãos
Por entre os dedos.
Jazem frios e podres
Os espíritos mais ledos.

As palavras persistem
Resistem ao tempo e à sorte.
Mas, como tudo o resto,
Adormecem nos braços da morte.

Resta uma ténue luz.
Um átomo de esperança
Na curva de um corpo que seduz,
Numa mão…
Que outra mão alcança.
A luz que resgata a Humanidade
Quando ganha força e folgor
Liberta para a eternidade
Quem persegue um grande amor!

jpv


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Uma Mão Negra Numa Mão Branca

As Cores da Capulana

Uma Mão Negra Numa Mão Branca

Uma mão negra
Numa mão branca,
Umas calças
E uma camisa…
Pouco mais
Um homem precisa.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Uma saia
E uma blusa…
Pouco mais
Uma mulher usa.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Uma conversa arrolhada,
Uma carícia,
Um beijo na testa
E outra frase namorada.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Um caderno
Debaixo do braço
E outro caderno
Debaixo do braço.
Um peito inflamado
Um olhar brotando ternura…
Entre a mão negra
E a branca mão
Há uma nascente da coisa mais pura.

Uma mão negra
Numa mão branca.

jpv


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Plume

Plume

Une plume
De peur.
Un jamais
Toujours.
Un noir et blanc
En couleurs.
Un fort et faible
Amour.

jpv


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Corpo sem Sonho nem Quimera

(Imagem jpv)

Corpo sem Sonho nem Quimera

Rasgo o pulso do tempo.
Procuro a cada hora
Encontrar o que está por fora
De um único e irrepetível momento.

Amo o vento
E o frio
Rasgando-me a carne.
Amo o suor e a dor,
O lazer e o labor,
A luz do fogo
Enquanto arde.

Amo quem parte
Como quem fica.
Amo o homem que ordena
E o que suplica.
Amo hoje o dia que passa
E amanhã o que passou.
Amo e odeio
O homem que me prendeu
E a vertigem que me libertou.

Não sei quem seja.
Nem ateu,
Nem homem de igreja.
Nem bêbado cambaleando,
Nem sóbrio sem emoção.
Sou uma triste e alegre visão
De mim.
Um rio sem fim,
Correndo para o mar,
Uma gaivota cortando o ar,
Uma mão afagando um púbis,
Um poeta esgazeado
E perplexo.
Um entumescido
E laborioso sexo,
Uma carícia dolente
E dedicada.
Uma procura solitária
E desesperada.

E há essa impossibilidade.
Essa mordaça
Na voz e no peito
Que me tolhe a vontade
E desconcerta o jeito.
Há essa impotência
Em mim,
De ver-te partir,
E saber
Que não foi o fim.
Há esse grito
Silenciado,
Esse gesto
Pequeno e torturado.
Esse querer e não poder querer-te.
Me.

Não sei já do sangue
Nem da palavra.
Não me lembro do teu toque
Nem da tua voz.
O pouco que resta de ti
Habita em nós
E perde-se
A cada gesto desenhado,
A cada braço estendido,
A cada mão aberta,
A cada corpo amparado.

A vida…
A vida não existe.
É mera sombra,
Fractal impreciso,
Puta cansada e triste
Rejeitando uma voz que insiste…
E entrega-lhe o corpo,
Esvazia a alma,
Abandona a intenção
E perde a memória
Da razão… original.

O tempo não tem pulso
E dentro de cada momento
Não está nada.
A vida,
Se fosse alguma coisa,
Seria uma intenção abandonada.

Afinal,
Não amo nada.
Nada odeio.
Pensei ser o centro e o meio
De tudo.
E quedei-me cego e mudo
Quando finalmente percebi
Que nem pelas palavras
Estou aqui.

Ausência.
Espera.
Corpo sem sonho nem quimera.
Cadáver ofegante
Do homem que desespera.

jpv


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Manhã Serena

Manhã Serena

Manhã serena,
De sons raros.
Um homem que passa,
Uma mesa que se arrasta,
Um ardina agachado
Separando jornais.
A brisa corre,
Tranquila,
E há pouco mais.
Nem era preciso…
Todo o oiro
É conciso
E parece pouco.

A frescura verde
Do momento inaugural,
Manhã imaculada
Sem espaço para o mal.

Manhã serena,
De sons raros.
Um homem que passa,
Sentimentos caros.
Um aroma de café,
Um passarinho a debicar,
Uma mulher a caminho da Fé,
Um canto de ave corta o ar.

Manhã serena,
De sons raros.
E ergue-se a pena…
Mas, ó poetisa,
Não tenho teu mármore de Paros,
Nem guardo teus contidos beijos.
A mim,
Afloram e irrompem
Os desejos
Rudes e brutais,
Jactante palavra,
Vigoroso gesto,
Que não se contém jamais.
Quanto ao resto…
Palavras
E pouco mais.

E a urgência
De um barco
No teu corpo
Desenhando o arco
do prazer.
Mais que isso
É morrer!

É agora suprema,
A manhã,
Já se foi a tranquilidade
Regressou o ruído e o afã
Às veias da grande cidade.
A ela me entrego
E já não nego
O furor e o frenesim.
Na grande cidade,
Emerge a manhã inaugural,
Princípio de todo o fim.

jpv
Maputo, Março de 2014