Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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E Depois…

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Pois…
Houve um momento lindo
E depois
Perdeu-se a chama,
Perdeu-se toda a glória
E morreu à nascença
A nossa história.

Pois…
Houve um momento lindo
E depois
O meu coração batia
Do lado em que o teu fingia.
E a mim me faltou
O rumo e o remo,
A vela e a quilha,
E o barco naufragou.
E restei só eu
Preso e perdido
Na ilha.

Pois…
Houve um momento lindo
E depois
Quis mais do que podias dar-me,
Quis a ilusão e a promessa,
Quis o tempo e a tua mão.
Mas tu tinhas pressa.
Não te acompanhei,
E não há para a tua liberdade
Amor, nem prisão.

jpv


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Chão de Vida

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Chão de Vida

Estes são os meus dias,
As minhas cores,
Os meus pássaros,
Os meus animais selvagens,
Os meus ritmos,
As minhas manhãs,
Os meus perigos,
O meu peito cheio de esperança,
A minha paisagem,
A minha música
E a minha dança.

É aqui que pertenço em vida.

Cada hora vivida,
Doce ou amarga,
De chegada
Ou de partida,
É aqui o seu tempo.

É aqui o Paraíso
E a falta dele.
A liberdade
E o medo.
A revelação
E o segredo.

São daqui os momentos
Que vale a pena viver.
A minha família é este chão.
Este sentir que há tempo
Para além do tempo.
Este ir e voltar,
Partir e regressar
Sob a pele marcado.
Minha vida é uma viagem
E este é o porto
Que vê chegar o nauta cansado.

jpv


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São Tantos e Tão Intensos

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São tantos e tão intensos,
Os afetos.
E tudo isto é tão pouco.
Queria ver-te viver
Para sempre.
Não és uma pessoa,
Nem humana é tua
Essência.
Tu és a razão de toda a existência.
Tu és o espaço preenchido.
O coração enfunado
De amor.
Tu és o exercício vencido
De suportar qualquer dor.

Não temo a morte,
Venha quando vier,
Seria sempre essa a sorte.
Tenho só pena de deixar-te…
Tenho pena de não poder ouvir-te mais…
Ver-te desenhar a vida
A traços de loucura e coragem,
Desafiar os limites
Na insana voragem
Do horizonte.

Não há palavras
Para o que tenho no peito.
Há só estes versos sem jeito
A rasgarem lágrimas de alegria
E saudade.
Há a imagem de ti
Como um universo sem fim.
Há a minha vida
Nas tuas mãos…
Para além de mim.

jpv


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Condição

sexy couple[Imagem daqui]

Há, na tua juventude,
Algo que faz falta à minha velhice.
E, dizes-me tu com matreirice,
Que existe na minha condição
Muito charme,
Muito tesão.

Mentimos os dois.

Nem eu posso levar
Para antes
O que é do depois,
Nem tu me podes oferecer
O que, por condição,
Não tenho como receber.

jpv


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Deus ou o Diabo

fccc1-sexy-red-dressDeus ou o Diabo

Essa cristã dicotomia.
Esse excelso apartar.
Essa terrível chaga
De por cada um no seu lugar.
Esse prémio e esse castigo,
A salvação do justo
E a condenação do iníquo.
Essa opção um dia,
Todos os dias.
Esse se
Pendendo sobre o que farias.

O meu suor na tua cama,
Outro corpo suado que me chama.
O meu corpo sobre o teu
E a sombra de outro
Desenhada no meu.
Uma visita furtiva
E um pouco de amor no regaço.
Palavras incendiadas de prazer
E outro prazer no meu espaço.
O sexo e a tentação.
As horas que passo
Em teus domínios.
E logo me chamando
Outras vozes
E outros desígnios.

Há um céu e um inferno
Um gesto brusco e outro terno.
Há um chegar e um partir.
Há uma fuga de mim
E um perseguir
O sonho de querer-te,
Ser feliz…
Rotina de paixão sem fim.

E há uma oração
Em teu corpo nu e ajoelhado
Traçando com precisão
A distância entre Deus e o Diabo.

jpv


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Poesia das Palavras Indizíveis – Demasiadas Sombras, Senhor Grey.

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Poesia das Palavras Indizíveis

Demasiadas Sombras, Senhor Grey.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido em casa.
Um braço no ar,
Um grito a rasgar o silêncio.
Um gesto que arrasa…
A existência.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido no carro.
Um pé no travão.
Um som de pneus a deslizar.
Um braço no ar.
Uma boca a cuspir sangue.
Uma mulher que baixa os olhos e espera…
Mais.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido no jardim.
Um braço no ar.
Minutos que não chegam ao fim.
O negro do sangue pisado.
Um olho disforme.
Assim…
Ornamentado.

Quando ele levanta o braço
Para ela,
Não interessa se foi ou não
Na tela.
O que se vê,
É ele a bater nela…
Por amor!

Não há erotismo
Nem sexo
Na violência
E no excesso
De uma mulher agredida.

Há só um crime…
Contra a vida!

jpv


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Poesia das Palavras Indizíveis – Pediatria

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Poesia das Palavras Indizíveis

Pediatria

Era negra, a menina.
Era negro, o destino.
Era negro e franzino
O gajo atrás do vidro.

E desfalecia, a menina.
Desfalecia, a vida
No vórtex da indiferença
De uma fila comprida.

Tempo de desespero,
A mãe com a criança
Entre os braços.
Estreitam-se ainda mais
Os já muito estreitados laços.
Um olhar triste.
Um olhar conformado.
Um olhar sem revolta
Na revolta de um olhar molhado.

E uma espera.
Uma noite longa e quente.
Um corpo pequenino e indefeso.
Um homem distante e ausente.

Sem piedade,
A urbe adormece,
Embalando nos seus braços
As teias que a vida tece.
E há dor.
E há vida e luz.
E há destinos de outra gente.
Gente que a gente produz…

E abandona às trevas da morte.

jpv


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Modo de Voo

voo

Longe.
Distante.
Dias e horas me separam
Desse abraço que anseio.
Queria já o momento
Saltando o que fica pelo meio.

Sem tecnologias,
Nem crédito, nem saldo,
Nem luz que anuncia
Ilusória presença.
Só tu e eu
E a deliciosa sentença
De um abraço,
Queimando o tempo
Suprimindo o espaço.

Falta ainda o asfalto
Cá em baixo,
E aquele outro lá no alto,
Impreciso e etéreo trilho,
Que começa no meu peito
E termina junto a ti, filho!

jpv


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Nefasta Nuvem

9622d-pai-jpUm segundo perdido.
Um fugaz momento.
Um bater de asas no ar.

Um olhar fugido
Sem espaço nem tempo.
Um coração a pulsar.

Uma palavra segura.
Um raio de luz
Desenhado numa sala escura.

Uma prisão
E a liberdade.
Um corpo caído na estrada
Sem desejo nem vontade.

Um quase poema.
Uma redação da primeira classe
Escrita sobre o joelho
Num papelinho
Onde coube uma casa, uma árvore…
E um caminho.

Um fim.
E um princípio.
Uma solidão
Entregue à tua distante
Companhia.
Uma noite
Que teima em fazer-se dia
Contra minha triste determinação.
A ausência da tua mão,
E nela as mãos todas. Outras.

Uma linha de vida
E um nó.
Uma alma perdida
Em nefasta nuvem de pó.

jpv


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Leva!

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Nesta casa há uma varanda
E de frente para ela,
Além da última janela,
Descansa uma acácia
Africana e secular.
E é nos ramos dela
Que o rouxinol se põe a cantar.

Entoa a suave melodia
Em cristalino trinado,
Mas só canta ao fim-de-semana
Ou sendo dia feriado.
Escolhe os dias a preceito,
Elege para o seu labor
O dia para o meu descanso eleito.

Embala o meu fazer nada,
Em canto jovial
E musical frase certinha,
Desde o nascer da alvorada
Até ao cair da tardinha.

Leva minhas distâncias, passarinho,
Leva minha dor e minha saudade,
Leva minh’ alma para um tempo
Onde não haja bússola nem idade.
Leva meu desespero e minhas amarguras,
Embala no teu canto estas tristes e futuras
Palavras.

Sai dessa acácia,
Leva a minha dor para longe dela.
E volta, depois, leve e puro,
A cantar de frente
Para a minha janela.

jpv