Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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São Tantos e Tão Intensos

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São tantos e tão intensos,
Os afetos.
E tudo isto é tão pouco.
Queria ver-te viver
Para sempre.
Não és uma pessoa,
Nem humana é tua
Essência.
Tu és a razão de toda a existência.
Tu és o espaço preenchido.
O coração enfunado
De amor.
Tu és o exercício vencido
De suportar qualquer dor.

Não temo a morte,
Venha quando vier,
Seria sempre essa a sorte.
Tenho só pena de deixar-te…
Tenho pena de não poder ouvir-te mais…
Ver-te desenhar a vida
A traços de loucura e coragem,
Desafiar os limites
Na insana voragem
Do horizonte.

Não há palavras
Para o que tenho no peito.
Há só estes versos sem jeito
A rasgarem lágrimas de alegria
E saudade.
Há a imagem de ti
Como um universo sem fim.
Há a minha vida
Nas tuas mãos…
Para além de mim.

jpv


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Poesia das Palavras Indizíveis – Pediatria

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Poesia das Palavras Indizíveis

Pediatria

Era negra, a menina.
Era negro, o destino.
Era negro e franzino
O gajo atrás do vidro.

E desfalecia, a menina.
Desfalecia, a vida
No vórtex da indiferença
De uma fila comprida.

Tempo de desespero,
A mãe com a criança
Entre os braços.
Estreitam-se ainda mais
Os já muito estreitados laços.
Um olhar triste.
Um olhar conformado.
Um olhar sem revolta
Na revolta de um olhar molhado.

E uma espera.
Uma noite longa e quente.
Um corpo pequenino e indefeso.
Um homem distante e ausente.

Sem piedade,
A urbe adormece,
Embalando nos seus braços
As teias que a vida tece.
E há dor.
E há vida e luz.
E há destinos de outra gente.
Gente que a gente produz…

E abandona às trevas da morte.

jpv


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Reencontro

Selfie Iago Brazil Neymar Copa ReencontroReencontro

Vieste como sempre, tranquilo. Chegaste como sempre, tranquilo.

A mala carregada de aventuras, de histórias ousadas, dos riscos que correste, das emoções, do que mais ninguém fez a não ser tu. Disseram-te que morrerias no deserto e foste. E voltaste de noite com a lua a rebrilhar no chão de sal. E subiste à favela assustadora como quem caminha por entre irmãos. E foi isso que aconteceu! E eu ouvia-te, ali mesmo ao pé de mim, e ainda sentia medo por ti! E a estrada com tiroteio dos dois lados e o veleiro que te deu boleia, a fala com os brasileiros, o vocabulário que adotaste para te entenderem e teimas em repetir pelo hábito. Os professores, os colegas , as notas. O Uruguai, a Argentina, a Bolívia, Porto Alegre e a cidade que te encantou como não esperavas, mais do que a Lisboa do teu coração: Rio de Janeiro. A melhor cidade do mundo disseste. As aulas teóricas e as práticas, a camiseta do Neymar, o futebol em Copacabana, à beira mar vivido.

Trazes um mundo inteiro nas palavras, no sorriso, nas ironias, no profundo entusiasmo com que superaste tudo. Até um assalto de pistola em punho. E eu temendo, ainda, por ti. Eu, que escrevera há dias que amar é libertar. E é. Mas ninguém disse que é fácil. Não poderia prender-te. Não se aprisiona um ser humano. Sempre que aprisionamos um ser humano, há algo nele que morre e não viverá de novo. Quero-te assim, a destilar entusiasmo e vida vivida em toda a sua plenitude. Trabalho, prazer, alegrias, tristezas, segurança e riscos. Quero-te livre, mesmo que isso me sofra. Doer, não é o termo.

E quero que conquistes o mundo e o vivas e o faças teu. E quero que regresses. Ver-te partir dói, sim. Mas é porque dói, que ver-te chegar é mais do que um reencontro, é um renascer do meu coração pequenino para a Vida e para a Fé!

Chegaste. E o mundo voltou a fazer sentido. Tudo está de novo no seu sítio. Até que partas outra vez e leves o nosso amor e o nosso orgulho contigo.

Se morresse agora, morria feliz. Junto a ti, depois de me reencontrar contigo, depois de ouvir-te as aventuras, depois de perceber que, sem ti, não há mundo, não há vida que valha a pena viver. Se morresse agora, não morria ninguém a não ser o pai do meu menino. E esse, ia feliz. E esperaria por ti até que nos reencontrássemos de novo. Não tem fronteiras, este amor que nos une. Nem mesmo essa.

Bem vindo, filho!

Pai

 


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Anseio

iago filhoAnseio

Anseio já esse abraço.
Esse toque puro.
Anseio a tua voz
Para cá do muro.
Essa distância que me mata
É a medida imprecisa
E exata
Deste peso no peito,
Desta mão incerta,
Deste amor que te tenho,
Sem o qual
A minha vida é deserta
De tudo.
Até de mim.

Meu olhar vagueia
À procura de ti
Enquanto percorro
Mundo e meio
E finjo outras razões,
Outros motivos e sensações.
E tudo é simples e cristalino,
Sou só um pai perdido
À procura do seu menino.

Andaste lá longe.
Cá longe andei,
Mas já gira a roda
Das palavras que te direi.
Essas palavras de desassossego…
Palavras de ter-te,
De reter-te…
E o medo
De ver-te partir outra vez.

Errante pelo mundo,
Procuras o sentido profundo de ti,
Esse mesmo que tenho em mim
E posso contar-te baixinho
Para ninguém ouvir.
Ser pai é olhar
Um filho partir.
E há nessa contemplação
Uma alegria e uma dor.
A alegria jorra na fonte generosa da presença
E a dor de amar dita sua definitiva sentença.

Eu vivo em ti,
Por ti,
Para ti.
E há nisso
Um gozo e um prazer.
É ver-te crescer e ser homem.
Quem dera morrer
E saber-te bem e completo.
É esse meu desejo secreto,
Minha missão,
Meu ousado cometimento.
Amar-te a cada instante,
Libertar-te em cada momento.

jpv

 


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Excesso

Um poema profundo, belo, tremendamente sensual e comprometido com a paixão!

Um excesso de sentir, de amar… as palavras do único bardo português vivo!

jpv


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O Efeito Linus Van Pelt

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O Efeito Linus Van Pelt

Lembram-se do Charlie Brown? Devem lembrar. Mas, se não lembrarem, pelo menos, lembram-se do Snoopy que era o cão do Charlie Brown… Pronto, se já se lembraram deles, agora esqueçam. Eu nunca gostei particularmente da banda desenhada ‘Peanuts’ do Charles Schulz, mas as coisas são como são e eu acabava sempre a ler mais um livrinho ou a ver mais um episódio da série animada e a razão era simples, chamava-se Linus Van Pelt. Também conhecido só por Linus, era o melhor amigo de Charlie Brown e de longe, mas mesmo de muito longe, mais interessante que o Charlie ou o cão estúpido-teimoso-arrogante-domesticador-de-humanos-com-a-mania-que-tem-piada, o tal do Snoopy.

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Linus era equilibrado, tinha uma visão racional das situações, não se deixava levar pelas parvoíces do Charlie Brown, enfim, às vezes deixava, era inteligente e, sobretudo, era uma personagem mesmo interessante, de bem consigo, sem grandes dilemas interiores, nem dúvidas em relação às suas opções. Nada ao meu alcance, portanto. Ainda assim, havia um aspeto que me fascinava mais do que todos os outros: Linus tinha um cobertor que levava para todo o lado. Nunca achei a ideia muito higiénica, mas sempre pensei que ter um amigo constante, fofinho, a quem confessamos os nossos segredos, pedimos conselhos, desabafamos e que, em última análise, também serve para limpar as mãos, era muitíssimo reconfortante. Talvez por isso, sempre quis ter um cobertor como o do Linus, mas a vida nunca mo trouxe. Quando comecei a namorar, deixei-me de parvoíces e atirei-me às raparigas. Boa jogada, o tempo veio a provar. Mas o tempo passa. A vida adquire novas cores e perspetivas e já ia com trinta e muitos, quando comprei uma t-shirt, a da foto, propositadamente tremida para não verem o estado em que está, que se viria a revelar uma das melhores aquisições da minha vida. Foi há mais de dez anos e nunca me lembro da t-shirt alguma vez ter sido nova. Pouco depois de a comprar, sofreu um pequeno, quase impercetível, rasgão que a impede de ser uma t-shirt de sair à rua. Não poderia ter vindo mais a calhar, o rasgão. É que a t-shirt tinha e, passados todos estes anos, ainda tem, um toque suavíssimo, um tamanho perfeito, um cair delicioso, um vestir super-hiper-mega-confortável. E assim, meu Deus, o que vou escrever a seguir, estragará o que resta da minha reputação, transformei-a na minha t-shirt Linus Van Pelt. Serve para ler, para dormir, para ver televisão no sofá, sobretudo se estiver a dar o Benfica, para arrumar a casa, para escrever, para cozinhar, para lavar o carro, para ir à praia e proteger do sol, para fazer bricolages e, quando há tempo, é perfeita para fazer nada com uma chávena de café quente na mão. E só não saio à rua com ela para ir comprar o pão ou fazer uma investida ao supermercado porque a minha mulher proibiu-me de o fazer. Aliás, cá em casa, a minha t-shirt Linus Van Pelt tem uma ameaça pendente: já várias vezes lhe foi sentenciada a pena de ir parar ao caixote do lixo. O funesto evento só ainda não aconteceu porque eu me comprometi a enfiá-la na máquina com frequência e porque, quando a visto, além de irresistível, devo ficar com ar de inigualável felicidade.

A verdade é que quando visto a minha t-shirt, abate-se sobre mim o efeito Linus Van Pelt. Fico tranquilo, feliz, equilibrado, de bem com a vida. E só escrevo estas linhas porque quero homenageá-la! Pois, devo estar mesmo mal, é do cansaço! Já vou na fase de homenagear peças de roupa. Sinto-me subitamente feliz e realizado, sinto-me confortável e bem enquadrado no Universo. Quando visto aquela t-shirt sinto-me em casa onde quer que esteja. Não se estranhe por isso que, com limite de peso na bagagem e tanta coisa para trazer, quando vim para Moçambique, há dois anos, a primeira coisa a fazer, foi guardar um espacinho na mala para minha t-shirt Linus Van Pelt.

jpv


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39

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Olá Mana!

Saudades! Muitas!

Hoje é 31 de maio. Faz, portanto, 39 anos que reaprendemos a viver! Não morremos. Renascemos…

Amo-te muito, Mana!

Mil beijinhos,

Mano

 

A reler: https://mailsparaaminhairma.wordpress.com/2011/05/31/a-noite-mais-longa/


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Antes do Tempo

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Antes do Tempo

Antes da memória.
Antes da penumbra no olhar.
Antes da história
E de termos de explicar.
Antes de morrer a inocência.
Antes de termos cuidado.
Antes do nosso futuro
Não ter passado.
Antes de um dia aziago.
Antes de uma lágrima corrida.
Antes do ritual fúnebre
Que marcou a nossa vida.
Antes do tempo
Em que não havia tempo
Antes de quase tudo
Ser só um momento.
Antes desse tempo,
Tu eras menina
E bailava no teu olhar
O brilho de um sorriso.
Antes desse tempo,
Era um gesto conciso.
E absoluto.
Era das tuas palavras
Que eu bebia a vida,
Era da tua vida
Que eu marcava a partida.
E a chegada.
Antes desse tempo,
O tempo era tudo
E a fortuna era nada!

jpv
À minha Mana


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Breve e Óbvia Ciência

Breve e Óbvia Ciência

A minha língua
Na tua pele,
A minha saliva
No teu sal.
A minha sombra
No teu corpo,
O meu desejo
No teu traço.

E perco-me
Nisto que faço,
Na entrega
E na sensualidade
De não haver fronteira
Nem espaço,
Nem idade,
Nem tempo,
Nem conceito…

Tu és a cama
Onde me deito.
A linha reta
E a curva.
A água clara
E a vista turva.
O Chamamento
E a perdição.
O fulgor
E a submissão.
O côncavo
E o convexo.
O amor puro
E o desenfreado sexo.

Tu és a linha
Que define
O meu caminho,
Copo de água,
Cálice de vinho.
Altar sagrado,
Templo saqueado,
Caminhada à chuva…
Travo de limão,
Açúcar de uva.
Tu és a luz
E a ausência dela,
A noite escura e serena,
A linha definida e amarela
Do astro quente como a tua pele,
O ritmo sensual
Que o meu corpo impele
À vida,
Quando te vê chegar.
E a língua, de novo,
A procurar teus montes,
Teus altos e baixos,
Teus fortes e fracos,
Tuas ancas oferecidas
Sem regateios,
Teus redondos
E generosos seios.

Reparto contigo
Os dias
E a existência,
E há nesta conclusão
A breve e óbvia ciência
De seres minha.
De ser teu.
O tempo rasga a vida
Nas cercanias de meu tato.
Amor nos teus lábios
É mais que palavra,
É concluso e perfeito ato!

A tua língua
Na minha pele…

jpv


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Os Teus Olhos

Os Teus Olhos

Os teus olhos
Contam histórias incontáveis.
Bailam neles
Mistérios improváveis,
Traços de sã loucura,
Luas de ternura
E sóis de paixão.
Cabe nos teus olhos
Toda a emoção
De uma surpresa.
A intensa
Chama acesa
De uma palavra
Que se adivinha
Mas se não diz.
O ar reguila e traquina
De um petiz
Que sorri
Depois de roubada
A maçã e dobrada a esquina…
Sem pecado.
Os teus olhos
Contam histórias incontáveis
Sem ninguém
As ter narrado.

jpv