Uma nau navegava Em água tranquila E quase parada. E o nauta esquecera A âncora fundeada. Arrastava-se a embarcação, Metro a metro, Dor a dor. E o nauta ergueu a mão Para admirar o esplendor. Era Terra… Uma terra de promessas, Vegetação ardente, Areia alva nunca pisada. E a nau sem pressas… Acorda-lhe uma emoção no peito, Põe a voz a jeito E dá a ordem inaugural. Mas a âncora estava ali, Adormecida e fundeada. A nau imóvel, Na ilusão do sucesso, Não tinha ida Nem regresso. E o nauta gritava incitações, Pedia dados e explicações Para tal imobilidade Na visão do Paraíso. Perante tudo o que um nauta quer, Como poderia estar a nau imobilizada. Um homem soturno e cobarde Segurava a âncora fundeada. Recebeu ordens para a içar, E não respondeu nem agiu. Outro marinheiro o viu E foi afastá-lo. Mas o homem era já só Um hirto corpo De olhar fixo e morto No passado. A alma vazia e desesperada, Em âncora convertida, Pesada, inerte e fundeada. A ilha se desvanece, O ânimo do nauta perece. A tripulação insurge-se, irada, E é assassinado o marinheiro Da visão inalcançada. A âncora permanece Inerte e fundeada.
O blogue “Mails para a minha Irmã” completa hoje 11 anos! Onze anos de textos, de partilhas, de desabafos, de literatura, de parvoíces, de imagens, de música, de emoções, muitas emoções, onze anos de trabalho, dedicação e entrega. Onze anos de vós, aí, desse lado a alimentar tudo isto!
GRATIDÃO! A TODOS! POR TUDO!
Ficam alguns números desta nossa partilha, mas, como em tanta coisa na nossa vida, os números dizem tão pouco. mudaríamos pouco neste percurso. Tem sido o percurso possível porque a escrita e a leitura são assim mesmo. Requerem tempo e atenção e paciência e não se vergam a consumismos imediatistas. Ou talvez verguem. Nós é que preferimos dar tempo ao tempo.
Não consigo, mamã. Não consigo este luto impossível. Não é um luto. É uma luta de Titãs com fantasmas e remorsos. Não consigo despedir-me de ti. Não consigo aceitar a tua perda. Não desta maneira. Abrupta. Trágica. Violenta. Não há preparação possível para a morte. Eu sei. Mas, ao menos, um adeus.
Nessa manhã, escreveste-me um daqueles teus elogios em jeito de brincadeira a reavivar o nosso amor e, uma vez mais, me senti orgulhoso de ti. De como aos setenta e três anos dominavas as tecnologias e tinhas o teu espaço nas redes sociais.
A tua comunidade religiosa, a tua maior rede social, homenageou-te sentidamente, mamã. Com gestos simples, mas profundos, com palavras certeiras, com abraços, com leituras, e com o teu cântico preferido. Sabes, mamã, quando nos despedimos de ti, houve saudade e a natural tristeza de ver-te partir, mas não houve desespero. Pelo contrário. Talvez tenha sido o funeral em que senti mais esperança.
Se soubesses como me arrependo de tanta coisa. De como faria, hoje, tanta coisa diferente. E o que mais me revolta é que foi preciso morreres para perceber isso. Tinhas tanta razão. Tantas razões. Todas fluíam de ti com a naturalidade de um ribeiro que caminha para um curso maior.
A Mana está bem. Não fiques preocupada. É capaz de fazer tudo. De enfrentar tudo. Está forte e autónoma e encontrou uma outra irmã, quase de sangue, uma irmã de dor e compaixão, que tem cuidado dela. A Mana tem dúvidas. Ninguém passa incólume de viver contigo a viver sem ti. Mas está a conseguir. Como tu querias. Talvez melhor do que poderias esperar.
E, agora, vamos lá aqui conversar sobre o mais difícil: o teu adorado e tão desejado bisneto nasceu. É um rapagão grande e lindo e saudável. Ias adorá-lo mais do que já o adoravas antes mesmo de nascer. É um milagre de vida. O teu neto e a tua neta nem sabem para onde virar-se no desvelo de cuidar dele… queria tanto que pudesses pegar-lhe ao colo. O teu colo era tão bom! Tão acolhedor!
Soube, recentemente, que, ao longo dos últimos anos, me escreveste periodicamente. Estou ansioso por beber as tuas palavras. Estou ansioso por reencontrar-me contigo nesse plano de entendimento que só a escrita permite. E temo! Temo ter ainda mais saudades. Temo que esta revolta surda cresça ainda mais. A tua morte, mamã, não pode ser uma tragédia, tem de ser uma revolução.
Naquele momento em que tudo aconteceu, sei que te assustaste e sei que sofreste e sei, contudo, que tudo foi demasiado rápido para pensares, sequer, no que estava a acontecer-te.
Mãezinha, não consigo despedir-me de ti. Não sei que merda seja essa coisa a que chamam luto! Que puta de paz nos sobrevém e dá esperança no futuro se nenhum futuro sem ti o é verdadeiramente. Tinhas tanta vida a viver, tantos projetos, tanta pujança. Não consigo perceber a violência da tua partida inesperada e não consigo largar-te da minha mão, do meu próprio colo, dos meus arrependimentos. Não deixámos nada de importante por dizer, mas ficou tanto por fazer.
Não partas já! Vem, de novo, ajeitar-me o cabelo de menino. Vem, de novo, pedir-me para regressar que, desta vez, eu regresso. Perdoa, mamã! Perdoa pelo bem que te não fiz e podia ter feito. Perdoa as minhas fraquezas e as minhas faltas. Não foram por não te amar, por não te querer bem. Foram por cobardia e outras razões que os homens encontram para justificar as suas ações e os seus erros.
E, agora, estás aqui, a encher-me o peito e a povoar-me os dias e as noites com o teu sorriso, com o teu abraço, com as tuas graças, e aquele toque que me davas no ombro quando querias que me risse contigo. E recordo, com dor e saudade, quando pedias um xiripiti depois de almoço ou quando te surpreendia na cozinha às sete da manhã com tudo arrumado e o almoço já orientado e depois preparavas o teu café e o teu pão e ficávamos ali a conversar.
O máximo que consigo, hoje, mamã, é conversar um pouco mais. Não tenho, ainda, força para despedidas, nem lutas com fantasmas, nem o que quer que seja.
Só consigo conversar contigo e pedir-te desculpa por tudo o que não fui e sonhavas que fosse. Só consigo reencontrar-me, em lágrimas de fogo, com os meus erros e as minhas falhas e o teu sorriso e a tua aceitação e a tua resiliência… hoje, não sou capaz de mais…
[Este texto foi escrito em Outubro de 2019, mas só agora se publica por pruridos de ordem diversa. Mas isso interessa pouco. Fica o texto. E a pequenez de mim. Quando ele souber ler ou quando puder entender o que aqui está escrito, se o avô João já cá não estiver, mostrem-lhe a carta. Percebe-se que, entretanto, o neto nasceu…]
Carta ao meu neto por nascer
Olá miúdo!
Aqui, onde nascemos e onde vais chegar, há uma miríade de coisas maravilhosas à tua espera. Aqui, correm os rios e rebentam as ondas no mar. E aqui, a mamã e o papá vão explicar, há passarinhos a cantar pela manhã e há cheiro a terra molhada depois de uma chuvada. Sim, chove. A água cai, copiosa, dos céus. Não te assustes, é uma bênção de Deus ou da Natureza ou lá o que seja. E vem fria, a água, e refresca a alma e o corpo. E é aqui, também, que nasce o sol pela manhã e se põe ao final da tarde quando todos os segredos dos homens se conjuram e se reencontram. E o mar… pergunta à mamã e ao papá pelos segredos do mar.
O teu pai é um homem forte e corajoso e persistente e, às vezes, obstinado. É um aventureiro que gosta de desafiar os limites e sorri quando se fala de ti. O teu pai foi sempre um bom menino. Talvez ele não saiba, ou já se tenha esquecido, mas ele ainda é um menino. E é meigo. E acho que foi com estas qualidades que conquistou as atenções da tua mãe. O teu pai gosta de praia e de sol e do desconhecido e de partir e de chegar. É irrequieto e sereno e gosta de conversar. E acho que o que ele mais gosta neste mundo é da tua mãe.
A tua mãe é uma menina doce e carinhosa e muito determinada. Escolheu estar indefetivelmente ao lado do teu pai, como uma religião, e é assim que tem vivido desde que a conheço. Gosta de andar descalça, e gosta de comer vegetais, adora jogos de tabuleiro e detesta perder. A tua mãe tem um jeito nato para fazer milagres artesanais com as mãos. É uma mulher de detalhes e pormenores e prefere fazer as prendas de Natal com as próprias mãos do que comprá-las para as oferecer. Eu não sei se ela tem consciência disso, mas é uma mulher de família e é por isso que ela vai ser a melhor mãe do mundo.
A notícia de que estavas para chegar gerou comoção e alegria em todos nós e nós somos muitos, tantos que não posso apresentar-te todos porque a carta ficaria interminável. Tu foste uma dádiva de Amor, a melhor coisa que nos aconteceu em todas as nossas longas vidas e, mesmo sem saberes, vieste alterar a perceção que temos dessas vidas.
Eu sou o avô João e sou muitas outras coisas, mas desde que soube que estavas para chegar, todas elas ficaram sem importância nenhuma e passei a ser só o avô João. Eu quero muito conhecer-te, quero saber a sensação de ser-se avô, mas, sobretudo, quero perceber que maravilhosa pessoa serás, como te espantarás com os pequenos milagres do Universo e quero segurar-te a mão. Poderia mesmo dizer, sem qualquer exagero, que o grande momento que me falta viver é esse, o momento de segurar a tua mão, de atravessar a estrada contigo, de contar-te uma história como fazia com o teu pai.
Talvez um dia, quando fores crescido, a vida te traga momentos amargos e dolorosos. Posso mesmo avançar que será inevitável.
E será nesses momentos que se aconselha a leitura desta carta porque ela serve para dizer-te que foste muito desejado e és muito amado e, mesmo antes de chegares, eras já uma luz de amor e união nos nossos corações e eu penso que é maravilhoso alguém ser assim tão especial e singular e penso, também, que as pessoas devem saber disso e ser relembradas disso.
Estamos em outubro de 2019. Chegas daqui por meses. Os teus pais estão no Reino Unido, desconfio que nascerás por essas bandas, e o avô João, por razões que um dia te explicarão, está em África. Aí é Outono e aqui é Primavera. E é engraçado que assim seja porque a notícia de ti, chegou em simultâneo, nestas estações do ano. As mais belas, por sinal. Uma é o expoente da maturidade no nosso planeta e a outra um símbolo de vida e renascimento. E tu fizeste renascer em nós sentimentos adormecidos pelo tempo e pelas rotinas. Espero que chegues bem e espero que esta carta te receba de saúde, com a coragem do pai e a doçura da mãe a desenharem-te o caráter. E, sim, estas palavras são, ainda, uma mensagem de boas vindas, uma receção calorosa a um ser que ainda não chegou e já habita em nós e já nos altera o bater do coração e já nos povoa a alma com Amor e Esperança.
Falamos, depois, pessoalmente, quando for altura disso e terei oportunidade, espero, de explicar-te este emaranhado de ideias e pensamentos que foram, por agora, os possíveis…
Não sei bem como terminar esta carta. Não me apetece. Não pode, contudo, prolongar-se o improlongável… acho que me vou ficar somente por um “Bem-vindo e até breve! Até ao momento de reunirmos o amor e a ternura que já nos une mesmo antes do primeiro olhar, da primeira palavra”.
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