Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Lynyrd Skynyrd

A conselho do meu homem… Grande malha!


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A Paixão de Madalena – Capítulo 18 (Excerto)

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O presente texto constitui um excerto do Capítulo 18.

A PAIXÃO DE MADALENA

LIVRO III – CAIM  E ABEL

18. Correu pela aldeia que, finalmente, nesse dia, a Deolinda do Madeireiro iria parir daquele barrigão que impressionara toda a gente e levara os homens a apostar, a copos de três, na tasca do Quim da Barbuda, quantas seriam as crias. E houve apostas bizarras. Desde quem dissesse que não havia ali nada, aquilo era uma barriga de ares, que bem a ouviam peidar-se alarvemente durante a noite os vizinhos, até aos que afiançavam que a pobre tinha a barriga e as tetas como a marrã do Tóino Manso quando, aqui há uns anos, trouxera a ver o sol deste mundo nada mais nada menos do que quinze crias. E a pobre escancarou-se na cama assistida pela Miquelina Mãozinhas e uma miúda que lhe fazia chegar alguidares de água a ferver. E gemia baixinho como que para não incomodar o pelotão de velhas que se plantara do lado de fora da porta do quarto em rezas, ladainhas e benzeduras diversas a pedir ao Grande Mestre desta orquestra de perdidos que tudo corresse bem. E correu. Nasceram dois. No mesmo dia, à mesma hora, com minutos de diferença, e logo ali se percebeu que outras diferenças havia entre eles. Sendo gémeos, não eram, sequer, parecidos. O primeiro veio rápido e sôfrego de ares, trazia os olhos abertos e espantados e chorou mesmo antes da sacramental palmada, no seu caso, inútil ritual, que o próprio já se havia anunciado ao Mundo num berro cristalino e agudo. E o segundo encolheu-se e deixou-se ficar no aconchego do que restava da placenta, assim como quem diz, Vai lá ver se isso é bom que eu logo te direi se saio daqui ou não. Ilusão sua, porquanto a ordem natural das coisas e a vontade primeira do Maestro é que nasçam as crias, vivas ou mortas, e venham a este mundo cumprir sua função. O tipo não chorou. Vinha roxo de medo, os olhos fechados e os lábios cerrados e só à terceira palmada, bem esticada de força e benzida por alguma impaciência da Miquelina Mãozinhas, é que sua excelência grunhiu que nem um porco ao dar-se ao gume da faca. António Paixão, o pai, mais conhecido por Tóino Madeireiro, desinteressou-se do assunto, bateu com a palma da mão no balcão do Quim da Barbuda, pediu uma amarelinha e quando instado a esclarecer como estavam a correr as coisas, disse que não sabia, tinha ido tratar do gado, servira para os fazer, haveria de criá-los, que o poupassem à parição que era isso função da sua Deolinda. E quando chegou a casa, ao final da tarde, e olhou os cachopos na cama, um de cada lado da mãe, estranhou:
– São estes?
– Quais haveriam de ser, homem? Nasceu mais alguém nesta casa hoje?
– E são os dois meus?
– Não sejas parvo!
– Sei lá, uma vez, a Nina, que é a cadela do Amílcar Batateiro, pariu duas crias do Trovão e outras duas do Maldoso duma barriga só e percebia-se bem de quem eram elas pela pinta da bicheza.

———————————– jpv ———————————–

[O presente texto constitui um excerto do Capítulo 18 de “A Paixão de Madalena” a publicar em breve em livro. Boas leituras!]


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A Paixão de Madalena – Capítulo 17

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[Aqui se apresenta o 17º de 35 capítulos do romance que publicaremos em breve em livro. A partir deste momento, publicaremos excertos dos próximos capítulos, um pouco de todos eles, mas nunca completos e, uma vez concluído o processo e negociados os termos da publicação, teremos muito gosto em convidá-los para a apresentação pública de “A Paixão de Madalena”.]

A PAIXÃO DE MADALENA

LIVRO III – CAIM E ABEL

17. Sempre assim fora. Vinham de longe os homens que visitavam Maria de Magdala, Madalena chamada por de Magdala ser. Eram viajantes, comerciantes abastados, criadores de gado, gente de trabalho e posses que aparecia em data marcada e só entrava estando na porta sinal que o permitisse. Ela acolhia-os, limpava-lhes o pó do corpo untando-os com óleo e raspando-lhes a pele depois com uma tabuinha polida, e mandava que lhes lavassem as roupas e lavava-lhes os pés como viria a fazer ao pregador errante a troco de nada ou, noutro olhar, como parca e insuficiente paga pela sua vida e pela lição do Amor. E também os alimentava e lhes dava de beber e terminavam o festim com as carícias que sabia preferidas de cada um deles. À sua medida, com seu modo e seu jeito, Maria de Magdala prosperava e só não crescia mais rápida e fulgurantemente porque apreciava mais a tranquilidade do que a posse. Limitou o número de visitantes, limitou os dias em que podia ser visitada e deixou-se ficar no conforto da vida literalmente conquistado com o suor do seu corpo.

É cruel o viajar das notícias. Maria de Magdala recebia alguns pobre e necessitados a quem oferecia uma refeição, uma peça de roupa, um pão para o caminho. Não consta que tivesse alguém vindo agradecer-lhe em nome daqueles que ajudou. Já quanto aos que vinham pelo prazer da carne, depressa as distâncias se encurtaram, depressa viajou a notícia de que havia em Magdala uma Maria que acolhia homens e os limpava e os massajava e se acoitava com eles satisfazendo-lhes todos os desejos, fossem solteiros ou casados, ricos ou remediados. E as mulheres ofendidas enviaram, pagando, quem lhe apedrejasse a porta e lhe escreve a carvão na parede caiada da casa, PUTA, VAI-TE EMBORA! Maria de Magdala, de Madalena chamada, saía pouco. Ainda assim, sempre chegava o dia em que se passeava pelas colinas circundantes, em que ia comprar sedas, em que se deslocava ao mercado a comprar mercearias. Numa dessas saídas, perseguiram-na. Pessoas de Magdala e outras que vieram de terras circundantes foram no seu encalço, atalharam-lhe o caminho, forçaram-na a fugir por esta e aquela rua até chegar a um largo e nele se viu cercada de população e encostou-se a uma parede, único lado de que ficaria protegida. E logo um semi-círculo se formou à sua volta, soaram impropérios e acusações e, céleres, como se quisessem expulsar os seus próprios pecados e demónios, surgiram sentenças e uma emergiu mais contundente e se fez um coro de gente gritando, Apredejem-na! Apedrejem-na! Matem à pedrada a bruxa que enfeitiça os nossos homens! As primeiras pedras voaram, algumas caíram bem perto de si, uma ou outra acertou-lhe no corpo e magoou-lhe a alma mais do que tudo. E uma voz, mais alta do que a multidão, mais grave do que o ruído da turba, silenciou as gentes:
– Parai! Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra!

As pedras que estavam nas mãos nelas ficaram, as mãos erguidas baixaram-se, os olhos voltaram-se para o chão e perderam a chama da violência, as suas mentes começaram a procurar pelos seus próprios pecados e rápido encontraram tantos e tão diversos que mais nenhuma pedra foi arremessada. E Cristo passou por entre eles, segurou Maria de Magdala pela mão e acompanhou-a a casa onde se confortaram e trataram um do outro como já aqui foi relatado.

—————————— jpv ——————————


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Short Stories – Equívoco

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Short Stories – Equívoco

Era um tipo decidido. Resoluto. Sabia bem o que queria da vida e raramente olhava para trás. Era um cavaleiro andante, um destes homens que não para em lado nenhum porque está em todo o lado. Um conhecedor. E, sem ser belo, era charmoso. As suas palavras tinham o dom de comandar e o poder de seduzir.

Um dia atravessou um oceano e dois continentes e conheceu uma menina meiga e tímida, de poucas palavras e muitos e calorosos beijos, uma menina de satisfazer-lhe os caprichos na cama, de rir-se com ele, de cuidar de si, de andar consigo de um lado para o outro como uma sombra apaixonada. Ela nunca soube, porque ele não o permitiu, manteve sempre a pose e a atitude da personagem que tinha construído, mas ele apaixonou-se. O desejo incendiou-lhe o peito, semeou-lhe a dúvida na mente e assustou-o.

Saíu. Atravessou os continentes e o oceano em sentido contrário.

Estava longe dela, já, onde os dias começam ao contrário e os rios correm noutra direção, quando a viu na rua. Ali, onde seria impossível que estivesse. Estava agachada, dando um nó aos atacadores no sapato de uma criança e ele olhou-a enquanto passava e o seu pescoço foi-se virando para trás até que deu meia volta e ficou a dois passos dela, a olhá-la como que a certificar-se de que era mesmo ela. A rapariga pressentiu a sombra dele e olhou para cima:

– Desculpe, em que posso ajudá-lo?
– Nada, nada. Eu é que peço desculpa. Confundi-a com outra pessoa.

À medida que se afastava, o homem das palavras certas lutava contra as lágrimas e as suas próprias convicções.

jpv


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“De Negro Vestida” no Brasil

"De Negro Vestida" chega ao Brasil pela mão da Livraria Cultura

“De Negro Vestida” chega ao Brasil pela mão da Livraria Cultura

Caros Leitores e Amigos,

É com grande satisfação que venho informar-vos que o romance “De Negro Vestida” já pode ser adquirido no Brasil.

Ele está disponível online no site da Livraria Cultura. Pode aceder ao link direto aqui ou clicando na imagem.

Durante a redação do livro e após a sua publicação em Portugal e em Moçambique, muitos amigos e leitores brasileiros manifestaram o desejo de ver o livro à venda no Brasil. Pois então, amigos, já está!

Boas Leituras!

jpv


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A Estatística do Afeto

mpmi-albaniaHoje, ao passar o olhar pelas estatísticas de MPMI, reparei em duas curiosidades. Em primeiro lugar, a Itália a liderar o número de visitas. Absolutamente inusitado. Será que temos um(a) leitor(a) italiano(a)? Não me espantaria, sobretudo um português emigrado, mas lá que é pouco comum, isso é.

A outra questão, a que verdadeiramente me emocionou, foi a entrada registada na Albânia. O meu filhote está na Albânia… e pronto, acho que não é preciso acrescentar mais nada. Estatísticas!

Beijinhos, Filho!

jpv


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A Paixão de Madalena – Capítulo 16

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[Aqui se apresenta o 16º de 35 capítulos do romance que publicaremos em breve em livro. Neste blogue publicaremos ainda mais um capítulo e alguns excertos dos seguintes como forma de oferecer aos nossos leitores uma avaliação do mesmo. Depois… convidá-los-emos para a sua apresentação pública]

A Paixão de Madalena

Livro II – O Cordeiro de Deus

Foi já em dois mil e seis que regressou a Genebra. E a Pablo. E foi um reencontro feliz e harmonioso. Poucas perguntas. Cada um deles contou o que quis contar. Cada um ouvou o outro e percebeu-lhe os entusiasmos e pressentiu por onde não ir nas perguntas a fazer. Criaram rotinas. E criaram, também, uma forma de fugir-lhes. Sem sobressaltos. Em vertigem de sexo. A de Pablo. Em espiral de paixão. A de Madalena. E assim ficariam até que o ano de dois mil e dez trouxesse as reticências. Não falemos disso agora que ainda não é tempo.

Madalena reintegrou-se bem no trabalho. Foi saudada, foram feitas inúmeras perguntas sobre aqueles nove meses de aventura, de risco, de dádciva. O tempo de uma gestação. E foi-lhe dito que fora sentida a falta da sua eficiência. E foi revisto o contrato e subiu de posto no volume de trabalho, nas responsabilidades e na retribuição. Sentia-se uma mulher verdadeiramente livre. Bem sucedida. Sucesso assente em lágrimas e sorrisos, sacrifícios e conquistas. Sucesso de mulher desamparada a chefe de equipa em ambiente reputado.

Não tem uma família de ascendentes. Tem a avó Bá. E talvez Albertina e Madalena tenham sido uma família. Tenham dado uma à outra tudo o que uma família dá aos seus. O afeto. A atenção. O cuidado. A orientação. E a libertação. A sua família de ascendentes está adormecida. Há de reclamar por Madalena chegada a altura de precisar da sua ajuda, mas primeiro abandonou-a e ela não mendigou nada. Nem os afetos, nem a proteção e muito menos a ajuda. Construiu a sua família. Esta em que agora se recolhe e se acolhe. Relembra Maria da Luz. Relembra-a com saudade. Em breve perceberemos donde vem essa saudade e esse amor profundo. Relembra as suas brincadeiras juntas e sente-se pacificada nessa memória. E relembra Kyle. O seu irlandês teimoso. O homem que a ensinou a ser mulher. O seu primeiro libertador.

Tem agora o que sempre procurou. A família, os afetos, o filho e a filha, a estabilidade, a harmonia. Se pudesse, não mudaria nada. Mas desconfia. Já se habituou a ser surpreendida. E o certo é que a vida há de vir testá-la de novo. Há de revoltar-se de novo contra a sua existência, contra a sua vontade e a sua determinação. E só essa determinação lhe valerá. Isso e a sua infinita capacidade de amar. É sempre na sua força interior e no seu amor que se refugia e é com eles que emerge de todas as dificuldades.

Não se revelou até agora, porque têm os autores suas prerrogativas, a origem desta inusitada Madalena. Bem olhadas e reolhadas as páginas que ficaram para trás, nem mesmo o apelido de Madalena alguma vez foi revelado. Tudo começou numa aldeia pequenina e pacata do centro de Portugal.

Era uma vez dois irmãos gémeos…

——————————- Fim do Livro II ——————————-

——————————- jpv ——————————-


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A Paixão de Madalena – Capítulo 15

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[Aqui se apresenta o 15º de 35 capítulos do romance que publicaremos em breve em livro. Neste blogue publicaremos ainda mais dois capítulos como forma de oferecer aos nossos leitores uma avaliação do mesmo. Depois… convidá-los-emos para a sua apresentação pública]

A Paixão de Madalena

Livro II – O Cordeiro de Deus

15. Quanto valem cinco anos? Quanta vida cabe nesse tempo? Quantas mudanças? Há cinco anos, Madalena reclamou para si a custódia de Mariana e lhe fez uma festinha pelo seu décimo aniversário. Há cinco anos, Madalena reencontrou Pablo Sentido e com ele iniciou um caminho de estabilidade, de progresso e sucesso. Há cinco anos, Jacob tinha cinco. E agora, que corre o ano da Graça do Senhor de dois mil e cinco, Madalena sente-se feliz por ter sido presenteada com o dom da contemplação. E por isso ficará para sempre grata a Pablo. Madalena vive com desafogo e conforto e tem podido contemplar o crescimento dos seus filhos. Acompanha Mariana na escola, esteve com ela na primeira menstruação, Não minha querida, não tens um cancro e não vais morrer, escolheu os materiais escolares com ela ano após ano, foram às compras, deram passeios só para meninas e ficaram cúmplices. Para sempre. Aprendeu a viver colm Jacob. Com a ajuda de Pablo, tentou perceber exatamente onde se localizava a doença como se, ao identificar a sua localização, pudsesse combatê-la melhor, pudesse olha o mal nos olhos e fazer-lhe frente. Rapidamente percebeu que não poderia ser esse o seu papel. O seu filho tinha nascido com uma deficiência, mas ele era a herança de Kyle,m era o centro do seu universo. Na sua forma de ver as coisas, Madalena não queria que Jacob se adaptasse ao Mundo, pelo contrário, faria todos os possíveis para que o Mundo se daptasse a ele. Controu-lhe a medicação até interiorizar o processo, até o próprio Jacob interiorizar os rituais. Mandou-o sempre à escola, só para estar com outras crianças, para ter amigos. Percebeu que aprender, no caso do seu menino, seria uma processo com ritmos, conquistas e sucessos diferentes da maioria das crianças. Estudou-lhe os gostos, os ambientes que o tornavam mais calmo, as pessoas que o faziam sentir-se mais tranquilo. Jacob sentia-se bem no seu pequeno universo. Dispensava com facilidade a escola. Mariana, Madalena, a avó Bá e Pablo já eram muita gente, mas eram gente com que aprendera a contar. Pablo cumpriu a promessa que fizera a si mesmo, foi um apoio incondicional e determinante para Jacob. O miúdo aprendeu a confiar nele e foi com ele que teve algumas das conversas mais complexas que uma criança com aquele problema consegue ter:

– Pablo…

– Sim, jacob, diz-me…

– Há pessoas boas, não há?

– Claro, Jacob.

– E há pessoas más, não há?

– Sim, Jacob, mas as pessoas más são menos.

– Tens a certeza?

– Sim, tenho.

– Então, porque é que aparecem tantas pessoas más na televisão?

– Ora, porque as pessoas más não têm muito que fazer e gostam de aparecer na televisão.

– E as boas?

– Estão a fazer coisas boas enquanto as pessoas más aparecem na televisão.

– Já percebi, Pablo.

– Claro que percebeste, Jacob.

Havia, contudo, um universo que Jacob adorava para além do conforto da sua casa e dos afetos que habitavam nela: o jardim zoológico. O miúdo adorava animais e entusiasmava-se a percorrer a via sacra das aves, dos répteis, dos mamíferos, o aquário. Tudo o que fosse animal parecia exercer sobre ele um fascínio particular, iluminava-se-lhe o rosto e o peito enchia-se de felicidade. Madalena visitava o zoo com frequência, chegara mesmo a ter rotinas e ciclicamente passava por lá um sábado com o filho, levava um lanche e depois pedia-lhe que fizesse desenhos, mas o que Jacob adorava fazer e foi considerado pelos especialistas como um significativo progresso, era imitar os animais. Os ruidos e os movimentos deles. Os livros e os filmes sobre a vida animal começaram a cair-lhe no colo com grande frequência. Qualquer pretexto servia, um aniversário, o Natal, um anúncio na televisão… em pouco tempo tinha uma assinalável biblioteca e uma considerável coleção de filmes, tudo sobre a bicharada. Madalena preocupo-se em proporcionar-lhe a estabilidade afetuosa que lhe haviam dito ser benéfica, dedicava-lhe muito tempo, tempo de atenções redobradas, tempo de qualidade. E a criança cresceu conversando mais do que é costume nestes casos, interagindo mais do que é costume nestes casos, e tudo isso o roubou aos grandes silêncios, aos dias consecutivos sem sair do seu casulo de pensar. Não se entusiasme, caro leitor, não houve, não haverá, nunca, cura para o mal de Jacob, mas o ambiente que Madalena construiu à sua volta fez dele um menino curioso e dinâmico, desperto para a vida. E na vida, por improvável que pareça, Jacob encontrou o seu lugar, encontrou acolhimento. Em tempo oportuno contaremos como veio tal a suceder.

Precisamente em dois mil e cinco, Madalena seria confrontada com um desafio. Nada a que estive ou ficasse obrigada, mas algo a que não resistiria por duas razões. O compromisso com dar o melhor a Jacob, e certo saudosismo adormecido no seu peito. Certa manhã de domingo, depois de folhear calma e pacientemente um livro sobre animais, de ter visto o mesmo filme uma vez mais, Jacob perguntou:

– Mamã, África é longe?

– É sim, bebé.

– Muito longe?

– Longíssimo!

– Nós podemos ir a África?

– Acho que não, bebé, é mesmo muito longe. Tu querias ir a África?

– Queria. Os animais estão quase todos lá. Podemos ir a África, mamã?

Acho que não, bebé, é mesmo muito longe.

– Mamã…

– Sim, bebé, diz-me…

– Podemos ir a África de prenda de anos?

Dizer-lhe que não foi fácil. O difícil foi viver com a consciência de que aquela criança raramente lhe pedira algo, era um menino satisfeito por natureza, tranquilo de caráter, sem solicitações, nem problemas causados. Acordara-lhe um gosto, despertara-lhe uma razão para entusiasmar-se com a vida, havia conseguido isso, que sentido faria, agora, recusar-lhe o alimento para o espírito? Sim, era isso que Jacob acabara de pedir-lhe, alimento para o espírito.

Estava há quatro anos na empresa. Não tinha faltado um único dia. Apresentou a ideia de se ausentar por nove meses em missão humanitária com a Cruz Vermelha que aceitara a sua candidatura e o primeiro critério fora tratar-se de alguém que já tinha estado em missão antes. Iria para os arredores de Joanesburgo, no High Veld, para uma missão cuja tarefa principal consistia em prestar cuidados a vítimas do HIV, sobretudo crianças que já nasceram infetadas. Escreveu longos e-mails a Mark e Marcelle contando tudo acerca do seu projeto. Ambos lhe deramimenso apoio. Pablo Sentido prontificou-se a ficar com Mariana e acompanhá-la nos estudos. Ainda ponderaram ir os quatro, mas Pablo não podia. Eram muitos os compromissos de trabalho e, além disso, Madalena percebeu que após cinco anos de vida conjugal, Pablo ia apreciar aquele tempo só para ele. Assim que a empresa lhe deu luz verde, confirmou tudo com a Cruz Vermelha e poucos meses depois estava a embarcar.

“Os outros chamam-lhe África, nós chamamos-lhe a nossa casa”. Era assim que estava escrito no aeroporto internacional de Joanesburgo. E Madalena sentia-se em casa. Nunca percebera porquê. Já da primeira vez, com Kyle, se sentira acolhida não obstante as dificuladades da viagem. Agora via-se envolvida num projeto menos ambicioso. Seria menos tempo e teria um objetivo único e muito preciso. E, contudo, sentiu-se de novo em casa. Havia qualquer coisa na atitude dos africanos, qualquer coisa no clima, qualquer coisa na organização ou na falta dela, que a atraía e lhe fazia medo ao mesmo tempo. Mais atração. Estava há pouco tempo no acampamento, ainda a aprender os ritmos e em que poderia ser útil, haviam passado meros cinco sóis e outras tantas luas, quando a chamaram da enfermaria improvisada à entrada do acampamento. Alguém queria falar com ela. Eram Mark e Marcelle. Foi um longo abraço a três, foram beijos incontáveis, foram lágrimas escorregadias, foi ouvirem-se a voz. Tinham passado três anos desde que estiveram juntos e parecia que fora ontem. Trocavam e-mails e com eles fotos e vídeos e acompanhavam-se de perto, mas nada disso substituía um abraço verdadeiro com o calor do corpo do outro estreitado no nosso. Não puderam todo o tempo da missão, mas estiveram três meses juntos. Quase juntos. Mark comprou uma máquina fotográfica e um jogo de lentes para Jacob e foi com ele explorar o interior e ver os animais. Saíam num dia, voltavam no dia seguinte, dois dias depois, ou mesmo uma semana mais tarde. Por vezes Marcelle acompanhava-os, outras vezes ficava com Madalena. Tiveram conversas infinitas e por esses dias voltaram a ser o inseparável grupo dos três emes. Aos fins-de-semana estava juntos. Sobretudo ao domingo. Um dia Mark desafiou-as:

– Este sábado vai haver um bush fire na Suazi. Devíamos ir.

– Devíamos? Perguntou Marcelle.

– Claro. É o melhor de África. A noite imensa, uma fogueira a arder, carne assada, música, conversa.

– Eu concordo com o Mark – disse Madalena – não há nada como uma fogueira na noite africana.

E foram. Dançaram, beberam, conversaram até quase de manhã. Enrolaram-se em mantas leves e ficaram a riscar o chão com um pau, a traçar loucas teorias de vida. Jacob dormiu enrolado em mantas e sentiu-se confortado pelo ruido à sua volta. Era já quase madrugada quando regressaram à cabana que haviam alugado num lodge ali perto. Madalena foi aconchegar Jacob e juntou-se aos outros dois na sala onde a luz que havia emanava de dois candeeiros a petróleo.

– E se jogássemos o nosso indiscreto jogo das apostas?

– A menina gostou!

– Claro. E agora estou mais preparada.

– Ah, quer dizer que andou a pensar em indiscrições?

– Claro que sim! Não é o que toda a gente faz?

– Não temos cerejas com chocolate.

– Mas temos chocolate, ando sempre com chocolate, parte-se aos bocadinhos e vai ter de servir.

Marcelle começou. E o jogo não viria a ter mais do que uma pergunta. Escolheu Madalena como alvo:

– Aposto em como já fantasiaste fazer amor comigo e com o Mark…

Madalena colocou um pedacinho de chocolate entre os lábios e estendeu o pescoço para a amiga que o veio buscar demoradamente, com saudade e volúpia e, enquanto o fazia, Madalena estendeu uma mão para Mark, encontrou a mão dele e encaminhou-a para o seu sexo. Ele percebeu e acariciou-a e depois quis compensar Marcelle e ela deixou e quando a aurora despontou e a luz natural começou a enfraquecer a dos candeeiros, três corpos cúmplices tombaram no chão da sala enrolados em mantas e sacos-cama, semi-nus e semi-cobertos. Saciados para a vida.

Não espere o leitor que esta comunhãi se repita. O improvável e inseparável grupo dos três emes vai separar-se dentro de dias e os três nunca mais estarão juntos. A vida não quererá. O Mundo não está preparado para pessoas como Madalena, Marcelle e Mark. E muito menos está preparado para que se encontrem e fiquem juntos. Serão inseparáveis nos seus corações. Mas só isso. A seu tempo saberemos o que reservou o Destino para cada um deles, mas sabemos já que não lhes reservou mais nenhum momento em conjunto. Onde há demasiado amor, onde há demasiada ausência de preconceito, costuma vingar o próprio preconceito. Estranha condição… disse o poeta e essas palavraslhas roubamos agora precisamente porque o amor que unia estes três sufocou em si mesmo, impediu-se antes de se ter tentado, nunca foi mais do que um desejo reprimido. Impedido. Impossibilitado para que cada um pudesse, por si, ter uma vida. E, contudo, de que vale a vida sem esse mesmo amor? Por mais que nos amemos e nos lavemos os pés e nos purifiquemos, há sempre um pó que se agarra à pele, se cola à carne, às roupas e nos mancha a existência.

—————————— jpv ——————————


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Espectro

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Queria viver outras vidas,
Mas só me resta…
Esta.
Queria viver outras aventuras,
Encontrar novos portos,
Desvendar outras ternuras.
E ser outro homem
Sendo o mesmo.

Queria viver outras vidas,
Mas só me resta…
Esta.
Morrer outros problemas,
Enfrentar fantasmas diferentes,
Chorar outras lágrimas,
Ter outros amores ausentes.
E ser outro homem,
Sendo o mesmo.

Queria viver outras vidas,
Mas só me resta…
Esta.
Lamber o sal de outros corpos,
Despedir-me de outros mortos,
Viajar outras viagens,
Estender o olhar noutras paragens.
E ser outro homem,
Sendo o mesmo.

Queria viver outras vidas,
Mas só me resta…
Esta.
Trabalhar outros trabalhos,
Beber na pele outros orvalhos
E rasgar a carne nos espinhos de outras roseiras.
Descansar outros descansos
E suar outras canseiras.
E ser outro homem,
Sendo o mesmo.

E há nisto tudo
Uma prisão
E uma finitude
Que me ofende
E oprime.
Não me chegam as promessas
De outras vidas,
De aléns oferecidos pelas divindades
E pelos livros sagrados.
Não me chegam os jardins
Nem os juízos, nem os encontros entre finados.
Não me chega a eternidade prometida
Se esta é a única e verdadeira vida
Que vejo e sinto em mim.
Nada me chega
Se paira sobre tudo isto
O lúgubre espectro do fim.

jpv

 


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Vermelho Direto – O Tribunal do Bruno

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Vermelho Direto – O Tribunal do Bruno

Será que o Presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, vai colocar-se a si próprio em tribunal? Devia! Utilizando o seu próprio critério de ‘contratações duvidosas’ e se quiser ser coerente, Bruno de Carvalho tem de sentar-se no banco dos réus por gestão danosa. O Sporting perde prestígio desportivo, joga mal, não concretiza, e, com meras quatro jornadas volvidas, começa a ver a promessa do título a esfumar-se muito antes do tradicional Natal!

Nós, benfiquistas, e qualquer português que goste de futebol, queremos um Sporting forte, que dê luta e dignifique uma instituição que já tantas alegrias deu aos seus adeptos e aos portugueses. Acontece que, como escrevi na última crónica, o Sporting está fraco e a razão é óbvia. Tem um plantel paupérrimo. Não tem um único jogador de dimensão internacional e não tem um único jogador que faça a diferença. Slimani joga na seleção da terra dele porque lá na terra dele só há dois avançados e o outro está lesionado. William Carvalho é uma excelente promessa de um excelente jogador que faz excelentes passes para trás e para o lado. Tal como o André Gomes e o André Almeida , para não dizerem os leitores que sou um benfiquista faccioso, o William Carvalho só vai à Seleção porque, como diz o CR7, e bem, em Portugal é difícil encontrar jogadores de topo. O Esgaio é bom para o Paços de Ferreira, o Jefferson é medíocre, o Nani morreu, o Capel só tem um pé, etc, etc, etc… Acusou-se o Belenenses de só jogar à defesa e fazer anti-jogo. É o que fazem todas as equipas modestas quando vão a Alvalade, às Antas ou à Luz. O Sporting, o Porto e o Benfica têm a obrigação de contrariar isso e ontem os leões não contrariaram. O Sporting não ganhou ontem porque não tem equipa para ganhar ao Belenenses. A qualidade dos jogadores vai de má a muito má. E ponto. Ora, enquanto o seu presidente ataca os árbitros, os adversários, o sistema e promete salvar o futebol português de si  mesmo, esquece-se de dirigir o Sporting que é a única coisa para que foi eleito e atira-se à lama do rídiculo quando contrata japoneses duvidosos e coloca cláusulas de sessenta milhões de euros (!!!). É preciso que o Sporting esteja à altura da grande instituição que grandes presidentes construíram.

O Benfica percebeu que não tinha banco e que a equipa estava curta e entretanto reforçou-se. Nada de extraordinário, mas o suficiente para esconder algumas carências. Na sexta-feira fez uma exibição medíocre que só foi disfarçada por via de um adversário muito fraco e  pela inspiração do Talisca que não é nada um grande jogador. É um tipo desajeitado e de morfologia pouco adequada àquela posição. Foi um resultado enganador. Ainda não se viu o coletivo. Acontece que, ao contrário dos adversários da segunda circular, no plantel do Glorioso há uns moços, como o Salvio, que, de repente tiram golaços da cartola e determinam o curso de um jogo. Este Benfica ainda tem muito para crescer e é importante que os árbitros não errem a favor do SLB como aconteceu na sexta-feira com o fora-de-jogo mal assinalado a um avançado o Setúbal para se perceber qual é a capacidade que a equipa tem de reagir a uma adversidade. A verdade é que, na semana passada, a jogar com o debilitado Sporting, quando o guarda-redes, num erro inadmissível, ofereceu o empate ao adversário, a equipa dominou, poderia ter goleado, mas não marcou. E o resto é história. E é uma história que anuncia uma campanha europeia carregada de desilusões. Este nosso Benfica ainda tem capacidade para lutar pelos títulos internos, mas não tem qualquer capacidade de resposta nas competições europeias.

Quem se ri disto tudo é a solidez do futebol musculado do Porto que, ao contrário do que se anseia ali para os lados da segunda circular, hoje não vai perder pontos. E, se perder, isso são muito más notícias para o Sporting. Significa que vai ter no Guimarães um adversário à altura na luta pelo terceiro lugar do campeonato.

E qual é a importância disto tudo? Nenhuma. Futebol não é assunto, é distração.

Tenho dito!

jpv