Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Olá Mana!

Saudades! Muitas!

Hoje é 31 de maio. Faz, portanto, 39 anos que reaprendemos a viver! Não morremos. Renascemos…

Amo-te muito, Mana!

Mil beijinhos,

Mano

 

A reler: https://mailsparaaminhairma.wordpress.com/2011/05/31/a-noite-mais-longa/


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Crónicas de África – A Força do Contexto

Crónicas de África - African TalesCrónicas de África –  A Força do Contexto

Como é sabido, e difícil de contrariar, Moçambique, e em particular, Maputo, têm um contexto social muito vincado e muitíssimo pujante. É uma daquelas coisas que não convém contrariar sob pena de insucesso. Vale mais tentarmos percebê-lo, adaptarmo-nos e viver de acordo com as suas regras. Negar a força desse contexto é uma ousadia que pode pagar-se caro.

A presente história passou-se com italianos, mas poderia ter sido com espanhóis, com dinamarqueses, com chineses, com búlgaros, com noruegueses ou mesmo com portugueses.

Muitos dos países que referi, e tantos outros, têm instituições de diversa ordem a funcionar em Maputo ligadas à diplomacia ou à cooperação ou a outras formas de intercâmbio e ajuda. A maioria delas, por via de estarem envolvidos dinheiros públicos, recebe, com regularidade incerta, a visita de inspetores ou supervisores das respetivas pátrias a fim de averiguarem se os projetos decorrem de acordo com o estipulado nos protocolos e na legislação. Ainda há dias, a Escola Portuguesa de Moçambique foi visitada por uma equipa de inspectores e avaliadores. Tudo normal. Acerca destas visitas, emergem inúmeras histórias, quase todas ligadas à força do contexto.

Há uns meses, estiveram em Maputo uns supervisores de uma instituição pública italiana com o propósito de avaliar o seu funcionamento, a legalidade de procedimentos e questões de ordem orçamental. Seria uma visitasinha para dez dias de trabalho. O acolhimento foi agradável, mas depressa nasceram algumas discordâncias. Os supervisores puseram em questão alguns procedimentos que os funcionários locais obstinadamente teimavam em justificar com o contexto social. Um dos supervisores perdeu a calma:
– Lá está o senhor com o contexto! O contexto, seja ele qual for, não pode interferir com as leis de Roma!
– Mas a realidade aqui é diferente. Não é a mesma forma de pensar, de viver, e os recursos e a insegurança!
– Nada disso pode interferir com a missão, com os resultados a apresentar, nem com os procedimentos. Deixe-se lá de contextos e cumpra a lei de Roma.

A mensagem não poderia ter sido mais clara. E a visita continuou. O funcionário italiano em Maputo começou a rever procedimentos e tudo parecia estar a levar uma pequena reviravolta. O único problema, é que ninguém tinha perguntado ao contexto o que é que ele pensava do assunto. Num desses dias, ao cabo de uma jornada de trabalho, o contexto manifestou-se. Jantar amistoso num restaurante da cidade. Aconselharam pratos simples aos supervisores e sugeriram que esquecessem as saladas, é que o contexto… Mas o supervisor estava apostado em provar que as leis de Roma e os romanos que as representavam estavam acima de qualquer contexto e vai daí pediu uma salada para acompanhar. E acompanhou.

No dia seguinte, de manhã, o senhor supervisor foi visto a fazer uma viagem apressada do seu gabinete à casa-de-banho e, quando estava a dois ou três metros da mesma, apressou o passo, deu uma corridinha e levou uma mão ao rabo das calças como que se certificando de que estavam enxutas. Alguns minutos passados saiu de lá trazendo com ele uma baforada de cheiro que preencheu todo o corredor. O homem vinha lívido, olheiras enormes, um pouco dobrado para a frente e passava a mão pela barriga como se estivesse a alisá-la de alívio. Conta quem viu que o supervisor se cruzou no corredor com dois dos funcionários italianos em Maputo sendo um deles o seu opositor discursivo dois dias antes. E cumprimentou-os:
– Bom dia!
– Bom dia, senhor supervisor. Precisa de alguma coisa?
-Uma garrafinha de água, por favor.
– Com certeza. É para já.

Assim que o supervisor desapareceu no gabinete, um dos funcionários perguntou ao outro:
– O tipo está esquisito. Sabes o que é que ele tem?
– Sei. Enfim, suspeito…
– Então?
– Acho que ontem teve um encontro com o contexto e hoje está a ter fortes descargas contextuais.

E riram ambos a bom rir. Conta quem sabe que, fosse pela força do contexto, fosse por uma outra insondável razão, quando o relatório de Roma chegou a Maputo, a palavra mais frequentemente repetida era… contexto!

jpv