Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Verbo Embalar

sol

O silêncio.
E era isso, a vida.
Muda.
Iludida.
Ecoou, então,
Em tom sereno
E pausado,
O som de um coração
Batendo apaixonado.
Correu em mim
Um arrepio
E uma urgência veloz
No momento exato
em que escutei
A tua voz.
Eram coisas simples
E era a vida toda.
Numa frase.

A síntese precisa
Do que não dizias
Espelhada
Nas palavras que proferias.

Houve um silêncio.
Sim.
E ruídos.
De fundo.
E houve, depois,
Esse timbre
Que me ensinou
O mundo.
E o amor.
Não calo mais
Meus ouvidos.
Não tenho
Como não escutar.

Ainda que fosse
Surdo profundo
Seria na tua voz
Que me havia
D’embalar.

O silêncio.
De novo.
E a vida que se retoma…

jpv


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Amanhece… 

Amanhece.
E com o amanhecer,
Até parece
Que vale a pena viver.
A Natureza,
Em sua pujança matinal,
Renova a luz,
Renova o espírito,
Renova o Universo,
Em cada aurora inaugural.
E cria em mim
Esta turva ilusão
De que cada dia
É um dia novo,
Uma nova canção.

E tudo isto é belo,
E tem seu sentido,
Mas anda um poeta
Pelas noites da alma
Só…
E quase perdido.

Que amanhecer é esse
Em que te não vejo
E te não ouço?
Que poder é esse
Em que tu podes
E eu não posso?

Entardece minha vida.
Aproxima-se a partida.
Neste breve entardecer
Não há manhã
Que me resgate
À fortuna de morrer.
Uma palavra que fosse,
Uma palavra e um gesto sereno…
O tempo esgotou-se.
Para tanto desejo,
Meu desejar é pequeno.

Anoitece.
O céu imenso escurece
E com ele meu peito.
Resta um homem só,
Refugiado
Num corpo imperfeito.

Vem de novo o silêncio,
Esfumam-se os traços do teu rosto,
Tuas expressões já esqueço.
Invade-me o breu
E anoiteço.

jpv


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calendário

nessa manhã cinzenta de março
em que o silêncio se fez sentir,
morri de muda morte
e da fraqueza
renasci mais forte
ao ver-te partir.

veio um abril incerto.
o meu peito
era um campo aberto
e pressentia as tuas passadas.
caíram chuvas
e as gotas de água
abriram linhas molhadas
na minha face.

em maio pressenti o desfecho.
um arrepio de incerteza.
vi o medo e o fim.
naveguei ondas de fraqueza
e procurei um horizonte.
estava escuro.
não tinha brecha
esse muro
que ergueras entre nós
com a ausência da voz.

em junho,
cravei de raiva
lâminas de dor
no meu peito.
desesperei à procura
de desfazer
o que estava feito,
e não encontrei palavras
nas palavras que te escrevi.

acreditei e vi,
em meados de julho quente,
que era eu o ausente
do novo mundo
e da ordem nova
que desenharas.
sem saber onde foras,
sabia que por lá ficaras.

rebentaram em profusão
Nesse agosto de estio
cearas de solidão
colhidas em noites de frio.
fui ao engano,
à procura da luz.
ficou um poema por escrever
no meu grito calado.
jazia em meu peito
um homem tombado
e o homem era eu.
nada em mim reconhecia de teu.

ainda me lembro
da chegada de setembro
e as mãos a sangrarem súplicas.
linhas tortas de palavras inúteis
e o olhar perdido no nada.
Estava consumada
a negação.
a viagem era tua.
para mim não sobrou, sequer, o chão.

outubro.
mês do meu aniversário.
tempo ideal para uma revolução
no calendário.
a revolta foi só a minha,
e a desilusão.
não houve
estender de mão
nem ventos de mudança.
não houve palavras de anunciação
nem gestos de esperança.

o calor chegou
no mês dos santos
e tu ofereceste-me outros tantos
silêncios
e umas quantas mágoas.
choveram abundantes águas
e silvaram ventos destruidores.
Na sozinhês de mim
nasceram novas dores
e algumas certezas.

finalmente,
como em todos os calendários,
chegou o mês do menino jesus,
das promessas novas,
dos presentes vários
e coloridos
da esperança e do natal.
nada ficou igual.
e tudo ficou na mesma.
a tua face, sim, e o teu corpo cingindo o meu.
a mesma solidão,
o mesmo desespero,
o mesmo breu…

o tempo passou.
nada do que foi ficou,
a não ser
este informe e nefasto sumário,
de vida negada e silêncios profundos,
marcado nos quadradrinhos do meu calendário.

jpv