Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Religião

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Gosto da tua voz serena
E do teu olhar sem pressa.
Gosto de sentir na tua pele
O nascer de uma promessa.
E gosto quando me tocas
E finges não ter tocado.
Gosto desse sorriso despercebido
Por cima do colo decotado.
E gosto dos teus seios firmes
Quando me roçam devagarinho.
Gosto das tuas palavras quentes
Quando me pressentes sozinho.
E gosto quando à noite
Te chegas a mim
E me sussurras ao ouvido
Que retome no altar do teu corpo
O ritual todas as noites repetido.

És minha deusa profana,
Senhora da minha oração.
És minha virtude e meu pecado,
Minha fé e minha religião.
E gosto quando me despes
Das roupas e do pudor.
Gosto quando me incendeias no sexo
A insana chama do amor.

E quero ter-te, então,
Sob meu corpo e meu suor,
À procura do momento
Em que o grito se faz maior.
Ouve, meu amor…
Descansemos agora,
Faz frio lá fora
E o mundo foi dormir.
De tudo o que resta viver,
Já pouco falta cumprir.

Gosto da tua voz serena
E do teu olhar sem pressa.

jpv


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Versos Imperfeitos

sensual

São pobres, os meus versos,
Fracos e dispersos,
Repetindo meu desejo
E meu amor.
São imperfeitas, as minhas rimas,
Faltam-lhe sonoridades finas
Cantando tua figura,
Nosso despudor.
É desajeitada, a minha poesia,
Falta-lhe génio e fantasia
Desenhando nossos corpos
Em desatino e suor.

Mas, meu amor,
Para que servem os versos
Senão para cantar-te?
Para quê as rimas
Senão para amar-te?
E para quê a poesia
Senão para inaugurar-te
O desejo e o desalinho?
Sem as palavras
Sou um homem sozinho,
Sem a imperfeição
Destes versos,
Não há perfeição
Que me satisfaça.

É a ti que canto!
És minh’ alma
E meu espanto,
Minha ousadia
E meu encanto.
E se não servirem
Estes versos
Para gritar o desejo e o prazer,
Mais vale fechar os olhos
E morrer.

jpv


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Transgressão

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Transgride em meu corpo!
Vem conhecer as fronteiras
E inaugurar os limites.
Vem amar-me noites inteiras
Antes que eu me perca e tu fiques
À beira do nada.

Vem usar-me!
Vem despir-me de mim.
Vem castigar-me.
E vem devorar-me no fim!

Vem oferecer-me teu corpo.
Traz-me esse tesouro.
Traz-me a loucura e a ousadia.
Traz-me o suor e a vertigem
Até ser outro dia.

Esse amanhecer em doce pecado,
Esse amor mal jurado,
E essa entrega absoluta.
Vem saciar-me da luta
Que é debater-me  com a tua ausência.
Há nisto tudo
Muito de impulso
E quase nada de ciência.

Vem desacertar-me as horas,
Vem destruir-me os caminhos feitos.
Atira-te ao corpo
E aos preconceitos
E despe-nos ambos.

Vem para junto de mim!
Ser meu princípio
E meu fim.

Vem começar
E vem terminar.
Vem inaugurar
E vem encerrar a sessão.
Inquieta-se-me a alta
E agita-se-me o corpo
Por não ver tua roupa no meu chão.

Anda cá!
Transgredir todas as leis.
Anda cá!
Ser tu em mim.
Vamos os dois construir a culpa
E viver juntos e apaixonados
O remorso dos culpados.

jpv


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Sementeira

sementeira

No início, era um quase sorriso,
Um esgar.
Um olhar tímido e indeciso,
Um choro contido,
A preocupar.

Depois desse tempo inicial,
Em que não me vias
Ainda,
Chegou a coisa mais linda.
Uma esperança.
Um gesto de confiança,
As tuas mãos mais perto,
Um sorriso aberto.

Foi tempo de me falares
Com emoção,
De me olhares como quem pede,
De me estenderes palavras
À passagem,
De fazermos a viagem
Dos riscos
E do prazer.

E chegou, por fim, o infinito.
O lânguido e ocioso grito
Durante e depois do sexo.
Veio o tempo do côncavo
E do convexo.
Veio o tempo de me incendiares
A carne
Com a saliva do teu desejo,
Uma gula voraz,
Em sentido e profundo beijo.
E tuas mãos tomaram conta de mim,
Novos gritos e urros
E carícias sem fim…

E houve a descoberta!
Não está mais deserta
A planície do teu corpo.
Está semeada de mim!

jpv
Imagem daqui.


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Condição

sexy couple[Imagem daqui]

Há, na tua juventude,
Algo que faz falta à minha velhice.
E, dizes-me tu com matreirice,
Que existe na minha condição
Muito charme,
Muito tesão.

Mentimos os dois.

Nem eu posso levar
Para antes
O que é do depois,
Nem tu me podes oferecer
O que, por condição,
Não tenho como receber.

jpv


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Prenhe Vazio

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No vazio das palavras,
O ato.
No vazio do tempo,
O momento exato.
No terreno estéril
E árido
De meu peito
Cresce uma esperança
Sem jeito
Nem destino.
Fenómeno inexplicável,
Como mão grande e afável
Percorrendo o cabelo do menino.

No vazio da cama
Um homem que ama.
No vazio de um peito de mulher,
Um homem que quer.
Numa folha branca
Uma palavra que grita
E deseja,
Uma linha sensual,
Uma vírgula que beija
A hesitação,
E de novo a mão.
Agora suave e sedosa
Em provocante e prazerosa
Provocação.

No vazio de tudo…
A reinvenção!

jpv

 


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Retrato de Moça

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O olhar húmido
E inseguro.
Olhos pequeninos
Que brilham no escuro…
E suplicam.
Lábios finos
E gentilmente recortados
Ameaçam um sorriso
Que fica…
Na intenção.
Os dedos frágeis
E longilíneos
A explicarem-me as palavras.
Seios redondos,
Bem definidos,
E pequeninos,
Insinuam-se no teu peito
Ao peito que lavras…
De amor.
Tens a cintura da donzela
E o sexo da mulher.
Tens no corpo,
Sem saberes,
As obras do desejo
Que o homem quer.

Estás sentada
À porta do meu coração.
Sempre nua
Como a Thétis
Que o monstro petrificou.
Não estou mudo, eu,
Nem quedo.
Debato-me com a ânsia e o medo
De possuir-te,
De ter-te em meus braços,
E haver nisso
Um funesto e terrível feitiço.
Que estender-te a mão
E tocar-te
E prender-te minha
Desfaça a ilusão
E morra a esperança
E a melodia.

Ficarás sentada,
Em pose ténue e fugidia,
À porta de meu coração.

jpv


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“A Paixão de Madalena” esteve no Porto

Foi hoje a apresentação de “A Paixão de Madalena” no Porto. Uma tarde soberba. Um ambiente evocativo num espaço esplêndido, a Casa de Allen, e uma atmosfera intimista.

Foi uma tarde de amena cavaqueira acerca de livros, leitura, literatura, escrita, romances, homens, mulheres e… sexo! Nem mais. Um grupo heterogéneo e super-simpático acolheu-me no Porto.

A Tecas Corte-Real (https://www.facebook.com/tecas.cortereal) foi uma Amiga insuperável e organizou o evento que teve direito a Porto de honra e tudo. Um profundo e sentido agradecimento à Tecas e um obrigado imenso a todos os que estiveram presentes.

Até breve!

João Paulo Videira

——————- fotos do evento ——————-


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ErotiKa – Não Quero Saber Nada!

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AVISO

Esta publicação contém um texto de teor erótico. Se se sente ofendido com textos, imagens ou quaisquer conteúdos sobre erotismo e sexualidade por favor não prossiga.

Do mesmo modo, o conteúdo desta publicação só pode ser acedido por pessoas maiores de 18 anos.

Assim, caso prossiga com a leitura, o utilizador fá-lo por vontade própria e assume ter idade para aceder aos conteúdos.

Obrigado
jpv
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ErotiKa – Não Quero Saber Nada!

Vinham ambos de famílias conservadoras. Nados e criados em ambiente rural e controlado. E isso não impediu que lhes sucedesse a eles o que a seguir se vai contar. Não julgue, o leitor, com pensamento veloz e cortante, enquanto não souber tudo o que a vida tem reservado para si. Podia até ser uma história cândida e previsível não fosse dar-se o caso de se ter instalado o tédio lá em casa.

***

A mãe dela chamava-se Maria da Glória e costurava para fora no tempo em que isso foi profissão para mulheres de militares e outros funcionários públicos. Maria da Glória tinha a língua afiada para humedecer a linha e a vista aguçada para a enfiar na agulha. Não lhe serviam só para isso, nem a língua, nem a vista. Zurzia na vida alheia como quem ceifa em seara farta. Carla cresceu com as fantásticas histórias das vidas dos outros a preencherem-lhe as fantasias, os sonhos e os medos. E deixou-se embalar pela tentação da variedade, do incomum. Além da mãe e do pai, João de Aristides, não conhecia mais ninguém que tivesse uma vida normal. Não deu muito para a escola. Lá fez o que conseguiu fazer e cedo se mudou para a sala de costura da mãe a que chamou de ateliê, com salinha de espera, revistas de moda e um chazinho fumegante. Ao contrário de Maria da Glória, Carla não copiava muito dos figurinos. Ouvia os desejos das clientes, percebia-lhes as intenções e desenhava ela mesma os modelos que depois costurava. A inovação e a originalidade agradaram e o negócio floresceu.

***

Artur Baptista, o pai, foi toda a vida agricultor. Não se lembra de ter trabalhado outra coisa que não fosse a terra, não conhece outro sol que não seja o do campo e quando Artur Baptista, o filho, nasceu, o pai ensinou-lhe o que sabia. E o rapaz aprendeu com genuíno gosto e confessado prazer. Conhecia o cantar de todos os pássaros, o percurso de todos os sóis, o florir das flores, o frutificar dos frutos. Falava com as plantas e com as árvores. Não se deu com a escola. Tinha pouco para ensinar-lhe. O que ele sabia, já sabia e na escola ninguém parecia interessar-se muito por isso. O que ele não sabia, ninguém, na escola, parecia querer ensinar-lhe. Exceto Carla. A única flor que floriu, o único fruto que frutificou e a única verdadeira professora, não diplomada, entenda-se, que a escola lhe proporcionou. Andou lá pouco. O suficiente para conhecê-la e fugir com ela nas tardes quentes de maio para o celeiro e encostá-la aos fardos de palha e desabotoar-lhe a blusa como quem afasta a folhagem para encontrar o fruto fresco e rosado a cheirar a juventude e a incendiar desejo. Ela percorria-lhe o corpo musculado e retesado pelo labor árduo do campo e desenhava-lhe linhas de sedução com a língua em fogo e as pontas dos dedos suaves a desvendarem segmentos de reta. Foram dias de insaciável erotismo, fugidio e escondido, que é como atiça mais o desejo, e quando vieram a casar, como toda a aldeia esperava, já as mãos dele a conheciam melhor do que ao cabo da enxada, já a língua dela o conhecia melhor do que à linha humedecida e condenada a bailar com a agulha.

***

Os anos foram passando. Nem Carla, nem Artur Baptista, o filho, pareciam cansar-se um do outro. Haveriam de entregar-se como ele viu na revista para homens e, quando chegou o VHS, descobriram as maravilhas da pornografia, compraram o “Kama Sutra” e tentaram as posições todas. De quando em vez, ela comprava uma lingerie provocante ou ele roubava-a à rotina e levava-a, no trator, ao fim da tarde, até à beira rio e faziam amor sob os choupos, à sombra fresca da imaginação. Vieram os filhos. Avolumaram-se as obrigações, instalaram-se as rotinas, chegaram as zangas e as discussões sérias e depois aquelas que surgem por tudo e por nada e chegou o dia fatídico em que a vida dos outros lhes pareceu melhor do que a sua. O tédio não bateu à porta, entrou sem anunciar-se, tomou conta dos aposentos, dos gestos e das palavras. Artur Baptista, o filho, passa agora mais tempo no café do que em casa. Carla lê romances como aquele que viveu um dia. Os seus modelos tornaram-se menos criativos. Aquela vida a dois deixou de fazer sentido, de ter qualquer interesse. Até que ela entrou nas suas vidas. Chamava-se Internet e tinha vindo para ficar.

***

Carla chegou ao quarto pouco depois das três da manhã. Vinha quase nua. Vestia apenas as cuecas. E trazia o sexo humedecido e quente das palavras deles e das carícias que ela se fizera a seu mando. Eles são Saul e Cristina. Marido e mulher. Um casal a viver uma relação aberta e sem preconceitos. Tinha sido a forma que encontraram de a preservar. À relação. As imagens íntimas que trocavam com Carla e as palavras que escolhiam para as acompanhar desenhavam desejos na sua alma, semeavam fantasias no seu corpo. Puxou a roupa da cama para trás num gesto brusco, saltou para cima de Artur Baptista, o filho, rodeou-lhe a cintura com as suas coxas e, arrepelando-lhe os cabelos do peito, ordenou:
– Anda! Vem foder-me!
Artur Baptista, o filho, lavrador de profissão, filho de Artur Baptista, o pai, de quem herdara o talento e o mester, não chegou a perceber se estava a sonhar ou mal acordado, de modo que não foi capaz de mais do que balbuciar um Hã!? interrogativo e admirado como atestam os sinais de pontuação que aí escrevemos. Mas Carla tinha instruções precisas sobre o que havia de fazer e estava determinada no propósito de, como lhe disseram, acordar aquela relação:
– Anda! Vem comer o cuzinho da tua mulherzinha! Hoje é todo teu.
Neste ponto, Artur Baptista, o filho, teve a certeza de que estava a sonhar. Não só aquele palavreado jamais passara entre os lábios de sua esposa, nem mesmo nos momentos mais despudorados, como a oferta que tivera a sensação de ouvir fora sempre terreno proibido naquela relação, terra do nunca, galáxia inexplorada e a inexplorar. E estranhou, por isso, que as mãos dela seguissem as palavras e segurassem as suas e lhas encaminhassem para as nádegas. Carla voltou a ordenar. Artur Baptista, o filho, agora mais acordado, cumpriu as ordens todas. A gosto!

***

Duas semanas volvidas, andava Artur Baptista, o filho, sorrindo de satisfação e inusitado prazer, acreditando que o sexo no casamento era como as colheitas, tinha anos melhores e anos piores, e quis saber que adubo estava na origem de tão fértil sementeira:
– Porque mudaste? Como te lembraste de mudar assim?
– Não me lembrei, lembraram-me.
E contou-lhe tudo. O que era a Internet, como as pessoas conversavam nela, como trocavam imagens, como criavam grupos de interesses, como conhecera Saul e Cristina e se excitara com eles e como eles a tinham aconselhado a provocá-lo. Que eram boas pessoas, pelo menos pareciam, e até já tinham falado em se encontrarem os quatro.
– Para quê?
– Ora, para o que der e vier! Jantar num restaurante chique, dançar um pouco, ir até casa deles e ver no que dá…
Artur Baptista, o filho, estava perplexo, boquiaberto, e quando mexeu a boca para articular uns sons, as palavras que lhe saíram podem ser risíveis, mas foram essas que lhe saíram pelo que não as trocaremos por outras:
– E isso é legal?
– Não sejas tonto! Olha que pergunta. O que acontece entre adultos dentro de quatro paredes não é da conta de ninguém.
– Eu e tu à frente deles?
– E eles à nossa frente, e tu com ela, e eu com ele…
– Mas assim não fico corno?
– Deixa-te de parvoíces! Como é que isso é possível se tu sabes?
– Pois, mas o marido da Albertina Bruxa também sabe e não é menos corno por isso!
– Ó Artur, deixa-te disso! São uns amigos com quem vamos jantar e depois vamos beber um copo a casa deles e a seguir só acontece o que nós quisermos e o que acontecer ficará entre nós.
– Pois, amor, mas eu nu no mesmo quarto que outro homem nu, só no balneário do Clube Desportivo e, mesmo assim, ninguém tira os olhos do chão.
Carla não soube porque Artur Baptista, o filho, não lhe disse, mas não foi a nudez junto de outro homem nu o que mais o assustou. Foi um aperto no peito, uma negação e uma contrariedade, quando pensou em entregar voluntariamente a sua mulher a outro homem. Rejeitou a proposta. Aguentou até o tédio se instalar de novo lá em casa e a cama de ambos perder o desejo, o fulgor e o cheiro a sexo.
– Telefona lá aos teus amigos.

***

Foi em Lisboa. Jantaram num local requintado e muitíssimo confortável, na marginal, e, por isso, com vista para o bailado da lua no espelho do mar. Carla sorvia cada segundo com curiosidade e entusiasmo. Tudo aquilo a surpreendia, a fazia sentir-se excitada e feliz. Artur Baptista, o filho, pensava em Artur Baptista, o pai, e em como fora possível nunca lhe ter falado do reflexo da lua no mar. Já no restaurante, não via grande interesse. Tudo aquilo eram luzes a mais para ele. Não conseguia deixar de reparar no contraste das suas mãos rudes com o aprumo de tudo o que o rodeava. Sentia-se só, perdido e oprimido. Saul e Cristina apresentaram-se elegantes, mas não muito formais e, fizeram questão, nada provocantes ou exibicionistas. Eram um casal cosmopolita, mas discreto e dirigiram a conversa entre os quatro por assuntos inócuos e com extrema educação. Toda a gente sabia o que havia para saber. Não era necessário que alguém referisse o óbvio. De resto, o jantar servia para um primeiro contacto, uma aproximação, e não para discutir o que se iria passar a seguir. Essa moderação surpreendeu Carla um pouco pela negativa uma vez que estava ansiosa por explorar e ser explorada. Já Artur Baptista, o filho, apreciou aquela discrição e aquele tato. Por ele, de resto, findo o jantar, despedir-se-ia das pessoas, agradeceria a companhia, meter-se-ia na pick-up e rumaria à tranquilidade e ao recato de sua casa. Não era isso, contudo, o que estava combinado, nem o que esperavam de si.

***

Era uma casa pequenina, de aspeto acolhedor, com um breve relvado na frente. Era uma rua estreita, de sentido único, muito arborizada. Era um bairro distinto e pacato. Por dentro, a casa mostrava-se maior do que parecia por fora. Estava decorada com requinte, num estilo moderno de linhas direitas e estéreis, de contraste entre pretos e brancos, inox escovado e profusos espelhos a ampliar o espaço e a sugerir indiscrições privadas. Quando entraram, Saul e Crinstina colocaram uma música suave, convidaram-nos a servirem-se de uma bebida e a estarem à vontade e desapareceram sob pretexto de trocarem de roupa para ficarem mais confortáveis. Quando regressaram, Saul vinha dentro de um roupão de quarto em seda escura estampada de ramagens orientais e Cristina trazia uma túnica transparente e um casaquinho do mesmo tecido sobre os ombros. Artur Baptista, o filho, via perfeitamente a lingerie sensual e ousada que ela trazia por baixo, e reparou nos laços, lacinhos e laçarotes e nas fitinhas e deu consigo a pensar se seria capaz de desatar aquilo tudo. Em sua modesta opinião, tratava-se de embarcação com demasiado cordame para os seus parcos conhecimentos daquele marear. E foi ela, Cristina, quem falou primeiro. Estendeu-lhe um roupão ainda dobrado, semelhante ao de Saul:
– Tome, a casa de banho é ali. Liberte-se das amarras da roupa e ponha-se à vontade. E beijou-o suavemente na face. Saul estendeu um conjunto de túnica e lingerie a Carla e foi mais parco nas palavras:
– Acho que sabe o que fazer com isto.
Ela sorriu. Ele fez-lhe uma festa na face, depois no cabelo, deixou a mão deslizar para as costas dela e depois escorregar por elas até às nádegas firmes de Carla que acariciou suavemente antes de pousar-lhe um breve beijo nos lábios. Artur Baptista, o filho, não suportou a situação. Ele sabia que sabia o que estava a passar-se, sabia, até, que todos ali sabiam o que estava a passar-se, mas havia algo em tudo o que sabia que não compreendia. Pousou o roupão que tinha na mão numa cadeira e saiu da sala, da casa, fechou-se no carro e esperou. Toda a noite.

***

Carla ficou. Foi viver todas as promessas eróticas que lhe tinham feito por escrito através da Internet, foi realizar em três dimensões as promessas que lhe tinham feito através de fotografias da intimidade revelada. Entregou-se com avidez, satisfez o corpo e aplacou o desejo. E descobriu. Artur Baptista, o filho, viveu uma noite de horrores. Indeciso entre voltar lá para dentro e ficar ali à espera. Deu murros de raiva no tabliê da pick-up, cabeçadas de desespero no vidro da janela, revoltou-se no banco, saiu à rua, voltou a entrar, mergulhou num choro convulsivo e adormeceu exausto no banco do condutor com cabeça em cima do volante. A madrugada despontava fresca quando Carla bateu com os nós dos dedos no vidro da carrinha. Ele destrancou as portas. Ela entrou. Ninguém disse nada. Ele ligou o carro. Iniciou a marcha e conduziu durante duzentos e cinquenta quilómetros sem pronunciar uma palavra. Abateu-se sobre eles um silêncio fundo de digerir efeitos e consequências. Ela tentou começar uma conversa várias vezes, mas nunca acertou nas palavras certas para tal começo. Talvez não as houvesse. Talvez o silêncio fosse a única conversa possível. Ele esperou uma palavra. Nem sabia como reagir a essa palavra, mas esperou-a. A palavra não veio. Debateu-se com a incompreensão daquilo tudo. Não sabia se tinha feito bem ou mal. Não sabia, sequer, porque tinha ido ao jantar e, tendo ido, não percebia porque tinha desistido. Não sabia o que se tinha passado naquela noite enquanto se revirava no carro, e não conseguiu expressar nada do que sentia. Nem uma palavra. Quando chegaram, parou a carrinha à frente da casa, desligou a ignição, Carla virou-se para ele como quem vai dizer algo, Artur Baptista, o filho, impediu-a. Levantou uma mão pedindo-lhe que não falasse, não olhou para ela, fixou o olhar no conta quilómetros e disse:
– Não quero saber nada!

——————– jpv —————-


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Poesia das Palavras Indizíveis – Demasiadas Sombras, Senhor Grey.

grey

Poesia das Palavras Indizíveis

Demasiadas Sombras, Senhor Grey.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido em casa.
Um braço no ar,
Um grito a rasgar o silêncio.
Um gesto que arrasa…
A existência.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido no carro.
Um pé no travão.
Um som de pneus a deslizar.
Um braço no ar.
Uma boca a cuspir sangue.
Uma mulher que baixa os olhos e espera…
Mais.

Foi na tela.
Ele batendo nela.
Mas poderia ter sido no jardim.
Um braço no ar.
Minutos que não chegam ao fim.
O negro do sangue pisado.
Um olho disforme.
Assim…
Ornamentado.

Quando ele levanta o braço
Para ela,
Não interessa se foi ou não
Na tela.
O que se vê,
É ele a bater nela…
Por amor!

Não há erotismo
Nem sexo
Na violência
E no excesso
De uma mulher agredida.

Há só um crime…
Contra a vida!

jpv