Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Solitária Tortura

Quero pecar
Os meus pecados.
Não posso deixá-los para trás.
Quero acariciá-los
Como se acaricia
Uma existência.
Um prazer breve e fugaz.
Quero os excessos
E as luxúrias.
A presença
De todas as coisas
E a sua ausência.
O lume a arder
E o seu reflexo
Na taça de vinho abandonada.
A luz do luar
Na tua pele desnudada.
Quero do teu choro
A erótica heresia.
Quero o teu corpo
Na minha língua
Sabendo a maresia.
E quero que me faças
Uma oração
Submissa e tentadora.
A prece dos pecadores
Sob a rotina redentora
Do amor.
E hás-de ser minha
Para sempre.
E sempre será o que quisermos.
Será o tempo de um beijo.
Um lânguido beijo deleitoso.
Ou então uma eternidade.
A eternidade de acolher-me em ti
Sem chão, nem mar, nem radar.
Só o toque cego e prazeroso
De quem tenteia a felicidade.
E peco.
Peco o pecado de fechar-me
Para o Universo
E ressuscitar em ti
Pelo toque,
Pelo urro,
E pela palavra feita verso.
Não quero o pecado
Pelo pecado.
Quero o pecado
Do teu desejo
A arder-me na carne.
Quero as tuas unhas
A arranhar-me
Como um náufrago perdido.
Teu corpo único
A meus prazeres estendido.
E quero saber
Que sabemos
Que pecamos.
Consciência inútil
E vital.
Quero finalmente acreditar
Que vieste a ser minha.
E quando, à noitinha,
Encostares teu corpo
Ao meu
Antes de dormir.
Quero estar pronto para partir.
E levar comigo nossos pecados
Envoltos em ternura.
E algum que nos tenha escapado
Seja da alma, em paz,
A solitária tortura.

jpv


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Quadras satírico-humorísticas de timbre antigo e desusado escritas enquanto não estavas a ver…

vamos-fazer-uma-coisa-gostosa

Hoje fiz amor contigo,
É pena que não estivesses presente.
Ficas a saber, para castigo,
Que posso amar teu corpo ausente.

Sei que dirás, com desdém,
Que são devaneios de um pobre coitado.
Pois fica a saber, também,
Que deixei teu corpo deliciado.

Não te dês ares de superioridade,
Superior é coisa que não és.
Aqui, do alto da minha humildade,
Ainda te hei de ver a meus pés.

És vaidosa e usas roupas finas,
Para te passeares pela rua,
Enquanto vês montras e cruzas esquinas,
Eu fico em casa a imaginar-te nua.

Já vai longo este fado incerto,
De rumo sinuoso e complexo,
Quem dera ter-te por perto
Para intenso e despudorado sexo.

Será teu corpo uma plantação
De envolventes e suaves carícias,
Onde hei de ir colher à mão
Uma sementeira de malícias.

Vá lá, diz que sim,
Ao menos uma vez.
Não queiras apressar o fim
Do coração que tão bem te fez.

Hei de ver-te, finalmente,
Em minha cama deitada,
Corpo esguio e presente
Desde a noite até à alvorada.

E do que ali se passar
Faremos inviolável segredo,
Até ao dia em que subas ao altar
Com uma aliança de oiro no dedo.

jpv


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E havia tanto mar…

Não houve…
Não poderia ter havido.
Foi sempre um mar incerto,
Uma embarcação sem rumo
Nem sentido.

Não tem mais
Cavalos selvagens nos teus cabelos.
Não tem mais
Borboletas coloridas nos teus lábios.
Sucumbiste
Aos conselhos sábios
Da razão e da prudência.
Presente…
Só a ausência.

E havia tanto mar.
Havia tanto marinheiro.
Havia um homem por inteiro
E um desejo a saciar.
E agora
Há só este chão queimado,
Este deserto desolado
De ter-te.

Nem me viste.
Nem chegaste a ignorar-me.
Poeta sem poesia.
Modelo sem charme.
Músico sem notas.
Coração vazio
De onde brotas
Sem nunca
Teres entrado.
Só este terreno inóspito,
Este chão queimado.

Não houve…

João Paulo Videira


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Fogo

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Porque me namoras assim?
Porque me incendeias a alma
E a palavra
E ateias o lume do corpo?
Porque me dás sem pedir?
Porque me prendes
E me libertas?
Porque ofereces tuas formas
Às minhas mãos desertas?
Porque me acaricias a existência
E me abandonas a arder?
Porque me deixas ganhar-te
Se te não posso perder?

João Paulo Videira


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Vã Figura

Vã figura,
Traço imperfeito.
Esticada na altura,
Desajeitada no jeito.
Robusta estrutura,
Olhar cristalino.
Incerto, o cabelo,
E o lábio fino.
Passada errante,
Palavra pendente.
Alma distante,
Coração ausente.

jpv


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Acordar Ausente

toque

Acordar a teu lado
E beijar a tua face.
Olhar o teu sono,
Esperar que o momento não passe.
Acordar o veludo da tua pele,
Ajeitar-te os cabelos em desalinho.
Amar-te a noite toda
E acordar sozinho.
Esperar pela manhã
Para ver-te sorrir
Irradiando encanto e deferência.
Sentir os lençóis frios
E não perceber
A crueldade desta ciência.

Não é a tua distância que me dói.
É a tua ausência.
Não é o silêncio que me corrói,
É a certeza de não estares aqui,
Onde te quero
E desejo,
Onde possa tocar
O que sinto e vejo
E onde sejas minha
Para sempre.
Nenhum corpo
É um corpo
Se não estiver presente.

Vem de mansinho…
Vem devagarinho…
Saciar minha fome
De ti.
Vem deixar-me ajoelhar
E tomar para mim
Teu seio
E teu sexo.
Inaugura teu corpo
No meu
E desenha a carícia.
Rompe teu ímpeto em mim
Sem regras nem fronteiras.
E quando a noite se fizer longa
E teu cheiro de jasmim
Morar na minha pele,
Quando as aves acordarem
E derem vivas ao dia,
Encosta teu corpo ao meu
E adormece.
Meus lábios saberão,
De novo,
Beijar a tua face.

jpv


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Prece

suor

Ó senhora!
Ó deusa!
Ó musa maior!
Aceita minha dádiva,
Minha prece,
Meu suor.

Seja feita em mim
Tua vontade.
Envia pelo anjo
A sublime e espantosa
Novidade
Que há de surpreender
O Universo perplexo:
Tombou ajoelhado,
Perante tua figura,
O servo do sexo.

Deste forma
Ao meu desejo
E alma
À minha loucura.
És tudo
O que sinto e vejo,
Seio,
Colo,
Sepultura.
Teu corpo
É meu altar,
Teu gemido
Minha devoção.
Em ti
Procuro o grito sentido
Que completa minha oração.

jpv


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Recusa

recusa-sensual

Gosto quando me recusas
E as palavras
Que usas
Chamam por mim.
Gosto quando anuncias o fim
E tudo me soa
A desejo.
Gosto do teu beijo
Zangado
E refilão.
Gosto dessa tua
Negação
Sensual e atrevida.
Contigo,
A vida
É mais vivida.
E gosto quando
Me viras as costas
E tuas mãos
Continuam postas
No meu corpo.

Não mudes, meu amor.
Esse teu desatino
Traz som e cor
Ao filme
Da minha vida.
Gosto de ti,
Sempre,
Até na partida.

E quando já não puder amar,
Em meus dias longos e envelhecidos,
Quero entregar no teu regaço
O que sobrar dos meus sentidos.

jpv


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Doce

08bad-pes

Gestos redondos
E suaves.
Olhar curioso.
Sorriso feiticeiro
Onde trazes
A tentação
E a doçura.
Tua distância
É tortura
E teu não
Desespero.
Negas-me com delicadeza
E esmero.
E não sei
Como conquistar-te.
Teu território
Exige tempo
E arte.
Não me tentes!
Não me digas
Não!
E não me digas
Sim!
Deixa morrer
Em mim
A esperança de ter-te.
Um dia
Não é mais que um dia.
Um olhar
Não é mais que um olhar.
É o desejo de tocar-te
Que me consome.
É de ti
Esta imensa
E insana fome
De prazer.
Se não me queres,
Afasta-te de mansinho
E deixa-me
Morrer.

jpv


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Breve

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A tua doce
E serena presença
Não chega às minha palavras.
Anuncias revoluções
No peito
Em que gravas,
Levemente,
O teu ser.
Passas por mim
Como se me não tocasses,
Invades-me o desejo
Como se não entrasses
Em meu mundo
E como se não fosses fundo
Tocar-me de leve.
E fica,
Infinito em mim,
Teu olhar breve.

jpv