Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Da Essência

Já não meço o tempo.
Já não conto os dias,
Nem as semanas,
Nem os meses,
Nem os anos…
Já não conto as pessoas que passam,
Nem peso as palavras nas frases.
Já não me detenho pelo comum,
Nem faço vénias à ignorância,
Embora também já não a corrija…
Já não quero tudo,
Nem muito,
Nem pouco.
Quero só o que quero.
Seleciono.
Separo.
Deixo passar, livres,
Os rios de lama,
E sorrio
À sua desventura.
Como cheguei aqui
Importa pouco.
Sou um estilhaço de nada.
Trouxe algumas pessoas,
Um punhado de memórias.
Árvores de errância plantadas
E livros escritos ao sabor do acaso.
Não sou escritor.
Desenho coisas com palavras
Escolhidas sem critério.
Não sou professor.
Ensino a vida
A vidas que me hão de sobreviver.
Não sou pai.
Sou filho de meu pai
E de meu filho também.
Não sou marido.
Sou imensamente amado
Por um raio de luz
Que me colheu de surpresa.
Não sou nada…
Talvez nunca tenha sido.
Talvez nunca tenha querido ser.
Amo a brisa
E os beijos escaldantes da musa
Com quem partilho a cama
E o olhar.
Amo o filho, a filha, os netos…
Fontes de todos os afetos…
Amo estar.
Amo observar.
Amo as palavras
E o sentido que dão
Às coisas sem sentido.
Amo.
Já não desejo que acreditem
Em mim.
Nem, tão pouco, que gostem de mim.
Fico-me pela breve partilha
De um tinto,
De uma conversa casual e vadia,
De uma roda de amigos
À volta de um lume crepitante.
Recolho-me no canto de um sofá
E na penumbra de uma árvore
De pensamentos que rego
Em silêncio.
E depois,
No fim de todas estas
Indispensabilidades,
Sobra muito pouco desta vida
E desta idade.
E o que fica
É uma qualquer ideia
Indefinida e essencial.

jpv


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ANIVERSÁRIO

Este ano, mais precisamente a 31 de agosto, fiz um daqueles aniversários que ninguém nota, mas que, bem vistas as coisas, é dos que mais conta.

Completaram-se trinta anos desde que assinei o meu primeiro contrato como docente. Trinta anos de docência. Trinta anos de ser professor. Trinta anos de setôr. Trinta anos de dedicação, entrega, investigação, empenho, superação de muitas dificuldades. Trinta anos de desilusões. Trinta anos de milagres, de conquistas, de muito reconhecimento. Trinta anos de juventude. Trinta anos de dar incondicionalmente e receber surpreendentemente. Trinta anos de olhares, de dedos no ar, de dúvidas tiradas e por tirar. Trinta anos do melhor do mundo e também dos seus encarregados de educação preocupados e exigentes como se tivessem o bem mais precioso na mão. E tinham. Trinta anos de testes, de noites mal dormidas, de reuniões, de pautas e atas. Trinta anos de medos e inseguranças e algumas certezas, poucas, e muita determinação. Trinta anos a dizer Sim e trinta anos a dizer Não. Trinta anos de Estatuto da Carreira Docente. Por curiosidade, assinalo que nasci para esta profissão no ano em que nasceu o seu mais importante instrumento legal. Somos irmãos. Talvez por isso tenha feito questão, sempre, de o conhecer bem.

Só assinei dois contratos. Em 1990 e em 1992. Só trabalhei em cinco escolas. Francisco Rodrigues Lobo, Leiria, um ano; Jácome Ratton, Tomar, um ano; EB 2,3 Luís de Camões, Constância, dois anos; Secundária de Alcanena, Alcanena, dezoito anos; Escola Portuguesa de Moçambique, Maputo, oito anos. Tive centenas de turmas, milhares de alunos, orientei muitos estágios e dei formação a milhares de professores. Fui dirigente sindical durante sete anos sem nunca ter deixado de dar aulas. Fui Diretor de Serviços da Formação do Pessoal Docente no Ministério da Educação entre 2010 e 2012, os dois únicos anos da minha carreira profissional em que não dei aulas. Fiz um mestrado, um curso de especialização, duas pós-graduações, centenas de ações de formação, seminários, congressos, sessões de esclarecimento e eventos, preparei e dei milhares e milhares de aulas e tenho o humilde sentimento do dever cumprido de forma honesta, dedicada, briosa e o mais competente que soube e pude. Nunca deixei de honrar os termos do meu contrato. Estou agradecido. Estarei sempre. Foi o Ministério que me permitiu ser e fazer aquilo que mais gosto, que mais amo.

Por parte do Ministério da Educação não estava à espera de nenhuma medalha, nenhum relógio de ouro, nem um diploma. Não fiz o que fiz à espera de nada mais do que aquilo que estava acordado: eu dava o meu melhor e, em troca, recebia o meu salário. E foi o que fiz. Fui um profissional do Ensino. Acontece que, nesta profissão, não basta ser-se profissional. Não basta, sequer, ser-se um bom profissional. É preciso estar-se atento a cada detalhe, ser-se de uma dedicação extrema, trabalhar muito mais para além das horas pagas, fazer muito mais do que exige o perfil funcional, sofrer, com estoicismo, alguma incompreensão e desconhecimento alheios, mas tudo, rigorosamente tudo, deixa de ter qualquer importância quando um aluno progride e obtém sucesso, quando descobre, quando vê para além do que cria ser possível. Ainda assim, um cartãozinho, por singelo que fosse, um mail, mesmo anónimo e impessoal, com uma frase inócua a espelhar um lugar-comum repassado como aquelas imagens com máximas que circulam pelas redes sociais. Ao menos isso ter-me-ia feito sentir que contava para alguma coisa, que fazia parte de um qualquer desígnio nacional. Afinal, não faço. Andamos para aqui todos a dar o nosso melhor, descomandados, cada um por si… quanto não se ganharia se as coisas fossem diferentes.

Faria algumas coisas diferentes, mas não carrego arrependimentos às costas. Tive dias bons e dias maus. Alunos dedicados e alunos cábulas. Tive os que se esforçaram ao máximo para conseguirem e tive os que conseguiram quase sem esforço. Tive os tímidos e os reservados, os tagarelas, os irrequietos, os que estavam sempre com o braço no ar e os que baixavam os olhos só de suspeitarem que podia perguntar-lhes algo. Tive os que pasmavam com a descoberta e o Conhecimento e tive os que não queriam saber do Conhecimento para nada. Tive colegas cooperantes e colegas indiferentes. Tive os que olhavam para mim e viam uma oportunidade de trabalho e também tive aqueles que não viram em mim nada mais do que um motivo de mexerico. Penso que é normal. Penso que a Escola é erradamente vista como um ambiente à parte, in vitro, onde se preparam os alunos para a vida quando ela é, de facto, a vida a acontecer em todo o seu esplendor, todas as suas virtudes e as vicissitudes também.

Ser professor é fazer parte de um processo de crescimento, é operar um milagre e poder fazê-lo conduzindo o milagre para o porto seguro que queremos e sabemos que existe e sabemos, até, como chegar até lá. Ser professor é um privilégio. É pertencer à profissão das profissões, uma das mais mal tratadas e, simultânea e ironicamente, uma das mais estruturantes e fundamentais. Nestes trinta anos, vi muita coisa boa acontecer à carreira docente, mas vi, também, muita degradação das condições de exercício e muita degradação da imagem da profissão.

E chego aqui vivendo um paradoxo esquisito. Não sonho com mais trinta anos de carreira, mas também não anseio pela aposentação. Ao cabo de trinta anos, sei pouco e o pouco que sei resume-se a isto: os alunos são o que realmente interessa e vale a pena em todo este processo. Tenho de agradecer-lhes por me terem ensinado tanto nestes trinta anos e por terem dado sentido à minha vida e à minha existência e não me refiro somente à profissional. Muito do que somos passa pelo que fazemos profissionalmente e, se posso considerar-me, hoje, um homem feliz, isso deve-se, em grandíssima parte, ao facto de ter optado consciente e apaixonadamente por esta profissão. A única que conheço. A única que quis sempre conhecer.

joão paulo videira


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Não há Professores? Onde está a surpresa?

Imagem: http://www.expresso.pt

Afinal, ao contrário do que anunciavam as teorias mais pessimistas, há cerca de uma década, a Escola Pública não corre o risco de acabar por falta de alunos. É mesmo por falta de professores!

Meias Notícias.

Nos últimos dias, o Expresso online publicou duas notícias sobre o assunto e colocou o foco, erradamente, na minha opinião, no facto de haver muitos professores de baixa médica. É verdade que os há e são muitos, mas não é a única forma de abandono. Muitos docentes optam por mudar de profissão. Hoje em dia, é fácil encontrar profissões com muito melhores condições de trabalho, mais estimulantes e valorizadas. Muitos outros reformam-se antecipadamente, mesmo perdendo 50% do valor da reforma. Preferem sair com muito pouco do que continuar a suportar um quotidiano muitíssimo desgastante e muito pouco valorizado e reconhecido. E há, ainda, os que já não querem ser professores. Quiseram, em tempos, mas descobriram, entretanto, que a profissão é muito exigente intelectual e fisicamente, pouco reconhecida e muito mal remunerada. Mudaram de sonho. Foram ser felizes de outra forma.

Fins de Semana e Férias Grandes

Uma das vitórias dos sucessivos governos, quer assumissem a Educação como paixão, quer não, foi criar a ideia de que a profissão docente era privilegiada porque tinha, ao longo do ano, diversas paragens, fins de semana e férias grandes. O absurdo foi tal que, de forma perfeitamente subversiva, substituíram a palavra “férias” por “interrupção das atividades letivas”. Um absurdo. Em primeiro lugar, porque durante essas interrupções os professores estão a trabalhar, depois, porque as suas férias estão contabilizadas como as de todos os outros trabalhadores e, por fim, nem sequer ficam a dever nada a ninguém porque são dos poucos trabalhadores do mundo que assinam o ponto de hora a hora, todas as horas, todos os dias. Nota-se mais quando um professor falta porque no dia em que ele falta o número de pessoas que sabe disso pode ir até 800! Se for um funcionário de uma empresa, sabe ele, o chefe e o colega e do lado e… ninguém lhes pede por contas… ou pedem… uns aos outros!

Esqueceram-se de referir, os políticos e os veiculadores de opinião pública, que esta é uma das profissões mais desgastantes na nossa sociedade. E não é preciso ser-se professor para saber. Os cônjuges dos professores sabem porque não saem à noite, nem vão de fim de semana porque a mulher ou o marido está a corrigir testes, a ver TPC, a fazer um plano de aulas, materiais, testes diagnósticos, trabalhos de parceria, etc… etc…

Não se quis saber do desgaste e cortou-se no artigo 79º do ECD (menos horas de aulas por idade), aumentou-se o número de alunos por turma, reduziu-se tempo do professor para o professor estar com o professor! Complicado? Eu explico: como se trata de uma profissão de alto desgaste, o docente necessita de tempo para perceber o que está a fazer, para refletir e para cortar o desgaste da exposição. No que respeita ao tempo de trabalho, criou-se uma complexa e inexequível grelha horária que só trouxe mais horas de ocupação aos docentes.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Os Endinheirados

Simultaneamente, surgiram notícias de que esta classe profissional era muito bem paga. Até houve uma alma brilhante que referiu tratar-se de uma das mais bem pagas da Europa. O que é objetivamente falso. Os docentes são mal pagos, em absoluto, e são mal pagos tendo em conta a exigência da profissão. A consequência de ter-se criado esta ideia foi simples: estratificou-se mais a carreira, eternizou-se o trabalho precário, e pagou-se ainda menos. Além disso, suprimiram-se 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho que nunca foram devolvidos. Basicamente, houve docentes que estiveram sem progredir mais de uma década, a mesma década em que perderam cerca de 40% do seu poder de compra. É por isso que, quando comparam os docentes aos trabalhadores do privado, os professores riem-se. De ironia e desespero.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Progressões Diretas

Ao mesmo tempo, nesta mesma década, quis desacreditar-se a profissão docente com o intuito de se operarem cortes financeiros na mesma. Uma das estratégias peregrinas foi disseminar a ideia de que os professores progrediam diretamente, sem qualquer escrutínio. E vai daí, implementaram-se modelos de avaliação de desempenho complexos, muito burocratizados e esvaziados de qualquer utilidade. É curioso que, ao mesmo tempo, os alunos portugueses estavam a dar cartas no PISA, no TIMSS, nas universidades nacionais e estrangeiras e no mercado de trabalho um pouco por todo o mundo. Nisso, poucos repararam. A maioria estava entretida a mandar avaliar esses preguiçosos, privilegiados a viver à custa do dinheiro dos contribuintes com progressões diretas. Por ironia, parece não haver dinheiro de contribuintes, ou não, que atraia os tais preguiçosos. Devem ter ido preguiçar para outro lado. E foram. A carreira, tal como está desenhada, não atrai os mais novos, prejudica os de meia idade e expulsa os mais velhos que não conseguem aturar a pilha de papéis sob a qual os querem soterrar antes de darem a primeira aula do dia.
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

Opinião Pública

A opinião pública dividiu-se. Muitos apoiaram os docentes. Pais e Encarregados de Educação incluídos. Muitos outros criticaram-nos de forma acérrima e violenta e todos pensaram que podiam falar de Educação. Não podiam. Porque não sabiam, mas ninguém os informou disso e os veiculadores de opinião, e as associações das associações de pais, sempre em nome do melhor para as crianças, e jornalistas, sociólogos, politólogos, opinadores, comentadores, analistas, o gajo no balcão do bar, a senhora na fila da loja do cidadão, o tipo no comboio e o outro no autocarro, todos, de repente, ficaram especialistas em Educação, esqueceram-se de que já havia especialistas em educação, os professores, e lá foram vomitando opiniões, ideias peregrinas e outras que tais para endireitar essa corja de beneficiados. E não pensaram, nem viram, que estavam a desgastar e a desacreditar alguém em quem deviam confiar. O mais curioso é que criticavam, mas continuavam a mandar os miúdos à escola…
Veio o tempo das comparações com o privado até se descobrir que os putos da Escola Pública chegavam mais longe nos cursos superiores e com melhores notas, e veio o tempo das comparações com a Finlândia até se descobrir que boa parte da mão de obra qualificada na Finlândia era portuguesa… ups!
Em suma, deterioraram-se as condições de trabalho.

E agora?

Agora não há professores. Não há.
Uns estão de baixa, desautorizados, desvalorizados e agredidos, são a principal fonte de clientes para a psiquiatria. Outros reformaram-se com cortes brutais nas pensões. Preferiram isso a ir parar ao psiquiatra. Outros mudaram de profissão. E a mesma opinião pública que desacreditou a profissão incutiu nos mais novos a ideia de que a profissão não valia a pena. E eles, que são bons ouvintes e inteligentes, escolheram outros caminhos. O irónico nisto tudo é que muitos dos críticos destes profissionais andam, neste momento, à procura de um desses profissionais e não o têm. Por preço nenhum!
E agora, meus amigos, não há outro caminho que não seja o de revalorizar a profissão. Vão ter de pagar aos professores para terem professores. E as médias de entrada no ensino superior para formar professores vão ter de subir. Eu bem sei que a medicina é fantástica e as engenharias são soberbas, mas sem professores, sem esses aptos criadores de ambientes de aprendizagem, não há medicinazinha, nem engenhariazinha… é que para se ser qualquer coisa na vida tem de passar-se por professores, mesmo para se ser professor. Por isso se chama de meta-profissão. Ora, as faculdades que formavam professores, as mesmas que costumavam estar a abarrotar de candidatos às centenas, a encher auditórios para aulas com 200 e 300 alunos a assistir, têm lá, agora, uma mão cheia deles num gabinete exíguo e alguns vão descobrir, entretanto, que não vale a pena…

Enquanto o país não assumir a Educação como uma prioridade nacional, A prioridade nacional, enquanto o país não decidir dignificar esta carreira e estes profissionais, todo o edifício cultural e profissional continuará a desmoronar-se. E qualquer dia não serão só os professores que não existem. Não existe mais nada. Não existe país. Dignificar a profissão docente não é uma opção, não é objeto de discussão. É uma urgência nacional. Ou faz-se, ou morre-se por não ter feito.

João Paulo Videira, Professor.


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Crónicas de África – A Boleia

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Crónicas de África – A Boleia

Dar boleias não é prudente. Nem aqui, nem em qualquer outro lugar. Este homem anunciava histórias interessantes. Era uma carrinha branca, agastada com a idade, a resmungar quilómetros e a revoltar-se contra a falta de combustível. E, junto a ela, um senhor de cabelos brancos, ar humilde e respeitável, um pequeno jerrican improvisado de uma lata de óleo do motor, o braço a fazer sinal, não como quem manda parar mas como quem pede ajuda.

E eu parei. Abri o vidro do lado dele:
– Então, há azar?
– Sim, pode chamar-se azar. Fiquei sem combustível. Ainda pensei que ela aguentasse, mas ela se negou. Não quer ir mais. Há um posto de combustível junto ao Game, não precisa levar-me até lá, posso apanhar uma ligação.
– Não há necessidade disso. Eu passo à frente do Game, deixo-o lá.
– Muito obrigado.
– Não tem de quê.
– Eu tenho tempo, sabe. Saí cedo de casa. Sou reformado do Estado há 4 anos.
– Posso saber a sua idade?
– Tenho 65.
– É um homem novo.
– Ainda sou novo, mas já fui mais novo. Sabe, às vezes bebo umas…
– Desde que não seja em excesso…
– Claro. O excesso faz-nos perder a responsabilidade. Eu bebo só o suficiente para abrir um sorriso. Por vezes, é preciso abrir um sorriso.
– E gosta da vida de reformado?
– Claro. As reformas do Estado são pobres, sabe, mas a vida privada tem muito valor. Não é incómodo ir até ao Game?
– Não, nada disso. Eu trabalho na Escola Portuguesa.
– É professor?
– Sou.
– Eu fui aluno, sabe. Fiz a sétima classe do Curso Industrial. Naquele tempo não havia energia. Estudávamos à luz das velas. A energia traz das suas. Quando estudávamos à luz das velas não chumbávamos. Quando veio a energia começámos a chumbar.
– Distrações…
– É… mas hoje ainda é pior. Eu vejo pelos meus netos. Na hora de estudar estão ali a ver a telenovela quando deviam estudar.
– Os tempos mudam, sabe.
– Mas não mudam sempre bem. Primeiro veio a liberdade, depois houve ali 10 anos que estivemos morrendo um bocadinho e depois levantámos a cabeça. É, nem tudo muda bem. No meu tempo não tínhamos dinheiro de lanche, mas nos divertíamos e brincávamos e poupávamos para ter um dinheirinho de lanche. Hoje, pai que não dá dinheiro de lanche parece que é criminoso. Isso está mal.
– Chegámos, senhor…
– Sibambo. Era para ter o nome do revolucionário, mas depois mudaram para Sibambo. Acho que tiveram medo.
– Tenha um bom dia senhor Sibambo.
– Muito obrigado, senhor professor.

Andamos nós gastando tempo à procura das causas do insucesso e elas aí estão. Energia e seus derivados. O senhor tinha uma dicção perfeita, falava pausadamente e não tinha dúvidas em relação às suas reflexões. Pensava e estatuía as ideias com as palavras serenas e firmes que encontrava. E nós podemos discorrer das dicotomias do empirismo e conhecimento construído, mas o certo é que o conhecimento do senhor Sibambo também é construído. Construído com as suas experiências e convicções, estudado à luz da vela, posto em prática ao serviço do Estado ao longo de 35 anos. Uma boleia para ele. Uma aula para mim.

jpv
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*Game: superfície comercial em Maputo, mais precisamente na Costa do Sol, ao longo da Marginal.
*Sibambo: nome semelhante ao do herói moçambicano Eduardo Chivambo Mondlane.


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Quando Corrigir Testes se Torna… Hilariante.

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Depois de uma manhã inteirinha a corrigir testes, depois de uma tarde inteirinha a corrigir trabalhos de casa, há conclusões inevitáveis. Para além da responsabilidade implicada, a tarefa de corrigir testes pode ser cansativa, extenuante  mesmo, desoladora, reconfortante e… hilariante.

A resposta que vou revelar de seguida, protegendo o autor, claro, faz-me crer que devo ter errado algures no processo. Mas errado à grande! Meu Deus, que fui eu fazer? Como é que é possível que aquela alma, simpática, de resto, tenha sequer sonhado com o que escreveu? Amanhã tenho de tirar a limpo.

A pergunta vinha numa sequência de questões sobre o ‘Auto da Índia’ de Gil Vicente e pedia aos alunos que refletissem sobre o poder da sátira no teatro vicentino. Eis o que me calhou na rifa:

“… o teatro vicentino é caraterizado pelo poder da sátira porque no antigo Egipto, Sátira tinha o poder de criticar o governo, ou seja, criticar o Faraó. Se bem me lembro, Sátira era a mulher do Faraó.”

Não posso… não aguento mais… mas o que é que andam a dar àquele miúdo ao pequeno-almoço?