Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Cânone Lírico

A alegria não inspira poemas.
E, mesmo que inspire escritos,
Não são poemas.
São erupções falaciosas
De um estado de alma
Que não existe.
Mera ilusão.
A poesia não vive do chão,
Nem de certezas,
E menos ainda de conquistas.

A poesia a sério,
A que se lê nas sessões públicas
E ganha prémios,
É grave e melancólica.
Sofre e faz sofrer.
Vive da dor
E do que faz doer.

A poesia, a ser mesmo poesia,
Alimenta-se da dúvida
E da insatisfação.
Da incompletude,
Da doença mental.
Da do corpo, não.
As doenças do corpo
São mesquinhas e surdas
Às verdadeiras razões
Por que se deve sofrer.

Um não querer ser-se
Quem se é
E querer-se ser
Quem se não é.
Um estar deslocado
De onde se queria estar
E sentir-se desacompanhado
Onde se está.

A solidão.
Sim, a solidão é poesia.
E a autoanálise obsessiva também.
O amor incorrespondido de alguém.
Os amores felizes
Não são poesia.
São invejas
De quem queria
E não tem.

A verdadeira poesia,
A de qualidade,
A poesia dos anfiteatros e dos salões
E das mais belas edições,
Não se escreve
Nem se lê.
Sente-se…
Um sentir puro e contínuo,
E, supremo pecado,
Não se explica.
Frui-se!

Eu cá, não sou poeta.
Eu acho graça
Às flores na Primavera,
Às manhãs luminosas
E aos regatos de água cristalina
Sob o chilreio fresco dos passarinhos.
Eu acho graça
Aos amantes de mão dada
Trocando beijos na rua,
À descarada.

De poesia, não sei nada.

jpv


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Tenho Poemas

palavras

Tenho poemas inteiros
Escritos a sangue
No peito.
E tenho poemas inacabados
No peito rasgados
A sangue.
Tenho palavras soltas
Sem destino nem jeito.
Restos de vida,
Gotejar impreciso
De um ideário morto.
Tenho linhas a direito
Com sentimentos a torto.
E tenho este grito
Que não sai.
Este mudo vociferar
Contra mim
E contra o fim
Que tarda em chegar.
Tenho palavras salgadas
E doces mentiras.
Tenho musas inspriradoras
E suaves liras.
E tenho este muro de impotência,
Esta coisa que não é Deus
E também não é Ciência.
Um sacrifício absurdo,
Um caminho doloroso.
Um querer tanto,
E tanto brilho,
Que torna mais penoso
O trajeto na escuridão.
Tenho tanto Sim
E vivo tanto Não.

jpv


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A Pensar em Ti

A Pensar em Ti

A Pensar em Ti

A pensar em ti
Fiz os poemas apaixonados
Da juventude…
Os versos arrebatados
Do amor
E da incompletude.

E foi a pensar em ti
Que rimei rimas
Sem nexo
De luxúria e sexo
Exposto
Ao vento e ao luar.
A pensar em ti
Meu coração
Aprendeu a rimar.

A pensar em ti
Escrevi
Sobre o desespero
E a desilusão,
Sobre grandes projetos
E o espectro da separação.

E vieram outras mulheres
Doces e belas
Partilhar meus braços.
Escrevi imenso sobre elas,
E tudo o que escrevi
Foi a pensar em ti.

A pensar em ti
Escrevi palavras de paciência,
De fulgor sem fulgor nenhum.
A pensar em ti
Escrevi a resiliência
Do amor especial e comum.

E agora,
Que se anuncia
Outra meninice
Que não é pujança
Nem velhice,
Penso em ti
E na força dos afetos.
Traço duas linhas de ternura,
Penso em ti
E escrevo sobre nossos netos.

jpv