Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Parabéns, Mãezinha!

Olá mãezinha.

Tu partiste de repente. Sem aviso. De consciência tranquila e sem remorsos. Enfrentavas as tuas dificuldades com um sorriso nos lábios e eras, no passado dia 23 de fevereiro, uma mulher autónoma, livre, absolutamente resolvida. Quer em termos da tua espiritualidade, quer em termos dos teus objetivos. Amavas e eras amada. Tinhas um círculo vasto de amigos. E era visível, na tua face e nas tuas palavras, a alegria pela antecipação de conheceres o teu bisneto. O James. O bisneto que não conheceste por meros 47 dias.

Hoje, farias 74 anos. Já tinhas casado, parido e criado dois filhos, sobrevivido a uma guerra, derrotado um cancro e estavas numa fase luminosa da tua vida. A beleza do teu sorriso espelhava isso mesmo. Uma curva, um acidente estúpido, um momento de infelicidade, levaram-te quando mais parecias querer viver.

Tu não deixaste só um vazio. Deixaste uma lição de vida. Um lastro de amor e resiliência.

Os teus gestos vivem em mim. As tuas palavras habitam em mim. A tua força guia-me. A tua presença é constante.

A vida não é a mesma coisa sem a tua presença. Mas continuamos honrando a tua herança de busca da felicidade, a tua determinação, o teu sorriso, a forma despachada e resoluta de enfrentares as dificuldades e de fazeres o que tinha de ser feito.

O teu bisneto tem os olhos azuis e é dinâmico. Ias amá-lo profundamente. O teu neto é um pai carinhoso e dedicado e tem uma esposa carinhosa e dedicada.

A mana está bem ou, pelo menos, está muito melhor do que seria de esperar. Levou tempo a cura das feridas do corpo. Levará mais ainda a cura das feridas da alma. Mas ela é forte e tem também, agora, a obrigação de sobreviver-te. De honrar-te.

Eu… tu sabes tudo sobre mim… tenho-te contado diariamente… amiudadamente…

Parabéns, mãezinha! Dou-te os parabéns. Darei sempre. Eu sei que tu gostas de fazer anos. Sempre gostaste. E, por mais perfumes que te ofereça, nunca serão de mais… era sempre uma escolha certa… afinal de contas, tu gostas de tomar um banho e arranjar-te e perfumar-te antes de… ires para a cama!

Do teu filho,
João Paulo.


4 comentários

África Minha

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Não és terra de partidas.
És terra de chegadas.
Não é fértil, teu chão,
Em despedidas.
És mais de gargalhadas
E brisas volantes.
Não te puxa, o humor,
Para a melancolia.
Cresce melhor, e mais rápida,
A alegria.
Não és terra de planos.
Preferes os esquemas e os improvisos.
E ouço os alertas e os avisos,
Mas encosto-me ao teu ritmo.
Abraço essa poesia sem rima,
Esse olhar atrevido,
Essa facilidade desarmante.
Nunca serás companheira.
Sempre amante!
Nada me prende a ti,
E, contudo,
Choro na partida.
Agarro-me ao nada que és
E hesito na passada.
Sinto pesados, os pés,
Presos a nada.
Tens essa força oculta,
Essa macumba enfeitiçada!
Teu vazio cresce e avulta
Em meu peito.
E fico só e triste,
Sem palavras e sem jeito,
Na hora de ir.

Não és terra de sentir,
És terra de ser sentido.
Não és terra de gritar,
És terra de ouvir o grito.
Não és terra de possuir,
És terra de ser possuído.

Caminhas poderosa,
Altiva e sozinha.
África vaidosa,
Profunda…
África minha!

jpv


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Sombra

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És a sombra
Do Amor que partiu.
És a luz
Que não entrou.
A ave assustada
Que fugiu.
E eu fui crescer
Noutro coração.
Alma errante
À procura de chão.

jpv


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O Corpo do Jovem

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Nesse sinuoso caminho,
Trilhado com dor e sangue
Jaz morto e frio,
O corpo do jovem, exangue.
Tombou lá longe, sozinho.
Não tinha nada de seu,
De seu não tinha nada.
Só a alma envolta no breu,
E a carne, a golpes, dilacerada.
E vive exultante em meu peito,
Neste fogo de paixão que me consome.
Esse menino que morreu lá longe,
Viveu e fez-se homem.
Por cada golpe
E por cada ferida que dói,
Morre mais o menino
E cresce, em mim, o herói.

E tenho esta visão,
Este conforto de assistir
À grande revolução
Que é ver-te partir.

 jpv


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Reencontro

Selfie Iago Brazil Neymar Copa ReencontroReencontro

Vieste como sempre, tranquilo. Chegaste como sempre, tranquilo.

A mala carregada de aventuras, de histórias ousadas, dos riscos que correste, das emoções, do que mais ninguém fez a não ser tu. Disseram-te que morrerias no deserto e foste. E voltaste de noite com a lua a rebrilhar no chão de sal. E subiste à favela assustadora como quem caminha por entre irmãos. E foi isso que aconteceu! E eu ouvia-te, ali mesmo ao pé de mim, e ainda sentia medo por ti! E a estrada com tiroteio dos dois lados e o veleiro que te deu boleia, a fala com os brasileiros, o vocabulário que adotaste para te entenderem e teimas em repetir pelo hábito. Os professores, os colegas , as notas. O Uruguai, a Argentina, a Bolívia, Porto Alegre e a cidade que te encantou como não esperavas, mais do que a Lisboa do teu coração: Rio de Janeiro. A melhor cidade do mundo disseste. As aulas teóricas e as práticas, a camiseta do Neymar, o futebol em Copacabana, à beira mar vivido.

Trazes um mundo inteiro nas palavras, no sorriso, nas ironias, no profundo entusiasmo com que superaste tudo. Até um assalto de pistola em punho. E eu temendo, ainda, por ti. Eu, que escrevera há dias que amar é libertar. E é. Mas ninguém disse que é fácil. Não poderia prender-te. Não se aprisiona um ser humano. Sempre que aprisionamos um ser humano, há algo nele que morre e não viverá de novo. Quero-te assim, a destilar entusiasmo e vida vivida em toda a sua plenitude. Trabalho, prazer, alegrias, tristezas, segurança e riscos. Quero-te livre, mesmo que isso me sofra. Doer, não é o termo.

E quero que conquistes o mundo e o vivas e o faças teu. E quero que regresses. Ver-te partir dói, sim. Mas é porque dói, que ver-te chegar é mais do que um reencontro, é um renascer do meu coração pequenino para a Vida e para a Fé!

Chegaste. E o mundo voltou a fazer sentido. Tudo está de novo no seu sítio. Até que partas outra vez e leves o nosso amor e o nosso orgulho contigo.

Se morresse agora, morria feliz. Junto a ti, depois de me reencontrar contigo, depois de ouvir-te as aventuras, depois de perceber que, sem ti, não há mundo, não há vida que valha a pena viver. Se morresse agora, não morria ninguém a não ser o pai do meu menino. E esse, ia feliz. E esperaria por ti até que nos reencontrássemos de novo. Não tem fronteiras, este amor que nos une. Nem mesmo essa.

Bem vindo, filho!

Pai