Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Três Anos, Outro Mundo.

Olá Mamã.

Três anos de tempo se venceram, já, e não superámos, nunca, a forma abrupta e inesperada com que nos deixaste sem ti. Não superaremos. Eu, pelo menos, não superarei… essas coisas, quando acontecem, levam eternidades e eu não tenho uma eternidade. E, depois, vale neste caso a mais genuína verdade, a tua presença nas nossas vidas não é superável…

Gostava de poder dizer-te, olhos nos olhos, que não morreste. Ainda não morreste e não sei se alguma vez morrerás. Continuamos a falar abundantemente de ti, a descrever-te o caráter e a forma dinâmica e efusiva com que nos tratavas.

Um dia destes, coisa recente, estivemos a revisitar os almoços que preparavas para nós. As tuas conversas preferidas, os cuidados com todos os que te rodeavam, a generosidade.

Temos falta de pessoas como tu. Falta de pessoas boas. Disponíveis. Pessoas com um sorriso e uma mão aberta. Pessoas de palavra clara e intenção nítida.

Este mundo está repleto de gente podre. De canalhas e crápulas da demagogia enfeitada de boas ações que nunca o foram. Está cheio de charlatões e dissimulados. De incompetentes e ignorantes. Este mundo está poluído de pessoas tóxicas e ruidosas, sem qualquer espécie de fundamento, conhecimento, sentido ético ou, ao menos, um lampejo de honestidade. E a tua partida parece ter agudizado tudo isto…

Mas não é tudo mau, Mamã. O teu neto está um homem de encher qualquer um de nós de orgulho e tens dois bisnetos lindos e adoráveis. A doce Dasa parece cuidar de todos como se tivesse nascido para isso.

A Mana está comigo. Está bem… ias adorar vê-la… está como querias que estivesse… cheia de energia e vontades. Já engrossa a voz, outra vez.

E há a Cláudia… tenho tanta pena de a não teres conhecido… ela está sempre a dizer-me que ainda se vão conhecer e ser muito amigas e acredita nisso com uma contundência e uma fé inabaláveis e desejo, mas não me embalo, ainda, nessas águas cristalinas. Pressinto a compatibilidade, pressinto que seriam mesmo boas amigas… antevejo até as conversas… mas ergueu-se entre nós uma muralha espessa e gigantesca de escuridão e silêncio. Ela fala de ti como se tivessem convivido décadas. Às vezes, diz-me que herdei isto ou aquilo do caráter ou do teu jeito de ser. E eu, perplexo, atentar imaginar onde é que ela foi buscar informação para acertar em cheio. Fica a conversa adiada…

Eu vou revendo as fotos. Vou mitigando as saudades que, sei, sempre se hão de multiplicar. E vou-te escrevendo como se estivesses aqui ao meu lado que é mesmo onde estás…

Até já, Mamã…

João Paulo


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FRIO

De vez em quando,
Com a nitidez
Límpida de uma manhã de sol,
O teu rosto ressurge
Na minha mente
E revejo o sorriso cristalino
Daquela última despedida.
E escrevo outra vez sobre isso,
Como se, revisitando a dor,
Guardasse em mim,
Mais vivo,
O teu amor.
São assaltos.
A triste condição
De travar a batalha perdida
Entre a morte que foi
E o que sobra da vida.
Aqui,
Neste lugar onde me deixaste,
De mãos abertas
A sentir o calor das tuas,
Não há Diabo que condene,
Nem Deus que redima.
Há só esta neblina
No olhar vagabundo das ruas.
Órfão.
Já não de ti,
Mas da tua memória.
Dia sem luz,
Noite sem história.
Depois,
Com o mesmo sorriso
E a mesma alegria na face,
Partes e deixas-me conformado
Até que a ilusão da presença passe
E entre de novo
No corpo do menino abandonado.

Porque me revisitas, Mãe?
Porque me fazes sofrer
Com a tua presença
Se és ausência e vazio?
Onde não estás, faz frio.
E o frio está em todo o lado.
Não há sol capaz de aquecer
O peito de um menino abandonado.

jpv


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MÃE


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Órfão

No tempo de não haver culpas e todas as palavras serem verdadeiras e limpas, quando ainda era menino, ensinaram-me o que era um menino órfão. E, fosse por que ventura fosse, nunca mais atualizei o conceito. Para mim, um órfão sempre foi um menino sem pai nem mãe. Só quando ouvi esta canção do Abrunhosa me apercebi que já não vêm à minha mesa, nem o pai, nem a mãe, e o órfão sou eu… órfão aos 53…

Não herdei nada e, contudo, os meus pais deixaram-me tudo o que tenho precisado para a vida.

Não me sinto triste por ser órfão. Sinto-me só. Abandonado. Sinto-me à deriva no mar de decisões que cada dia me traz. Nunca passa. Quando temos o nosso pai e a nossa mãe, mesmo que não os vejamos muito, mesmo que estejam longe, sabemos que existem e estão lá para nós e isso fortalece-nos e dá-nos coragem para todas as batalhas. Depois de morrerem, há um vazio que se instala e nunca deixará de o ser. Não é tristeza, nem desespero. É vazio. Sozinhês. É um sentimento do mais absoluto desamparo porque nos falta quem dizia a palavra certa, quem nos passava a mão pelo cabelo, quem representava a confiança absoluta. Só um pai ou uma mãe têm o poder de dizer algo e esse algo ser lei só porque foi dito por eles.

Há muitas mesas, já, que o meu pai não está presente. Demasiadas. E a minha mãe… é como se ainda estivesse à mesa, mas a verdade é que à mesa só já está a sua imagem, a imagem do seu sorriso. Não sei se sou menino… creio que não… mas sei que sou órfão e sei agora, e tragicamente, o que é um órfão. Um órfão é um homem a uma mesa vazia, um desamparado trágico, um sozinho deambulante pelas memórias que são só isso mesmo.

jpv


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Parabéns, Mãezinha!

Olá mãezinha.

Tu partiste de repente. Sem aviso. De consciência tranquila e sem remorsos. Enfrentavas as tuas dificuldades com um sorriso nos lábios e eras, no passado dia 23 de fevereiro, uma mulher autónoma, livre, absolutamente resolvida. Quer em termos da tua espiritualidade, quer em termos dos teus objetivos. Amavas e eras amada. Tinhas um círculo vasto de amigos. E era visível, na tua face e nas tuas palavras, a alegria pela antecipação de conheceres o teu bisneto. O James. O bisneto que não conheceste por meros 47 dias.

Hoje, farias 74 anos. Já tinhas casado, parido e criado dois filhos, sobrevivido a uma guerra, derrotado um cancro e estavas numa fase luminosa da tua vida. A beleza do teu sorriso espelhava isso mesmo. Uma curva, um acidente estúpido, um momento de infelicidade, levaram-te quando mais parecias querer viver.

Tu não deixaste só um vazio. Deixaste uma lição de vida. Um lastro de amor e resiliência.

Os teus gestos vivem em mim. As tuas palavras habitam em mim. A tua força guia-me. A tua presença é constante.

A vida não é a mesma coisa sem a tua presença. Mas continuamos honrando a tua herança de busca da felicidade, a tua determinação, o teu sorriso, a forma despachada e resoluta de enfrentares as dificuldades e de fazeres o que tinha de ser feito.

O teu bisneto tem os olhos azuis e é dinâmico. Ias amá-lo profundamente. O teu neto é um pai carinhoso e dedicado e tem uma esposa carinhosa e dedicada.

A mana está bem ou, pelo menos, está muito melhor do que seria de esperar. Levou tempo a cura das feridas do corpo. Levará mais ainda a cura das feridas da alma. Mas ela é forte e tem também, agora, a obrigação de sobreviver-te. De honrar-te.

Eu… tu sabes tudo sobre mim… tenho-te contado diariamente… amiudadamente…

Parabéns, mãezinha! Dou-te os parabéns. Darei sempre. Eu sei que tu gostas de fazer anos. Sempre gostaste. E, por mais perfumes que te ofereça, nunca serão de mais… era sempre uma escolha certa… afinal de contas, tu gostas de tomar um banho e arranjar-te e perfumar-te antes de… ires para a cama!

Do teu filho,
João Paulo.


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Sem Luto. Quase Luto. Em Luta!

Não consigo, mamã. Não consigo este luto impossível. Não é um luto. É uma luta de Titãs com fantasmas e remorsos. Não consigo despedir-me de ti. Não consigo aceitar a tua perda. Não desta maneira. Abrupta. Trágica. Violenta. Não há preparação possível para a morte. Eu sei. Mas, ao menos, um adeus.

Nessa manhã, escreveste-me um daqueles teus elogios em jeito de brincadeira a reavivar o nosso amor e, uma vez mais, me senti orgulhoso de ti. De como aos setenta e três anos dominavas as tecnologias e tinhas o teu espaço nas redes sociais.

A tua comunidade religiosa, a tua maior rede social, homenageou-te sentidamente, mamã. Com gestos simples, mas profundos, com palavras certeiras, com abraços, com leituras, e com o teu cântico preferido. Sabes, mamã, quando nos despedimos de ti, houve saudade e a natural tristeza de ver-te partir, mas não houve desespero. Pelo contrário. Talvez tenha sido o funeral em que senti mais esperança.

Se soubesses como me arrependo de tanta coisa. De como faria, hoje, tanta coisa diferente. E o que mais me revolta é que foi preciso morreres para perceber isso. Tinhas tanta razão. Tantas razões. Todas fluíam de ti com a naturalidade de um ribeiro que caminha para um curso maior.

A Mana está bem. Não fiques preocupada.  É capaz de fazer tudo. De enfrentar tudo. Está forte e autónoma e encontrou uma outra irmã, quase de sangue, uma irmã de dor e compaixão, que tem cuidado dela. A Mana tem dúvidas. Ninguém passa incólume de viver contigo a viver sem ti. Mas está a conseguir. Como tu querias. Talvez melhor do que poderias esperar.

E, agora, vamos lá aqui conversar sobre o mais difícil: o teu adorado e tão desejado bisneto nasceu. É um rapagão grande e lindo e saudável. Ias adorá-lo mais do que já o adoravas antes mesmo de nascer. É um milagre de vida. O teu neto e a tua neta nem sabem para onde virar-se no desvelo de cuidar dele… queria tanto que pudesses pegar-lhe ao colo. O teu colo era tão bom! Tão acolhedor!

Soube, recentemente, que, ao longo dos últimos anos, me escreveste periodicamente. Estou ansioso por beber as tuas palavras. Estou ansioso por reencontrar-me contigo nesse plano de entendimento que só a escrita permite. E temo! Temo ter ainda mais saudades. Temo que esta revolta surda cresça ainda mais. A tua morte, mamã, não pode ser uma tragédia, tem de ser uma revolução.

Naquele momento em que tudo aconteceu, sei que te assustaste e sei que sofreste e sei, contudo, que tudo foi demasiado rápido para pensares, sequer, no que estava a acontecer-te.

Mãezinha, não consigo despedir-me de ti. Não sei que merda seja essa coisa a que chamam luto! Que puta de paz nos sobrevém e dá esperança no futuro se nenhum futuro sem ti o é verdadeiramente. Tinhas tanta vida a viver, tantos projetos, tanta pujança. Não consigo perceber a violência da tua partida inesperada e não consigo largar-te da minha mão, do meu próprio colo, dos meus arrependimentos. Não deixámos nada de importante por dizer, mas ficou tanto por fazer.

Não partas já! Vem, de novo, ajeitar-me o cabelo de menino. Vem, de novo, pedir-me para regressar que, desta vez, eu regresso. Perdoa, mamã! Perdoa pelo bem que te não fiz e podia ter feito. Perdoa as minhas fraquezas e as minhas faltas. Não foram por não te amar, por não te querer bem. Foram por cobardia e outras razões que os homens encontram para justificar as suas ações e os seus erros.

E, agora, estás aqui, a encher-me o peito e a povoar-me os dias e as noites com o teu sorriso, com o teu abraço, com as tuas graças, e aquele toque que me davas no ombro quando querias que me risse contigo. E recordo, com dor e saudade, quando pedias um xiripiti depois de almoço ou quando te surpreendia na cozinha às sete da manhã com tudo arrumado e o almoço já orientado e depois preparavas o teu café e o teu pão e ficávamos ali a conversar.

O máximo que consigo, hoje, mamã, é conversar um pouco mais. Não tenho, ainda, força para despedidas, nem lutas com fantasmas, nem o que quer que seja.

Só consigo conversar contigo e pedir-te desculpa por tudo o que não fui e sonhavas que fosse. Só consigo reencontrar-me, em lágrimas de fogo, com os meus erros e as minhas falhas e o teu sorriso e a tua aceitação e a tua resiliência… hoje, não sou capaz de mais…

jpv


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Mails para a minha Irmã

A Vida não é um Acidente

Olá, Mana.

Um pensamento a que não consigo furtar-me na sequência do que se passou nos últimos dias, em particular, a morte da nossa mãe, é o de que agora estamos sós no mundo. Tu e eu. Restamos tu e eu como herança e responsabilidade das duas pessoas que mais nos amaram no mundo, que mais amámos no mundo. Nós temos família. E amigos. Mas éramos também um precioso e insubstituível núcleo familiar que agora desapareceu por completo. E não me sobrevem uma única mágoa, nem a mais leve sensação de tristeza. Tivemos um pai íntegro, honesto, trabalhador, com um incorruptível código de valores que foi o fundamento do nosso ser, da nossa existência, da nossa interação social. Foi ele que nos passou o respeito pelo outro, a retidão, o sentido de compromisso, a não cedência às tentações que corrompem. Lutou por nós, viveu por nós, e só morreu quando nos julgou a salvo de percalços maiores que a vida pudesse trazer. Já agradeci muito por não nos ter deixado qualquer herança material. Por não nos ter deixado nada que interferisse com esta herança essencial de valores. Algo que pudesse brilhar e com esse brilho ofuscar o bem maior e mais precioso que nos deixou. E tivemos uma mãe que nos amou incondicionalmente, que nos protegeu, que nos motivou e que fez por nós o que mais ninguém faria, mesmo quando isso teve de ser retirar-se e dar-nos espaço ou agarrar-nos por um braço e mostrar-nos o caminho. Era o entusiasmo em pessoa, a alegria e o dinamismo, o ímpeto repentista e o carinho de nos pentear o cabelo. Viveram plenamente, em liberdade plena, em plena harmonia, em dedicação plena. Viveram por si e viveram por nós. Para nós. E tinham imperfeições e eram essas imperfeições que realçavam a maravilha da harmonia que eram para nós. Seus filhos. Seus tesouros de amar. De Amor.

Não há distância no seu desaparecimento físico e não pode haver tristeza. Só saudade. E tem de haver orgulho, tem de haver a responsabilidade e a determinação de continuar o seu legado, tem de haver espaço para o sonho, tem de haver amor, tem de haver verdade. E tem de haver a coragem de procurar e perseguir tudo isso, mesmo em tempos de adversidade. Sobretudo em tempos de adversidade. Temos muitas diferenças. Somos muito diferentes e temos também muito em comum. E o mais importante que temos em comum é o sentido que os nossos pais deram à vida.

Não sintas, NUNCA, culpa e, menos ainda, remorso. Os nossos pais definiram sempre os seus caminhos e fizeram as suas opções com base no seu código de valores e no amor que nos tinham e com que nos criaram. E, naquela tarde, tu conduziste o carro também por opção da mãe que to confiava. E não tens culpa do golpe de sol pela frente, da curva apertada, do cascalho no chão, do carro velho e pouco seguro. Não tens culpa das circunstâncias porque as circunstâncias foram isso mesmo: circunstâncias. Mas seremos sempre culpados, tu e eu, de não honrarmos e de não difundirmos o seu legado de amor, verdade e integridade, se nos desviarmos dele.

Estamos sós, Mana, e é sós que temos de assumir a responsabilidade de não deixar morrer esse legado, de não permitir que a morte última e verdadeira, a do esquecimento, se abata sobre o nosso paizinho e a nossa mãezinha. É neste propósito que tem de fundamentar-se a nossa união e é este propósito que tem de ser o guia das nossas opções e dos nossos gestos daqui em diante.

A vida não é um acidente, Mana. É uma sucessão de opções e nós herdámos o melhor dos guiões para optar.

Com Amor,
Mano.


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2017

2017

Não há resoluções de ano novo. Esperanças ténues, talvez. Dessas que nos entusiasmam devagarinho, como quem desconfia. Publicar outro romance… terminar mais um… amar sem restrições e comer com elas enquanto me lembrar de que sou mortal.

Não quero muito, não peço muito. Tudo basta-me. Estou cada vez mais convencido de que sem mim não existe mundo, nem céu, nem terra, nem mar, nem livros a folhear, nem golos no último minuto, nem corpos a desbravar, nem conversas a incendiar. E não é um pensamento egotista, assim como quem se arroga a dar sentido à existência das coisas. É mesmo a simples e humilde constatação de que a minha existência dá vida ao cosmos… para mim! Mais do que isto é ir pelas certezas divinas e transmateriais da alma em espaços paralelos. Creio em Deus Todo-o-Poderoso? Claro. E pratico. Mas até Deus morre para mim no momento em que partir. Ou ficar.

Não há resoluções de ano novo. Exceto uma. Ainda mais escrita de caneta a roçar no papel, quase a rasgá-lo de emoção e cafés quentes na mão e cada vez menos digital. Cá virei para vos mostrar o que nasceu do namoro entre a caneta e o papel. Mas não me peçam “Gostos” e “Adoros” e polémicas acesas acerca de coisa nenhuma. Não é nada convosco. Sois espetaculares. Tendes uma paciência de santo… É só que preciso de mim um poucochinho mais… e estou cansado… preciso de menos urgências e mais paciências. Menos causas e mais atos. Preciso reunir-me e reencontrar-me. E publicar um romance e terminar o outro.

E depois… depois tenho um filho a ser homem e vê-lo crescer dá muito trabalho e leva muito tempo. Um neto é que era. Mas, para resolução de ano novo, falta-me em capacidade do que quer que seja o que me sobra em ânsias e desejos… um neto é que era… O miúdo voou. Foi ter vida e fazer coisas e conquistar mundos e amar e desamar e… eu, que lhe dei as asas, fico aqui, perdido, com pena de o ver voar. E nem sei porquê. Porque me faz falta. Sempre fez…

A minha mãe… a minha mãe que, sem saber se poderia cumprir a promessa, um dia me prometeu que não me deixaria ir à tropa, é que tinha razão. A dizer-me que eu daria as suas passadas e sofreria de dores como as suas.

E pronto, fica prometido. Mais caneta e odor a papel. Menos digital. E quanto ao resto, seja o que Deus quiser!

Bom ano, amigos!

João Paulo Videira


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Livro da Coragem – 21

livro-da-coragem

Bolinhos, bolinhós…

Não tenho nada contra o “Haloween”. Nem a favor. Não me diz nada. Culturalmente, pertence a outras geografias e na minha família nunca teve qualquer espécie de relevo.

Já o Dia de Todos os Santos é toda uma memória. Pela manhã, bem cedo, a azáfama de preparar o farnel, o carvão, fogareiro, o abano, bebidas para adultos e miúdos, um frasquinho com sal e outro com açúcar, a cafeteira do café, os guardanapos, as colherzinhas, as mantas para colocar no chão, a cadeira articulada do meu pai, os panos da loiça, a toalha de mesa e uma mesinha pequenina cujas pernas se dobravam. Romaria ao cemitério da Conchada a comprar as flores e a acompanhar a Mimi que visitava os defuntos todos. Os dela e os dos vizinhos. Na altura, eu não tinha defuntos. Aprendi os rituais. Depois das orações e do passeio silencioso pelo jardim dos mortos, enfiávamo-nos todos na 4L do meu pai e lá íamos a caminho de Santa Quitéria, ali para os lados de Pombeiro da Beira. À chegada, era ver as gentes montanha acima e montanha abaixo espalhadas, acendendo lumes, oferecendo do seu vinho a provar, as famílias trocando abraços. Seguia-se a peregrinação de ir comprar pão, castanhas, uns chouriços, umas morcelas e, claro, as febras. A passagem inevitável pela capelinha da Santa e depois o nosso próprio ritual de acender o lume, a Mimi de volta dele com uns gravetos que eu e a minha irmã tínhamos ido apanhar pelo pinhal, e a dar-lhe com o abano, a minha mãe temperava a carne e o meu pai sorvia aqueles momentos como se soubesse que nos deixaria neste mundo antes de todos os outros e quisesse aproveitar cada segundo. Comíamos e bebíamos, conversávamos e depois procurávamos um poiso para olhar o céu por entre as ramagens dos pinheiros enquanto os adultos dormiam a sesta.

Aqui onde vivo não é feriado. É um dia de trabalho normal. E isso magoa-me, como me magoou a suspensão desse feriado nos últimos anos. É que, agora, infelizmente e porque o Senhor Tempo não para, já tenho defuntos. A Mimi, velhinha, de cancro, o meu querido pai, que tanta falta me faz a cada segundo que passa, aos 65, do coração, a minha avó Ana, do pâncreas, o meu avô Velez, de cansaço, a minha avó Letícia e o meu avô Francisco, tanto quanto sei, de velhice… e tantos outros que me povoaram a infância… estes são os meus Santinhos, as almas por que rezarei amanhã. Não é uma coisa que se resuma à religiosidade do dia. É a tradição de manter a família unida, vivos e mortos, num só ritual. É uma evocação dos tempos em que fui mais feliz porque, nesses dias, havia toda uma vida a viver, e tudo era duradouro e seguro e eterno. E todas as minhas decisões eram claras e óbvias e todos os meus gestos eram simples e imaculados.

Amanhã, para mim, não é o “Halloween”, empréstimo de outras gentes. Amanhã, é Dia de Todos os Santos e hoje é a noite de sair por aí tocando e batendo às portas, “Bolinhos, bolinhós, para mim e para vós…”

jpv


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Era uma vez…

mama

 

“Era uma vez…

uma linda jovem, pobre, que se apaixonou por um belo e garboso príncipe. Casaram e nasceu um principezinho e uma princesa, mas hoje em especial não estou aqui para falar da princesa, mas do principezinho.

Era lindo, rosadinho, olho azul, um verdadeiro botão de rosa, o orgulho e fruto do amor dos seus pais. Para a jovem pobre que nunca tinha tido nada de seu, era algo de muito belo poder ter em seus braços aquele belo bebé e chamá-lo de seu filho.

Bem estou a contar esta história porque o tempo passou mas o amor permaneceu. O principezinho completa hoje quarenta e sete anos de idade, motivo de grande alegria para todos os que gostam dele e que o rodeiam, em especial para a jovem mãe, hoje marcada pelo tempo, mas feliz! O pai, esse não está presente, viajou, mas prometeu que um dia nos encontraríamos.

Agradeço a Deus por tão belas dádivas. Parabéns meu querido filho! Que o Altíssimo Pai te abençoe.

Muitos beijos da mamã. “

Obrigado, Mamã!
jpv