Crónicas de África – Do Amor e Das Feridas
Do Amor
Em Maputo, o Dia dos Namorados é mais vulgarmente conhecido como o Dia do Amor. E é um acontecimento. As pessoas não lhe ficam indiferentes. Os restaurantes preparam menus temáticos, os supermercados decoram camas com roupas temáticas e mesinhas com champanhe a condizer, os namorados compram e vestem t-shirts encarnadas por ser a cor do amor e há uma corrida à melancia, pelas mesmas razões. Todo este folclore explana-se numa sociedade cujas coordenadas culturais são muito diferentes das nossas. Era um homem bem posto. Um senhor. Aproximou-se da bancada das flores. Seria, sem dúvida, uma flor de vaso. Uma gloriosa orquídea. Ele olhava-as, pegava nos vasos, rodava-os para, pensei eu, escolher a mais bonita, a que estivesse em melhor estado. Estava a ser exigente. Passou-me pela cabeça que a visada seria uma sortuda. Se, na simples escolha de uma flor, ele colocava tanto empenho, o que não seria no dia a dia. E foi aí que ele me surpreendeu. Depois de rodar e olhar e voltar a olhar as flores, escolheu e levou… três! Das duas uma, ou a visada é mesmo uma grande sortuda, ou as visadas são um pouco sortudas cada uma. Partindo do princípio de que o Dia do Amor implica uma refeição a dois, fiquei a pensar que este homem iria ter um dia atarefado. Pequeno-almoço, almoço e jantar, no mínimo!
Das Feridas
Faz amanhã quatro semanas, dei uma topada com um dedo do pé, o do meio, num bloco de cimento. Como estava de chinelos, esfolei a pele do dedo. Nada de mais. Fiz o que faria na Europa. Limpei e pronto. Para meu espanto, na primeira semana, a ferida cresceu e tomou conta da cabeça do dedo. As dores eram tantas que não conseguia dormir. Comecei a tomar anti-inflamatório. A ferida cresceu para baixo da unha que começou a ficar baça, como quando as unhas vão cair. Comecei a colocar uma pomada cicatrizante. Volvidas quatro semanas, a ferida começa, finalmente, a querer fechar e a estar mais seca. A unha, parece-me, morreu. Aí à terceira semana, fui ao mercado e encontrei, como sempre, o meu amigo Francisco. Queixei-me da ferida, que até coxeava, que não sarava. E ele respondeu com toda a calma:
– Com esse calor e essa humidade não vai sarar. Tens de esperar.
E pronto, cá estou à espera. Já tinha ouvido histórias das consequências da monção. Nunca as tinha vivido.
