Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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AVALIAR NÃO É ISTO!

DE RERUM NATURA
Avaliar não é isto!

O Excel é uma praga na Educação. Um cancro. O Excel é a subversão consciente de um processo reflexivo e de uma tomada de decisão pedagógica. É  a conversão de algo sério numa conta. Numa coisa que qualquer tabuada faz. Ao usarem o Excel, os docentes autodestituem-se de uma das mais importantes, complexas, e difíceis tarefas da sua profissão: a avaliação. E substituem-na por classificar. O recurso à folha de cálculo é um ato de cobardia pernicioso. É assumir que temos de comprovar objetivamente um processo que não é, nunca foi, objetivo, que nunca se quis objetivo porque é, na sua essência, subjetivo.

Usar a folha de cálculo é destituirmo-nos da responsabilidade de darmos uma nota porque sim, porque quisemos, porque assim decidimos à luz dos critérios estabelecidos e da observação feita.

Um professor com o Excel em punho é um impotente, um desautorizado, um tipo que abdicou do seu conhecimento e da sua preparação para desempenhar a sua profissão com as regras dos outros. É um perdido a tentar justificar o injustificável a quem não tem de justificar coisa nenhuma. Não são os professores que têm de justificar perante os pais as notas que os filhos têm. É exatamente o oposto. São os pais que têm de dizer aos professores porque é que os filhos têm as notas que têm.

Pior do que um professor que usa a folha de cálculo, só um professor que usa a folha de cálculo e dá testes! Os testes não avaliam nada, a não ser um conjunto de condicionalismos falíveis. Os testes focam-se, mal, num produto, tal como a folha de cálculo se foca numa súmula de produtos. O processo avaliativo foca-se numa progressão, na caracterização e na descrição de um percurso. Inclui dados não plasmáveis em Excel nenhum e formas de recolha não previstas em grelha alguma.

Um professor informado, atento, e não domesticado pela ditadura dos testes e das folhas de cálculo, sabe sempre que nota um aluno merece. E, normalmente, é a mesma nota que o próprio aluno considera que merece. Os alunos ainda não tiraram cursos superiores, não aprenderam pedagogia, nem didática, nunca fizeram pós-graduações, nem mestrados, em avaliação pedagógica e, contudo, sabem, com uma precisão impressionante, a nota que merecem. Porquê? Porque, tal como o professor, participaram no processo. No caso deles, com a virtude de não serem reféns dessa parafernália inútil de instrumentos de registo e cálculo. Cálculo de quê? Na avaliação pedagógica, não há lugar a cálculos. Há lugar a tomadas de decisão incalculáveis. É por isso que precisamos de cursos superiores e formação pedagógica especializada. Não é para transmitir conhecimentos que já estão em todo o lado. Nós servimos para orientar e acompanhar o processo de aprendizagem e para tomar as decisões avaliativas que melhor descrevam o percurso dos alunos.

Em Educação, a utilização de folhas de cálculo para avaliar e, até, para classificar, representa o triunfo da ignorância. O triunfo do primado da quantificação sobre o da qualificação. E não me venham com a conversa dos exames. Isso é uma treta. Os alunos mais bem preparados para fazer exames são aqueles que tiveram as experiências de aprendizagem mais ricas, mais desafiantes e mais exigentes. Não são os que fizeram mais testes ou passaram em mais filtros do Excel.

Não há Educação sem seres humanos, como não há avaliação justa e eficaz que não seja humanizada e a decisão tem de ser sempre subjetiva, construída, processual, progressiva e… humana.

Neste processo, tudo o que sucumba ao frémito de objetivar, à febre de quadricular, é espúrio. É um estorvo. Contribui para a destruição da avaliação pedagógica e não para a sua melhoria.

Tenho dito!
jpv