Imaginadas todas as coisas possíveis, imaginando o que eu já estive perto da morte, e como foi escapar-me dela, resta-me agradecer por estar vivo.
Em primeiro lugar à minha mulher, depois à Isabel e depois a todos quantos num pensamento curto ou longo se lembraram de mim.
É um agradecimento por estar vivo. Só isso. E já é tanto.
Foto por Cláudia Videira
Por fim, um agradecimento a quem talvez não pense que estou grato, mas estou, profundamente. Ao Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira que recebeu um meio professor e tem tido a calma e a paciência de o recuperar para o mundo dos vivos. E é a esses vivos que quero aqui deixar um abraço gigante. A todos os professores, a todos os administrativos, a todo o pessoal auxiliar e a todos os alunos. A todos, por fim, que têm trocado a vida comigo. De um simples Olá a discursos intensos sobre o significado da vida. Muito obrigado.
Quem me conhece, e quem não me conhece, sabe que sou de esquerda. Contudo, nunca a minha simpatia pela política esteve acima da verdade.
Esperei um dia, e depois das águas acalmarem, fiz uma rápida investigação sobre o discurso do ministro.
Rapidamente concluí que não foi sua intenção dizer aquilo que nos foi apresentado. Não o disse mesmo. Aquilo resulta de um uso inapropriado do plural majestático, mas essa é uma liberdade discursiva que ele tem. Infeliz. Mas tem.
Como é que o que parece não é? Pois, é precisamente por causa destes enganos que o jornalismo cada vez tem menos crédito. Se há um culpado do equívoco, tem de ser o jornalista que viu ali uma possibilidade de negócio e transformou o que não foi dito, no que foi dito. E quantos já se viraram contra o ato de jornalismo que é desonesto, trapaceiro e nega a verdade? Não devia haver punição para tal? Eu, que já fui vítima de um julgamento pessoal, acho que sim. A maioria sacode os ombros e diz, Para quê, eles passam sempre incólumes.
Isto leva-me a pensar no jornalismo que se faz e no que se devia fazer. Disse!
Luís de Camões inscreve‑se numa matriz humanista que reativou e reconfigurou topoi clássicos à luz da sensibilidade renascentista e das experiências atlânticas do século XVI. A sua produção poética articula, numa tensão fecunda, formas cultas, o soneto petrarquista e a oitava rima virgiliana, erudição humanística e um acentuado labor descritivo. Nesse quadro, a natureza deixa de ser mero pano de fundo para afirmar estatutos diversos conforme o regime genérico: na lírica, sobretudo nos sonetos, serve à objectivação do íntimo; no épico, em Os Lusíadas, converte‑se em dispositivo narrativo, alegórico e ideológico que legitima a ação coletiva e constrói memória histórica.
Na lírica camoniana a economia do soneto impõe condensação semântica e tensão dialética, de modo que cada imagem natural deve suportar múltiplas valências. Flores, astros, mar e vento não são elementos descritivos isolados, mas nexos sintagmáticos que tornam o interior visível e inteligível. A metáfora transfere propriedades do domínio natural para o afetivo, estabelecendo equivalências cognitivas entre sensação e ordem do mundo, a prosopopeia personifica elementos, o vento que «fala», a onda que «acusa», externalizando conflitos íntimos como se o mundo sensível testemunhasse a condição do sujeito. A antítese e a oposição natural (luz/treva, calor/frio, repouso/tempestade) dramatizam oscilações emocionais, enquanto a sinestesia cruza modalidades sensoriais e produz imediaticidade, expressões que combinam tacto e audição ou visão e sabor intensificam a presença do afecto no corpo do texto. Estas operações permitem que uma rosa seja simultaneamente imagem da beleza e da finitude, que a lua anuncie tanto iluminação quanto saudade, e que o mar, mesmo em menção breve, transporte conotações de inquietação, desejo ou nostalgia. Assim, o leitor é convidado a uma empatia imediata: a cena natural funciona como mediadora entre objeto e emoção, gerando compreensão experiencial do eu lírico.
N’ Os Lusíadas, por contraste, a natureza assume um estatuto ampliado e funcionalmente diverso. O mar torna‑se palco e agente do processo histórico: não apenas cenário, mas elemento ativo que condiciona o desenrolar da ação. Ventos e correntes operam causalmente, desviam, retardam, impedem ou favorecem as naus, e, quando articulados com a presença divina e mitológica, leem‑se como alegoria da fortuna e da providência. Episódios que mobilizam tempestades, sereias, monstros marinhos e a figura do gigante (Adamastor, por exemplo) exemplificam como Camões integra tradição virgiliana e material mítico para conferir à natureza densidade simbólica e função pedagógica. A descrição náutica acumula pormenores técnicos que conferem verossimilhança e autoridade erudita, simultaneamente, as digressões mitológicas e as intervenções divinas transformam o espaço natural em espaço moral e teleológico, em que a trajetória dos homens se inscreve num destino coletivo e num juízo histórico. A natureza épica, portanto, serve não só à composição do sublime e do espectáculo, mas à construção de um discurso legitimador da empresa ultramarina portuguesa: o elemento natural é matéria de interpretação política e memorial.
A distinção entre lírica e épico articula‑se em termos de escala, focalização e agência. O soneto trabalha um microcosmos subjetivo: a focalização é íntima, quase sempre centrada num eu que se articula mediante um corpo de imagens condensadas, o épico, pelo contrário, desdobra o horizonte para um macrocosmos histórico, com múltiplas vozes (narrador, personagens, deuses) e uma focalização que alterna entre narração omnisciente e episódios heterodiegéticos, a paisagem épica ganha proporções panorâmicas e avaliações coletivas. Quanto à agência, enquanto na lírica os elementos naturais tendem a refletir estados interiores (projeção e personificação), no épico tornam‑se agentes causais e índices providenciais, agem sobre as personagens e sobre o destino coletivo, servindo de sinais interpretáveis para a comunidade leitora.
Apesar destas diferenças nucleares, existe continuidade técnica e conceptual. Camões reutiliza o repertório petrarquista e o léxico clássico nas duas instâncias, reanimando topoi, a rosa, o jardim, a noite, o mar, com sentidos adaptados ao propósito genérico. A erudição humanista é presença constante: intertextualidades com Petrarca na lírica e com Virgílio no épico estruturam leituras que exigem do leitor competente a perceção de ecos e reescrituras. Igualmente, os mesmos procedimentos retóricos, metáfora, prosopopeia, antítese, sinestesia, enumeratio, são mobilizados com finalidades distintas, condensação emotiva e polissemia na lírica, desdobramento argumentativo, encómio e construção do sublime no épico.
No plano hermenêutico, as imagens naturais em Camões cumprem funções múltiplas e simultâneas. São expressivas ao revelar estados psíquicos; cognitivas ao estruturar o entendimento emocional e social; éticas ao veicular juízos sobre ação e carácter; retóricas ao mobilizar memória cultural e convenções; e temporais ao articular ciclos sazonais e a historicidade dos acontecimentos. Esta polissemia impõe uma leitura atenta às camadas semânticas: um mesmo signo natural pode operar, num soneto, como metáfora do amor e, noutro episódio épico, como alegoria do destino de um povo.
Para ensino e prática crítica, recomenda‑se uma estratégia plural e comparativa. Iniciar por exercícios de close reading em sonetos selecionados, identificando metáforas, prosopopeias, antíteses e sinestesias, e discutindo como cada figura condensa valências semânticas, seguir com análise intertextual com Petrarca para perceber processos de adaptação e transformação topológica; estudar em paralelo episódios representativos de Os Lusíadas que impliquem natureza activa, tempestades, aparições míticas, provas do cabo, destacando a articulação entre descrição técnica e alegoria política. A comparação lado a lado de um soneto e de um episódio épico permitirá evidenciar alteração de escala, mudança de agência e variação de finalidade discursiva. Exercícios de reescrita (transformar uma descrição épica em imagem lírica ou vice‑versa) são particularmente férteis para que os alunos sintam na prática os efeitos formais e semânticos. Trabalhar questões de voz e focalização ajuda a compreender como o ponto de vista condiciona a função da natureza: o eu lírico confere interioridade; a narração épica legitima juízos e panoramas coletivos.
Estender a investigação para além da superfície estilística revela implicações ideológicas e culturais, a construção camoniana da natureza participa na formação de um imaginário atlântico que concilia ciência náutica, mitologia clássica e discurso nacional. A natureza é mediadora entre experiência sensorial, conhecimento erudito e projeto político, um operador semântico capaz de inscrever emoção individual em narrativa coletiva. Ler Camões, por isso, implica reconhecer que o mundo natural em poesia é simultaneamente sujeito estético e agente histórico.
Em síntese, a natureza em Camões constitui um sistema simbólico complexo que articula sensorialidade, erudição e enunciação ética. Na lírica, converte‑se em linguagem do íntimo, onde imagens naturais objetivam sentimentos e condensam múltiplas valências num espaço formal reduzido; no épico, transfigura‑se em agente narrativo e alegoria política, onde o mar e seus fenómenos legitimam ações, testam heróis e moldam memória coletiva. As diferenças centram‑se na finalidade discursiva, na escala e na agência, mas ambas as operações partilham repertório imagético clássico e a mesma busca por visibilidade sensorial do humano, tornando a poesia camoniana simultaneamente eficaz no plano emotivo e densa no plano conceptual.
Por agora, fica esta resenha, depois virá a receção de Camões no seu todo.
Não podia esquecer os colegas de painel, José Canoa, Roberta Kappaunn, e Ana Relvas, nem tão pouco a nossa moderadora, Dr.a Doris Wieser. Um grande obrigado a todos.
Como não podia esquecer o espaço onde me fiz homem, o anfiteatro II, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Depois, falar de Camões é sempre um prazer. Pouco sei, mas dei uma achega como se ensina em Moçambique e os alunos que temos hoje. Fantásticos.
Das muitas coisas que aqui há, mercearias é uma delas. Logo à partida, a mercearia do senhor Horácio. Muito vivido, muitas experiências atravessaram aquele corpo, até que matou um cancro da próstata por um método que eu nunca ouvira falar.
A mercearia não tem nome. Em vez disso tem uma campainha que se toca quando a porta está fechada. E tem outra coisa, miraculosa, juntou toda a família a volta da mercearia. Amanham a terra, volvem cada grão com as suas mãos, descascam, secam, e põe à venda. Parece um trabalho pouco rentável, mas bem vistas as comissões, há um número vasto de consumidores.
Foto por jpv – senhor Horácio e Cláudia
A mercearia é muito austera, tem os produtos, não tem multibanco nem MBway, mas tem sempre as histórias do senhor Horácio.
Há dias quis comprar tangerinas, e ele, Tem aqui as do Algarve, e lá fora tem as nossas, que são mais baratas. Eu, ia jurar que não tinha visto tangerinas lá fora. Procurei, procurei, até que disse, Não tem aqui fora tangerinas, ele, com o seu malandreco, que já enganámos outro, na árvore, senhor, na árvore. E lá fomos os três apanhar que tangerinas. Ao que ele disse bem, a propósito, Mais frescas do estás vai ser difícil. E assim se fez a manhã, com parte delas pesadas, e outra parte já no bucho.
É assim, no Coimbrão, há várias coisas interessantes, mas uma mercearia com o senhor Horácio, e onde se apanham tangerinas só há uma.
Nos dias 27, 28 e 29 de novembro teve lugar o Congresso Internacional Ensinar Camões. Foi um evento muito corrido, repleto de professores dos ensinos básico e secundário e também universitários. Duma vez só, atingimos dois objetivos diferentes. Vimos quem tínhamos de ver, antigos colegas e professores e apresentámos uma palestra que há muito desejávamos.
Participámos numa excelente mesa, e demos um ar descomprometido às intervenções embora se tenham dito coisas muito importantes. Foi em jeito de que apresenta dados mas simultaneamente dá exemplos que falámos o bem que havia para falar dos nossos alunos e ex-escola. Foram quatro intervenções muito boas e carregadas de esperança no que ao domínio do texto camoniano diz respeito.
E claro, fomos recebidos pelos colegas de Clássicas e Portugueses o melhor possível. Uma receção a lembrar outros tempos. O melhor possível num enquadramento que justificava as saudades que por lá se sentiram.
Um abraço sentido ao Dr. José Augusto Cardoso Bernardes, extensível a toda a equipa.
Ao cabo de cinco publicações, damos, por agora, terminado o pensamento sobre Inteligência Artificial.
Formas como a IA atualmente pode afetar o funcionamento das escolas
Positivas
Apoio à instrução. Personalização de percursos, conteúdos adaptativos e feedback imediato em exercícios repetitivos.
Foto por jpv – Praia do Pedrógão
Diagnóstico e intervenção precoce. Identificação de lacunas de aprendizagem e recomendações de reforço.
Eficiência administrativa. Automação de registos, agendamento, monitorização de assiduidade e relatórios de desempenho.
Suporte à diferenciação. Materiais e tarefas ajustados por nível, ritmo e interesses dos alunos.
Auxílio à avaliação formativa. Correção automática de exercícios objetivos e análise de progressão por aluno e turma.
Recursos pedagógicos enriquecidos. Gerações de materiais, simulações e conteúdos multimédia sob demanda.
Formação e apoio docente. Conteúdos de micro‑learning, modelos de aula e comunidades de prática alimentadas por IA.
Riscos
Dependência tecnológica. Perda de competências pedagógicas e excesso de confiança em respostas geradas automaticamente.
Desigualdade de acesso. Escolas sem infraestruturas ficam excluídas, ampliando diferenças educativas.
Foto por jpv – Praia do Pedrógão
Qualidade e constrangimento do conteúdo. Informação imprecisa, parcial ou inadequada ao contexto curricular e cultural.
Privacidade e segurança. Risco sobre dados de alunos, consentimento e uso indevido de informação sensível.
Erosão da avaliação autêntica. Facilidade de gerar respostas pode facilitar fraude e dificultar avaliação de competências reais.
Sobrecarga de trabalho inicial. Implementação exige tempo, formação e adaptação de rotinas docentes.
Mudanças no papel docente. Necessidade de reconfigurar mediação pedagógica e responsabilidades éticas e legais.
Custo e manutenção. Licenças, atualização e suporte técnico podem onerar orçamentos escolares.
Impactos organizacionais e sistémicos
Redefinição de processos escolares. Fluxos administrativos e de ensino podem ser reestruturados em torno de ferramentas digitais.
Necessidade de políticas de gestão. Regras sobre privacidade, seleção de fornecedores, transparência algorítmica e equidade.
Foto por jpv – Praia do Pedrógão
Cultura de formação. Exige investimento contínuo em formação docente e literacia digital em toda a comunidade escolar.
Monitorização de desempenho. Análise de dados permite decisões mais informadas, mas pode levar a avaliações simplistas se mal usadas.
Medidas práticas para mitigar riscos
Formação docente contínua, critérios de seleção de ferramentas, versões offline para contextos com pouca conectividade, políticas claras de dados e combinação de avaliações automatizadas com tarefas humanas, logo, autênticas.
O Amor Próprio nasceu como uma página nas redes sociais e se transformou em um espaço acolhedor para quem busca reencontrar sua força, sua essência e seu valor.
O assunto básico é Arte/Fotografia e Psicologia. Eventualmente há indicações de livros e equipamentos interessantes lincados na Amazon, Shopee e SocialSoul.