Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de Maledicência – Bacalhau com Natas


Parece bacalhau com natas? Cuidado, podem ser só as natas!

Crónicas de Maledicência – Bacalhau com Natas

Lá diz o aforismo popular, e muito bem, que “Quem nasceu para caracol, nunca chega a bacalhau”!

Nem mesmo que tente esgueirar-se sorrateiramente por entre as natas! Naaa… ele há dignidades que vêm do berço, são inerentes à condição com que nasce um peixe. Foi, no mínimo, uma parvoíce do Peixe Caracol achar que passava despercebido por entre as natas e assim ascendia a bacalhau. Acaso passou-lhe pela cabeça que a ASAE não escrutinava tudo o que é bacalhau? Estou mesmo a ver o Peixe Caracol escondido entre as natas e a batata frita e o zeloso agente a dizer: “Alto e para o baile que isso é caracol não é bacalhau!” E apreendeu-se o subversivo peixe. É caso para se dizer que ia ali caracol escondido com os corninhos de fora!
E porque é que esta não notícia é notícia? Para distrair a malta da greve dos professores? Não creio, essa tem todas as atenções. Para distrair a malta das declarações climatológicas do Senhor Ministro das Finanças? Também não creio, esse deve ser o homem sobre o qual pendem mais olhares! Acho mesmo que é uma chico-espertice dessas cadeias de supermercados de nome duvidoso e difícil de pronunciar que achavam que conseguiam enganar, falsificando bacalhau com natas, o povo que inventou o bacalhau!
Ó senhores, Deus que é Deus nem estava para criar o bacalhau. Foi preciso um português, ainda de tanguinha paradisíaca, não é como as de agora que são impostas pelo FMI, dizer ao Criador: Olha lá Deus, e não estás a esquecer-te de nada? Olha que matas antes de nascer a indústria da pesca do bacalhau! E Deus, perplexo, terá perguntado, Da pesca de quê? E pronto, após a explicação, o Criador fez um plim com os dedos e criou o bacalhau. Ora, vir agora um empacotador de bacalhau com natas, achar que fintava os protugueses nesta matéria é, no mínimo, ingenuidade, mas cheira-me a burrice.
Mas há mais grave. Ainda se fosse substituir o bacalhau por peixe adjacente, a malta até podia, num dia de distração, ser enganada. Agora pelo pobre do Peixe Caracol… Então não se está mesmo a ver que a ranhoca ia denunciar o dito? Eu bem sei que é com natas e o bacalhau com natas está para o peixe como a bolonhesa para a carne, aquilo pode lá ter tudo, até carne, que no meio da misturada de proteínas e molhos e temperos e sabores, a coisa passa despercebida. Normalmente, faz-se com restos! Acontece que, além de se auto-denunciar pela baba, o Peixe Caracol é proibido em Portugal! E, no meio deste arrazoado mal amanhado de crónica, era aqui que importava chegar. Então substituem um peixe digno, consumido há milénios, quem sabe, mesmo há séculos, ou até talvez há décadas, por um peixe de consumo proibido e estavam à espera que a malta não notasse?! Isso só tem paralelo naquela jogada política que foi tentar convencer os trabalhadores portugueses de que eles é que eram os culpados da crise, os agentes do seu próprio desemprego. A malta ouve, engole o primeiro argumento e, ainda o segundo não foi proferido, já o esquema está desmontado, os verdadeiros barões da crise denunciados, a situação esclarecida e a verdade reposta. O problema do nosso povo é que no fim de se darem à trabalheira de desmascarar a coisa, vai-se a ver e ainda comem o Peixe Caracol, se não souber mal, a malta afinfa-lhe o dente, empurra com uma cervejola e no fim ainda se faz aquela graçola do “Comi que nem um abade. Você comeu foi que nem uma besta que abade sou eu e não como assim”.
Hoje, ao final do dia, já saberemos quem são os abades e as bestas!
Tenho Dito!
jpv


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Crónicas de Maledicência – A Credibilidade da Troika


Crónicas de Maledicência – A Credibilidade da Troika

O problema prende-se, sobretudo, com o caráter cordato e concilidador dos portugueses. Como tínhamos um problema de índole financeira, vai de acreditar naqueles senhores de fato cinzento e ar circunspecto. E vai de nos sentirmos culpados como se as pessoas que trabalham tivessem culpas na vilania alheia.

Ora, já não bastavam os erros do Excel a fazer desconfiar que as contas andavam mal paradas, já não bastava o redutor argumento da chuva, não bastava já o Senhor Presidente da República sem saber o que dizer, não bastava termos aceite toda a austeridade possível e mesmo a impossível e… quando era suposto começarem a chegar boas notícias acontecem duas coisas quase surreais. Primeiro, o relatório do FMI descarrega mais austeridade, a raiar os limites da miséria. Segundo, zangam-se as comadres. É verdade! Os tais senhores de fato cinzento e ar circunspecto afinal não se entendem, afinal são humanos e erram. Erram e não é pouco. Afinal, andamos a fazer sacrifícios com base em instruções e exigências de umas comadres desavindas.

Haja decência e respeito pelos trabalhadores, pelos governos e, em última análise, pelas nações.

Ainda as terras dessa gentalha eram um conjunto de baldios entregues a bárbaros porcos e bêbados e já nós tínhamos canalizações, comíamos de faca e garfo e tomávamos, ao menos, um banho de seis em seis meses. Ainda esses tipos pediam aos deuses sorte para atravessarem uma estrada e já nós navegávamos oceanos de sextante em punho.

Estou farto dessa escumalha que injeta sofrimento nos povos, goza com os governos e abandalha as nações que os ensinaram a ser gente.

Ainda recentemente Portugal me encheu de orgulho por ter lutado pela autodeterminação de uma nação irmã: a timorense. Urge, agora, lutar pela nossa própria autodeterminação. Urge ensinar a esses senhores que é a política, porque a política são ideias e ideais, que comanda a finança e cabe à finança servir os caminhos que se escolherem como mais adequados para o desenvolvimento e conforto humanos. As calculadoras e os excéis exercem a ditadura cega da insensibilidade e urge humanizar e politizar os governos das nações. Importa, contudo, que o processo seja dirigido por homens que coloquem o serviço público como prioridade, que sirvam as nações e os povos e não a si próprios. Precisamos de uma geração de gente corajosa, determinada e incorruptível. E, meus senhores, essa gente, normalmente, não anda de calculadora no bolso. Urge devolver o controlo das nações a pensadores, a Humanistas. E urge, como há muito não sentia essa urgência, ouvir o Povo e governar com humildade e inteligência.

Se Portugal vai sair da crise? Claro que sim. E sairá tanto mais depressa, quanto mais rapidamente se encontrar e seguir as suas próprias passadas. Creio mais num jovem estudante português do que nessa trindade usurpadora da nossa soberania! Chega!

Tenho Dito!
jpv


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Crónicas de Maledicência – Teoria da Relatividade


Teoria da Relatividade

A nação lusa vive hoje um dia de indecisão. Não sabe bem o que pensar nem o que comentar. Há esse assunto premente e urgente e que, por via das paixões, se sobrepõe a todos os outros: o jogo entre o Benfica e o Chelsea na final da Liga Europa. Os radiojornais, os telejornais, os sites e outros que mais dão um destaque total. Contudo, quase tão importante como este decisivo jogo para a nação lusa, é o esoterismo e o misticismo das declarações de Cavaco Silva, o Senhor Presidente da República, ontem à tarde… a mulher dele disse-lhe que a 7ª avaliação da Troika se tinha fechado por uma inspiração de Nossa Senhora de Fátima. Que Cavaco era místico, já todos sabíamos, afinal de contas, poucos são os que sabem o que vai naquela cabeça, às vezes desconfio que nem o próprio tem certezas… Agora, que a Primeira Dama o fosse também, já achei muito misticismo para uma família só. Ou é isso, ou é aquele fenómeno muito macho do tipo, coisas de religião é com a minha senhora que eu tenho o negócio para gerir, sou homem, trabalho, deixo as relações com a Divindade a cargo dela… Ora, não negando importância à Crise, o facto é que ninguém com o mínimo de bom senso quer saber da crise para nada no dia em que joga o Benfica logo a seguir ao dia em que a Senhora de Fátima fechou a 7ª avaliação da Troika e no-lo comunicou nada mais, nada menos, de que através de Maria… Cavaco Silva.

Mas tudo é relativo, amigos, tudo é muito relativo… aqui, neste belo país em que me encontro, rodeado de gente simpática, aqui mesmo no coração do Continente Encarnado, como lhe chamam, mais importante do que o Benfica, do que a inspiração da Senhora de Fátima e do que o misticismo da Primeira Dama era… tomar banho! Tomar um banhinho é que já dava jeito. Nada demais, disse ele, resolvo em meia hora de tempo… já lá vão 26 horas de tempo!
jpv


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Colar Cartazes – A Sustentável Leveza da Ruralidade

Caros Leitores e Amigos,

Como já vão sabendo, de entre as muitas coisas que me atraem nesta vida, a publicidade e as feiras têm lugar de destaque. A publicidade porque cristaliza momentos de inspiração ou… pura parvoíce! Sendo que a parvoíce é algo bem interessante de se analisar. É, como se diz da composição de certos detergentes, um princípio ativo. As feiras porque são autênticos viveiros de ruralidade, de genuinidade e estão repletas de motivos de interesse.

Hoje, faço um post que toca as duas áreas. De resto, não é fenómeno virgem neste blogue. Não vou contar o meu dia. Limito-me a descrever o que fui encontrando…
A caminho da feira, costumamos fazer uma paragem numa localidade onde está aberto um barzinho às primeiras horas de luz. Toma-se um cafezinho e acorda-se para o dia. Hoje, reparei pela primeira vez que se pode lá encomendar bolos. Não estranhei que fossem de aniversário, baptizado ou casamento, já quanto aos últimos… não pude conter uma risada sonora e matinal!

Já em plena feira, reparei nesta inovação da tecnologia que já chegou aos preços em conta: a bela da peúga medicinal. E o que é que ela tem de medicinal? Ora, não é o que ela tem, mas o que ela não tem. A peúga é medicinal porque vem sem elástico! Isto é que é olho para o negócio. Menos matéria prima, mais dinheiro, desde que haja um cartaz a anunciar!

Ainda a propósito da peúga medicinal e para os leitores não julgarem que estou a “regar”, aqui fica o testemunho, meia dúzia, cinco euros e repare-se que o toclante até tem uma cruz a indicar que é medicinal. Mai nada!

Crise? Qual crise? No Portugal profundo só vive mal quem não sabe viver… e só anda descalço quem não sabe calçar. Senão vejamos, é lá que está a promoção do ano onde se pode comprar calçado desde os 10€ . E mais, o amigo cliente não leva dinheiro consigo? Não se acanhe por estar numa feira. Aqui também há serviço Multibanco!

Quando o estômago começou a dar horas, procurámos um local para repasto. E não é que avia um onde avia sandes… Ai, ai, ai… os preços não eram maus, mas nada batia…

… nada batia a campanha de verão onde na compra de um frango por 5 euros se oferecia uma T-Shirt! Uma vez que se adquiria um frango, podia dar-lhes para oferecer uma bebida, umas batatas, sei lá, uma saladinha… mas qual quê… ele vai de T-Shirt e mai nada!
E, por fim, mas não menos importante, depois de tantos anos de escavações e buscas à procura do Minotauro, eis que estava, ainda viva e fresca, numa feira portuguesa, com certeza, a Minotaura… E então se aquilo é um par a valer… Muuuuuu!
jpv


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Crónicas de Maledicência – Asfixia

Crónicas de Maledicência – Asfixia

Como muitos portugueses, e por razões de ordem diversa, seja o atual panorama financeiro, seja uma mudança de vida a exigir recursos, ainda este mês, decidi não fazer férias no sentido tradicional do termo, ou seja, agarrar na trouxa e abalar por duas ou três semanas. Vou estando por casa e faço umas investidas até à praia.

Foi hoje o caso. E fiquei preocupado. Muito preocupado. Uma praia do Atlântico, daquelas que sabemos mais frequentadas porque ao alcance de qualquer carteira, daquelas praias tradicionais, fatia de melão enterrada na areia, frases pronunciadas em francês emigrado, pessoas a acotovelarem-se, toalhas lado a lado. Estava pouco menos do que deserta às 11 horas da manhã do terceiro dia de agosto. Somente algumas dezenas de pessoas. Numa secção da praia onde costuma haver mais de uma centena de “barracas” de sombra, havia vinte e três. A maioria vazia.

Portugal está desolador. Isto, amigos, não é austeridade. É a rápida asfixia do país.

Tenho dito

jpv


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A crise…

[Este foi um mês negro para Portugal, de facto, em junho de 2005 morreram o poeta Eugénio de Andrade, o político e histórico dirigente do PCP, Álvaro Cunhal e ainda o neurologista Mário Corino da Costa de Andrade. É assinado o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre Portugal e Polónia. O casal britânico Percy e Florence Arrowsmith comemora 80 anos de casamento. Explosão de bomba em frente ao Ministério do Trabalho em Atenas. Os alpinistas Waldemar Niclevicz e Irivan Gustavo Burda chegam ao topo do Everest. Israel liberta 398 detidos palestinos. Neste mês Bagdad é varrida por uma série de atentados bombistas. Emerge na sociedade portuguesa e internacional o espectro da crise económica.

[Data da primeira publicação: 17 de Junho de 2005]

A crise…

Querida mana,

Lembro-me com clareza de certas tardes em família de tremoços pelas mesas, frescuras de cerveja, petiscos diversos, olhos a sorrir numa varanda salpicada de cravos que a avó Ana punha e cuidava com o sucesso de uma receita de carinho e atenção. Lembro-me do pai em calções cinzentos, as pernas alvas de pouco sol e o avô em figura semelhante trocando ambos palavras semelhantes de pensamentos semelhantes… o quadro é luminoso e projecta-me para momentos ímpares de uma infância bafejada pela família. E lembro-me de como um e outro, não fosse o mulherio ou a criançada julgar que aquele estado de coisas, aquele hedonismo de brisas a cortar o calor de um fim-de-semana diferente, tinha vindo para ficar além dos dois dias que intervalavam a sexta e a segunda-feira, afirmarem, de repente, em tom grave como quem avisa:
– Mas isto está mau senhor João!
– Pois está senhor Videira, mas o pior não vai ser para nós que estamos velhos, o pior há-de ser para os nossos filhos, e para os nossos netos.
Era o momento do fim-de-semana em que descia sobre as nossas cabeças a sentença pesada de um futuro negro assim ao jeito de um Nostradamus a anunciar, segundo os entendidos, o fim do mundo para 1987. O mesmo fim do mundo de Orwell em 1984 e que algumas correntes do pessimismo humano garantiram seria em 2000… pois os anos já passaram, já cá não estão e o mundo cá continua na sua serenidade milenar a ver desmoronarem-se os apocalipses que construímos.

Vim a este assunto porque, segundo os jornais e a rádio e a televisão portugueses, também este nosso jardim de beira-mar está à perto do seu fim de mundo privado… as previsões mostram-nos já debaixo de pontes pedindo esmola uns aos outros, famélicos e desempregados, sem reformas, falidos, sem capacidade de reacção perante o monstro que definha a figura de Adamastor: a Crise!
Grande é ela e feia. E ameaçadora. De proporções terríveis. E virá ou já cá está para devorar os pequenitos, indefesos e incapazes nautas deste quotidiano banhado pelo mar e pelo sol…

Ora, sem preciosismos nem pretensões olhemos a bestial investida do monstro assim de relance que nos não atrevemos a deitar-lhe um olhar frontal não vá ele cegar-nos…

Socialmente somos uma miséria. Acolhemos gente de todas as raças, integramo-los a todos, recebemo-los de braços abertos e tolerantes e inserimo-los no nosso quotidiano partilhando o trabalho, a amizade, a habitação e os dispositivos e equipamentos sociais. Somos uma lástima de povo que espalha pelos cantos todos da terra que, neste caso, são bem mais que quatro, uma língua a ser reconhecida, um povo a ser respeitado… outra lástima social que por aqui paira é termos a funcionar sistemas públicos de saúde, educação, justiça, segurança e apoio social… uma lástima este país!!!

Educativa, cultural e desportivamente ainda vamos pior… há pouco tempo um desses organismos mundiais que serve para medir coisas dificilmente mensuráveis colocava-nos em quinto nesta terra pequena e redonda no domínio das capacidades matemáticas. A próxima expedição a Marte será comandada por um português. Português é o melhor treinador de futebol do mundo. Bem como são internacionalmente reconhecidos os nossos méritos literários e nas ciências médicas que falam por estas os recentes prémios e reconhecimentos, por exemplo, da academia Nobel e da academia de Oxford… somos tão maus que fomos os únicos até hoje a conseguir um sistema automático de cobrança de portagens… e a falta de formação deste povo. É um povo tão mal formado, mas tão mal formado, que tem uma das maiores taxas de desempregados licenciados. É assim um desemprego de luxo! Qualificado!

Politicamente somos outra desgraça pegada. Vai-se a ver e é por sermos essa desgraça pegada que o presidente da EU é português como é português um dos mais altos-comissários da ONU.

Religiosamente este país está perdido. Bento XVI levou menos de quinze dias de papado até se expressar em português e albergamos, neste pequeno rectângulo banhado de areias e mar, templos e gentes de todos os credos, bem, quase todos!

Mas é na economia que isto vai mal… mesmo muito mal. Repara, mana, temos um dos melhores e mais actualizados parques automóveis da Europa. Todos os anos esgotamos a quota de importação de veículos. Construímos os maiores centros comerciais da Europa que, entretanto, estão sempre à pinha. As filas nas caixas dos supermercados crescem, não temos população suficiente para preencher toda a habitação que construímos e não podemos colocar mais pontos de pagamento de portagens porque já temos a maior quota europeia de construção de auto-estradas!

Eu sei, mana, eu sei, que isto não está bom. Ou, como dizia o pai, isto está mau, está muito mau, mas, às vezes, apanho-me numa esquina do raciocínio a pensar de mim para comigo se não há para aí alguém a quem interesse que isto pareça muito pior do que realmente está, assim como o pai fazia com o avô à frente duma cervejinha e duns tremocinhos…

Beijo
Mano