Dos laços e outros afetos
É complexo o desenho dos afetos. E, contudo, maravilhoso. Por exemplo, é esse intrincado avesso de emoções voluntariamente oferecidas e recebidas que constrói o direto da tapeçaria que é a família. O que define um laço familiar não é o sangue ou, pelo menos, não é exclusivamente o sangue. Nem tão pouco um papel assinado onde fica registado que fulano de tal é pai, filho, irmão, tio ou o que quer que seja de um outro fulano de tal.
Em boa verdade vos digo, à falta de melhor e mais comprovada teoria, que aquilo que mais exatamente define um laço familiar é a intensidade do afeto que une os envolvidos. É esse amor puro que faz sofrer na ausência, preocupar na distância, auxiliar na dificuldade, perder o chão e encontrá-lo, ansiar por um desejo outro ou sofrer por uma dor que, não sendo nossa, é tão nossa como de quem a padece.
Creio que seria mais indicado definir as teias familiares por laços de afeto do que por outros quaisquer, em particular, os de sangue.
Pode uma mulher ter as dores de mãe de uma criança que não pariu? Claro que sim. Pode um homem ter o instinto de proteção em relação a um filho que não concebeu? Claro que sim. Basta que ame aquela como mãe. Basta que ame aquele como pai.
Traz-me este pensamento um outro a provocar as ideias e as palavras para dar-lhes forma. O Amor aprende-se. O Amor cresce nas pessoas. E também definha. Quando um outro nos toca e nos faz sentir vivos e amados e desejados, quando um outro nos mostra nas palavras e nos atos que o seu sentir gravita o nosso, que o seu coração se ampara no nosso, então sabemos que chegou o momento de aprender a amar. De nos entregarmos à tarefa árdua de deixar crescer em nós a milagrosa flor da reciprocidade amorosa. De sermos mãe, pai, filho, filha, irmão, tio, primo, avô ou avó, antes e depois do sangue e antes, muito antes e muito depois, de um qualquer registo. É possível… Amar é sempre possível!
jpv



















23/09/2021 às 09:15
Muito profundo!
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23/09/2021 às 10:54
Obrigado.
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