Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


1 Comentário

Pensamento Aleatório

“Quando nos sentimos ofendidos por alguém, antes de criticar o suposto ofensor, devemos pensar porque é que ele nos ofendeu.”

jpv


4 comentários

Como?

Diz-me, meu amor…
Como é que não se faz amor contigo?
Como resistir à tentação e ao perigo
De cair em teus braços?
Como posso evitar
Teus doces afagos
E os dolentes cansaços?

Diz-me, meu amor…
Como não deslizar nas tuas linhas?
Como fugir às carícias
E impedir que tuas mãos
Se fechem nas minhas?

Diz-me, meu amor…
Como resistir às palavras
Nascidas desse sorriso que se insinua?
Diz-me, como quem me salva,
Como pode a minha pele alva
Não colar-se à tua pele nua?

E, se encontrares resposta e solução
Para que eu não caia em tentação…
Vem, meu amor, ao meu ouvido dizer
Como se não faz o que só sei fazer,
Como se vive sem se morrer…
Estando vivo.
Vem meu, amor…
Libertar meu peito cativo
E obrigá-lo a ser quem é…
Não cai, jamais…
Um homem que ama de pé.

jpv


3 comentários

Mulher é Mesmo Assim

Mulher é mesmo assim,
Chega no teu peito,
Rasga ele
E rouba teu coração.
E, no fim,
Pergunta porque não palpitas de amor.
Mulher não percebe a dor
Para lá da dor.

Mulher é mesmo assim,
Chega no teu universo,
E vira tudo do avesso.
E, no fim,
Pergunta porque não arrumas a casa.
Mulher quer que tu voes
E quer ficar com a asa.

Mulher é mesmo assim,
Leva tua caneta
Para escrever receita de bolo de tâmara.
E, no fim,
Pergunta se és poeta
Porque não escreves-lhe
Um poema de arrebatar.

Mulher é mesmo assim,
Quer carinho a toda a hora,
Há de pedir passares mais tempo com ela.
E, no fim,
Exige que vás trabalhar
E faças um curso de vela
Para teu físico melhorar.

Mulher é mesmo assim,
Quer comprar sapato
Que vale um mês de trabalho.
E, no fim,
Baila na tua frente
Com os pés nus no soalho.

Mulher é mesmo assim,
Critica porque só pensas em sexo
E não conversas com ela de mansinho.
E, no fim,
Quer com vigor
E também devagarinho.

Mulher é mesmo assim,
Não tortura,
Mas quer loucura
E pede juízo sem fim.
Mulher é mesmo assim.

jpv


Deixe um comentário

Luzes

Vi, sim,
No escuro, as luzes.
Vi os movimentos
E os reflexos.
E vi os verbos que,
Parecendo complexos,
Eram simples e banais…
E traidores.
Vi as dores fingidas
E as verdadeiras dores
De ódio e inveja.
Vi-te na conjura
E na peleja
De me armares a cilada.
Teu gesto é nada
E tua intenção vazia.
O negrume da tua alma
Não vale a luz de um só dia,
Uma hora, um segundo…
Tu não és do meu mundo
E eu desaprendi
O caminho para o teu.
Foi um ato consciente e propositado.
Não volta ao breu
Quem conheceu o caminho iluminado.
Queres apagar-me.
Queres riscar dos mapas
Os trilhos que minha mão conduz.
Não se apagam, camarada,
Os caminhos desenhados com luz.
Não és nada. Nunca foste nada.
Nunca serás nada.
Não sou nada. Nunca fui nada.
Nunca serei nada.
E a única diferença
Nestes dois termos da Lei,
É que eu…
Eu sei!

jpv


Deixe um comentário

Parabéns, Mãezinha!

Olá mãezinha.

Tu partiste de repente. Sem aviso. De consciência tranquila e sem remorsos. Enfrentavas as tuas dificuldades com um sorriso nos lábios e eras, no passado dia 23 de fevereiro, uma mulher autónoma, livre, absolutamente resolvida. Quer em termos da tua espiritualidade, quer em termos dos teus objetivos. Amavas e eras amada. Tinhas um círculo vasto de amigos. E era visível, na tua face e nas tuas palavras, a alegria pela antecipação de conheceres o teu bisneto. O James. O bisneto que não conheceste por meros 47 dias.

Hoje, farias 74 anos. Já tinhas casado, parido e criado dois filhos, sobrevivido a uma guerra, derrotado um cancro e estavas numa fase luminosa da tua vida. A beleza do teu sorriso espelhava isso mesmo. Uma curva, um acidente estúpido, um momento de infelicidade, levaram-te quando mais parecias querer viver.

Tu não deixaste só um vazio. Deixaste uma lição de vida. Um lastro de amor e resiliência.

Os teus gestos vivem em mim. As tuas palavras habitam em mim. A tua força guia-me. A tua presença é constante.

A vida não é a mesma coisa sem a tua presença. Mas continuamos honrando a tua herança de busca da felicidade, a tua determinação, o teu sorriso, a forma despachada e resoluta de enfrentares as dificuldades e de fazeres o que tinha de ser feito.

O teu bisneto tem os olhos azuis e é dinâmico. Ias amá-lo profundamente. O teu neto é um pai carinhoso e dedicado e tem uma esposa carinhosa e dedicada.

A mana está bem ou, pelo menos, está muito melhor do que seria de esperar. Levou tempo a cura das feridas do corpo. Levará mais ainda a cura das feridas da alma. Mas ela é forte e tem também, agora, a obrigação de sobreviver-te. De honrar-te.

Eu… tu sabes tudo sobre mim… tenho-te contado diariamente… amiudadamente…

Parabéns, mãezinha! Dou-te os parabéns. Darei sempre. Eu sei que tu gostas de fazer anos. Sempre gostaste. E, por mais perfumes que te ofereça, nunca serão de mais… era sempre uma escolha certa… afinal de contas, tu gostas de tomar um banho e arranjar-te e perfumar-te antes de… ires para a cama!

Do teu filho,
João Paulo.


Deixe um comentário

O Previsível Caminho dos Dias Pardos

De Rerum Natura
O Previsível Caminho dos Dias Pardos

O dia nasceu pardo. Não era hábito naquele lugar, naquela altura do ano. Mas nasceu pardo, como que a negar uma qualquer centelha de esperança. Não era dia para grandes cometimentos. Não era dia para iniciar projetos ambiciosos, nem mudanças de fundo. Era só mais um dia pardo. Dia de ficar perscrutando o sentido do amor no fundo do olhar dela. Dia de ficar roçando a pele na pele do desejo. Dia de dizer o que ela já sabia assim como quem se assegura de que ainda está tudo no seu lugar. Era o dia perfeito para fazer tudo que já fora feito antes, mas agora com intensidade redobrada e cuidado particular. Era o dia de andar descalço e seminu pela casa, de ver aquela porta do armário que fecha mal, de vestir a t-shirt com um buraco no ombro, de verificar aquela tomada que teima em pendurar-se da parede à espera de cair. Era dia de ler. De ouvir ler. Era um dia pardo, um dia de percorrer o previsível caminho dos afetos conquistados, constantemente reconquistados. Nesse dia, a nádega dela acordara com a exata forma da minha mão côncava. Não teve história e, contudo, foi habitado pelas personagens todas de todas as histórias que nos trouxeram até ali. Quando as pessoas se perguntam, por vezes, por que razão os dias brilhantes de sol não cintilam, esquecem-se de que o brilho tem de fundear-se neste amanho interior da alma, dos corpos e dos rituais que só pode acontecer quando a luz do astro grande se esconde. E tem de ser previsível. Tem de ser alimento. Fonte. Tem de ser um manual de rituais e um mapa de códigos e heranças ancestrais a invocar os pais dos pais dos pais e a desaguar em mãos dadas e afetos reafirmados. Os dias pardos não são tristes. São baús de aprender. São sementeiras de estar. São trilhos de interioridade e segredos por revelar. Ela levantou-se, deambulou sensual pelo espaço que nos separava, passou por mim sem parar, estendeu a mão como quem me convida e não aceita negação e eu levantei-me naquele enlevo guiado para desaparecermos na penumbra da casa. Percorreu-se, depois, o previsível caminho dos dias pardos. Hoje, o sol pendurou-se no firmamento e brilhou abundâncias de luz. Exatamente como estava previsto que acontecesse.

jpv