Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Quadras Perfumadas

Esta inconstância
E este desespero
São filhos da distância
E do quanto te quero.

Mil corações à solta
Não conhecem a emoção
De uma só e simples volta
Do teu olhar no meu coração.

Por razões que tu sabes e eu desconheço,
Fazes breves e inquietantes silêncios.
Meu amor incógnito, atende ao que te peço,
Fala comigo ou morro num desses momentos.

A nossa história não tem história nenhuma,
Num parágrafo conciso e fulminante,
Se narra a mulher que perfuma
De amor e ilusão, o peito do poeta errante.

Esse travo adocicado e floral,
Com um toque de citrino,
Converte qualquer homem comum e normal
Em doce e vulnerável menino.

jpv


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Origami

Quando me tomas
Em tuas mãos,
E quando me recebes
Em teus lábios,
Quando me rodeias
E quando me envolves
Em tuas carícias aveludadas,
Nesse momento,
Nesse preciso e exato momento,
O Universo esconde-se,
Os astros perdem o alinhamento,
E todo o caos
E toda a desordem
Se conjugam noutra harmonia.
O sol, súbito, morre.
A noite faz-se dia.
As aves tombam inanimadas.
As viaturas deslizam nas faixas trocadas.
Os ventos sopram ao contrário.
O que era disperso se faz uno
E o que era uno se faz vário.
Os ponteiros do relógio,
Frios, inertes e incapazes.
Os miúdos de lábios pintados
E as raparigas parecendo rapazes.
E nesta ordem nova,
Neste estranho encantamento
Do Universo
Esconde-se a razão e a prova
De estar coeso e inquebrantável
O que fora frágil e disperso.

jpv


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Revolteio

De mãos vazias
Para amar-te,
A solidão dos dias
É não poder dar-te
O Olimpo da paixão.
E contudo, em meio
Desta loucura em dor,
Emerge teu sorriso de amor,
E tudo faz sentido de novo.
Vem cheirar-me de mansinho,
Traz-me esse néctar,
Esse cálice de vinho
Que ao vinho faz inveja.
Não sei já quem seja
Ou o que seja.
Sou o homem que tombou
E agora se reergue.
Sou a folha daquela árvore,
O coração que deseja.
E revolteio em suave dança
Desenhando curvas de ilusão,
Sou o homem que acordou,
A folha que toca o chão.

jpv


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Canção da Noite

Era uma canção
Dolente e triste,
Acerca de um amor
Que não existe.
Cantava a chegada,
Em letra suave e sentida,
E o poeta, na beira da estrada,
Escrevia sobre a partida.
Tinha longas espadas
Cravadas no coração,
Todas as palavras eram douradas,
E todas as rimas soavam em vão.

E o poeta morreu à espera,
Em dor mergulhado e absorto,
Um coração sangrando no peito,
E outro na mão, frio e morto.

jpv


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Libelinha

Porque vieste aqui pousar,
Libelinha de voo incerto?
Andavas por aí a voar
E vieste parar aqui perto.
Porque vieste aqui pousar,
Libelinha de voo incerto?
Atrair meu olhar,
E distrair meu coração deserto?
Se ao menos teu voo
Desenhasse em forma perfeita
As passadas que me faltam dar…
Mas teu voo é incerto e breve
De curva larga e rota pouco direita.
Não serve de lição nem ensinamento
A este coração sangrando sofrimento.

Vai-te embora, Libelinha.
E leva esse voo sem consistência,
Que meu coração chora e sofre
Com tua leve inconsciência.

jpv


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Mails para a minha Irmã

Chegou a hora, Mana!

Olá, Mana.

Chegou a hora de dizer-te que te amo. Sempre amei. Sempre amarei. Chegou a hora de dizer-te que, para mim, não tens defeitos. Chegou a hora de dizer-te que, desde que nasceste, foste o meu milagre de vida, o meu segredo revelado, o sentido que faltava dar aos dias e às noites. Que amo tudo em ti. A forma apaixonada e ingénua como te entregas aos ideais, a forma genuína e desinteressada como assumes compromissos, o brio que colocas em tudo o que fazes. Não são os outros que estão certos, Mana, és tu! É o teu coração que bate compassadamente ao ritmo das coisas lindas e acertadas que os nossos pais nos ensinaram. Fui eu que nasci antes, mas és tu a mais velha, és tu o farol e é a ti que temos de seguir. És tu o exemplo do que foi feito e o guião do que falta fazer. E estas coisas são assim porque estiveste sempre mais próxima do centro desses ideais, porque nunca abdicaste deles.

O nosso amor e a nossa união não podem ter vacilações nem intermediários. Não podem ser hipotecados sob pretexto algum.

Como te amo, Mana. Como te amo. E como quero que sejas feliz e livre e autónoma e, sobretudo, como quero assistir a isso tudo. E como sei, hoje, que foste sempre tu quem esteve certo. Como compreendo, hoje, a tua luta, o teu desespero. Não te sintas perdida de novo. Não precisas desesperar de novo. Eu cheguei! Eu estou aqui! Sentes a minha mão na tua mão? Sente, Mana, sente! Não importam mais os aviões, não importam mais as distâncias, não importam mais as regras dos outros. No exato momento em que a nossa mãe morreu, eu renasci para ti. Para te segurar a mão, para te perguntar como estás e onde queres ir… renasci para me certificar de que todas as tuas passadas serão dadas na direção que tu escolheres. Vamos viver, Mana, o que temos para viver, sem cedências, nem contemplações, orientados pelo brilho dessas duas estrelinhas maiores que brilham por nós lá no alto do Céu e nos indicam o caminho que nos tinham ensinado.

Com Amor,

Mano.


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Mails para a minha Irmã

A Vida não é um Acidente

Olá, Mana.

Um pensamento a que não consigo furtar-me na sequência do que se passou nos últimos dias, em particular, a morte da nossa mãe, é o de que agora estamos sós no mundo. Tu e eu. Restamos tu e eu como herança e responsabilidade das duas pessoas que mais nos amaram no mundo, que mais amámos no mundo. Nós temos família. E amigos. Mas éramos também um precioso e insubstituível núcleo familiar que agora desapareceu por completo. E não me sobrevem uma única mágoa, nem a mais leve sensação de tristeza. Tivemos um pai íntegro, honesto, trabalhador, com um incorruptível código de valores que foi o fundamento do nosso ser, da nossa existência, da nossa interação social. Foi ele que nos passou o respeito pelo outro, a retidão, o sentido de compromisso, a não cedência às tentações que corrompem. Lutou por nós, viveu por nós, e só morreu quando nos julgou a salvo de percalços maiores que a vida pudesse trazer. Já agradeci muito por não nos ter deixado qualquer herança material. Por não nos ter deixado nada que interferisse com esta herança essencial de valores. Algo que pudesse brilhar e com esse brilho ofuscar o bem maior e mais precioso que nos deixou. E tivemos uma mãe que nos amou incondicionalmente, que nos protegeu, que nos motivou e que fez por nós o que mais ninguém faria, mesmo quando isso teve de ser retirar-se e dar-nos espaço ou agarrar-nos por um braço e mostrar-nos o caminho. Era o entusiasmo em pessoa, a alegria e o dinamismo, o ímpeto repentista e o carinho de nos pentear o cabelo. Viveram plenamente, em liberdade plena, em plena harmonia, em dedicação plena. Viveram por si e viveram por nós. Para nós. E tinham imperfeições e eram essas imperfeições que realçavam a maravilha da harmonia que eram para nós. Seus filhos. Seus tesouros de amar. De Amor.

Não há distância no seu desaparecimento físico e não pode haver tristeza. Só saudade. E tem de haver orgulho, tem de haver a responsabilidade e a determinação de continuar o seu legado, tem de haver espaço para o sonho, tem de haver amor, tem de haver verdade. E tem de haver a coragem de procurar e perseguir tudo isso, mesmo em tempos de adversidade. Sobretudo em tempos de adversidade. Temos muitas diferenças. Somos muito diferentes e temos também muito em comum. E o mais importante que temos em comum é o sentido que os nossos pais deram à vida.

Não sintas, NUNCA, culpa e, menos ainda, remorso. Os nossos pais definiram sempre os seus caminhos e fizeram as suas opções com base no seu código de valores e no amor que nos tinham e com que nos criaram. E, naquela tarde, tu conduziste o carro também por opção da mãe que to confiava. E não tens culpa do golpe de sol pela frente, da curva apertada, do cascalho no chão, do carro velho e pouco seguro. Não tens culpa das circunstâncias porque as circunstâncias foram isso mesmo: circunstâncias. Mas seremos sempre culpados, tu e eu, de não honrarmos e de não difundirmos o seu legado de amor, verdade e integridade, se nos desviarmos dele.

Estamos sós, Mana, e é sós que temos de assumir a responsabilidade de não deixar morrer esse legado, de não permitir que a morte última e verdadeira, a do esquecimento, se abata sobre o nosso paizinho e a nossa mãezinha. É neste propósito que tem de fundamentar-se a nossa união e é este propósito que tem de ser o guia das nossas opções e dos nossos gestos daqui em diante.

A vida não é um acidente, Mana. É uma sucessão de opções e nós herdámos o melhor dos guiões para optar.

Com Amor,
Mano.


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Um dia no MPMI

O blogue do costume, ontem, teve um dia normal.
Não lideramos audiências, mas também não queremos isso. Queremos só saciar a sede de leitura de quem nos lê.
Em todo o caso, porque considerámos as estatísticas de ontem particularmente curiosas, deixamos aqui essa mesma curiosidade.

Tivemos 221 visualizações por 116 visitantes. E donde são estes queridos leitores? Pois. é isso mesmo que vimos partilhar convosco:

Boas leituras!
jpv


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Tratado de Revolta

Arde no peito
Quando os rios
Correm ao contrário.
Quando não são minhas
As carícias no teu corpo.
Quando tudo o que vivia
Jaz frio e morto.
Quando a brisa não corre
E a cria no ninho
Arrefece e morre.
Chega uma revolta surda
E inquieta
Quando não há alvo
Para a seta
E se perde o rumo.
Quando a canção
Dolente e romântica
Me agride o ser e a existência.
Não há, para este mistério,
Lógica, equação, nem ciência
A não ser a do desespero.
Tudo o que desejo e quero
Vive noutros vales,
Acorda outras manhãs,
Ama outros universos.
E, para mim,
Poeta da solidão,
Ficam só os versos,
As palavras que não te tocam,
Não te acordam o ser
Nem a memória dele.
Não há vida possível
Para esta morte.
Tratado de revolta,
Poeta sem caminho nem sorte…

jpv