Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Fado-Marrabenta

Não cabe já nada
Neste abraço.
Sucumbimos à negação
E ao cansaço.
E ao medo.
No universo infinito
Das palavras apaixonadas,
Calaram-se verbos
Voluptuosos e promissores
De intenções arrebatadas.
Fechou-se o sorriso,
Perdeu-se o timbre
Da voz que prometia.
entre ti e mim,
Há, agora,
Um fogo sem fantasia.
Uma aurora pálida
E cinzenta.
Morreu a marrabenta.
Sobrou, só,
Um fado melancólico e triste.
Onde antes floriu tudo,
Já nada existe.

jpv


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Aurora


Corre uma brisa fresca
Pela manhã do meu olhar.
Os passarinhos laboriosos
Rodopiam a chilrear
Saudando a primeira luz.
A acácia abre os braços,
Expõe, sobre o verde, o carmim que seduz.
Erguem-se esguias, elegantes,
E despenteadas, as casuarinas.
Correm para a escola
Os meninos e as meninas.
Um cão feliz finge que guarda
E arfa vitorioso ao deitar.
E visita-me a memória
De tempos distantes
E pessoas queridas
Nesta africana harmonia.
Sereno, sorrio ao mundo
E saúdo o novo dia.

jpv


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Senhora

Princesa da minh’ alma,
Senhora de meu coração,
Comandante deste terreno
Sem norte nem chão,
Vem exercer teu reinado
Em meu corpo despido,
De teu desejo convertido
Em pobre e humilde estalagem.
Vem ser Senhora deste servo,
Vem sujugá-lo a ti,
Exigir-lhe apaixonada vassalagem.
Não quero coroas,
Nem espadas cintilantes,
Quero somente as insígnias
Dos amados e dos amantes,
Esse arfar voluptuoso,
Essa seda de odores
Em meus lábios,
Teu sexo exposto
À minha investida obediente.
Há no mundo tantos reinos
E reinados tão diversos
Sobre multidões de gente
Ondulante e distraída,
E ninguém percebe
Que és tu a Senhora
Deste sopro, desta vida…
Já me ofereceram o mundo,
Poços de dinheiro sem fundo
Onde pudesse ser feliz.
Já atendi a todas as mesas,
Já comi em todos os banquetes
Iguarias incertas
E palavras repletas de certezas.
E recebi os olhares
E os sorrisos desejosos
Das damas e das donzelas
Mas não são elas…
Só tu,
Senhora da distância
E do silêncio,
Comandas meu Destino
E meu Tempo.

Princesa da minh’ alma,
Senhora de meu coração,
Comandante deste terreno
Sem norte nem chão.

jpv


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Está em Nós

Está em nós
Toda a essência
Do Amor.
Está em nós
Toda a ciência
Da alegria
E da dor.
Está em nós
A arte de colocar
A minha cabeça
No teu regaço
E essa forma
Única
De segurares
Meu braço.
Está em nós
A arte de um beijo
Despudorado,
Em público trocado.
E está em nós
Algo de eterno
E não perecível,
Tão antigo
E tão renovado…
A confiança
De estares aí,
A certeza deste encontro
Desencontrado!
E haver ainda
Tanto para amar
Depois de tanto
Já amado.

jpv


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Short Stories

Os Rios Não Correm Para Trás

Andaram tenteando intenções, mesmo sabendo que, fossem quais fossem as intenções, nunca lhes vestiriam a roupagem das ações. Conversaram na periferia da tentação, na escuma espraiada do desejo quando a onda já se foi embora. Outra virá. E aquela tensão entre o querer e o poder nunca se fez palavra, nunca se fez gesto.

Um dia, de frente para uma paisagem idílica, com um rio manso e animais bebendo na orla, ele aproximou-se por trás dela, sentada no banco do miradouro, e fez-lhe uma breve massagem nos ombros. E aqueles trinta segundos foram a sua eternidade. Depois, sentou-se a seu lado e ficaram os dois olhando a paisagem em silenciosa contemplação enquanto se reerguia entre si o muro. Foi um silêncio eloquente, jogaram-se ali todas as promessas imaginadas, todas as intenções, todas as hesitações e as impossibilidades todas.

A história não tem um final feliz. Foram às suas vidas, a ser quem acreditavam e podiam e deixaram tudo o resto para trás. Não voltaram a falar-se. Não voltaram a olhar-se nos olhos luminosos e húmidos. Guardaram de si a memória doce e fugaz daquela massagem de frente para o rio. Um dia, essa memória esfumou-se.

jpv


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Short Stories

The Last Song

A história Começa muito antes, mas não nos demoremos, não percamos tempo, sigamos para o essencial. Chegou o dia em que lhe pediu que guardasse seu coração como algo precioso. Como uma jóia de amar, um belo e vistoso colar em pedras de paixão. No início era toda zelo e cuidado na forma como lhe tocava, como lhe pegava, e como o acariciava devagarinho para não o estragar. E depois veio o entusiasmo e a admiração e beijava-o, sôfrega e voluptuosa, e apertava-o contra o peito e dava-lhe dentadinhas de provocação em jogos de clara e magnética sedução. E quando já era seu, partiu-o e deixou-o abandonado numa gaveta esquecida. E ele ficou ali. À espera dela, que lhe devolvesse o seu coração intacto ou quebrado, a funcionar na perfeição ou estragado. E agora vive só, entregue ao seu azar, à procura de quem saiba consertar corações despedaçados. Deambula, perdido, pelas ruas, vivo e sem coração que preste.