Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Verbo Embalar

sol

O silêncio.
E era isso, a vida.
Muda.
Iludida.
Ecoou, então,
Em tom sereno
E pausado,
O som de um coração
Batendo apaixonado.
Correu em mim
Um arrepio
E uma urgência veloz
No momento exato
em que escutei
A tua voz.
Eram coisas simples
E era a vida toda.
Numa frase.

A síntese precisa
Do que não dizias
Espelhada
Nas palavras que proferias.

Houve um silêncio.
Sim.
E ruídos.
De fundo.
E houve, depois,
Esse timbre
Que me ensinou
O mundo.
E o amor.
Não calo mais
Meus ouvidos.
Não tenho
Como não escutar.

Ainda que fosse
Surdo profundo
Seria na tua voz
Que me havia
D’embalar.

O silêncio.
De novo.
E a vida que se retoma…

jpv


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Limiar

No limiar das palavras,
A transgressão.
No limiar do desejo,
A tentação.
No limiar do possível,
O impossível.
Para lá do horizonte do meu corpo,
O teu corpo desenhado.
É solitário este caminho
E, ao mesmo tempo, tem tanta gente.
É um andar sozinho
À procura do que se sente.
É um ter de pensar o impensável.
É aprender a aceitar
O inaceitável.
E, sendo tanto,
É tão pouco.
Mente sã,
Coração louco.
É um renovar constante
Da doçura.
É um salto livre
Na loucura.
E é uma ave pousada,
E uma menina a brincar.
Uma mulher inesperada
Num peito a pulsar.
É tudo.
E nunca foi nada.
Amor mudo.
Paixão silenciada.
Um livro aberto,
E outro por ler.
Uma página em branco, 
Uma história a nascer
No limiar das palavras,
À beira da transgressão.

jpv


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Maputo

É uma praia
Onde as ondas
Se vêm estender.
São milhares de luzes
Bordejando o mar
Ao adormecer.
São vendedeiras de caju e amendoim,
Avenidas longas em constante frenesim.
São meninos de roupas largas
E pé descalço,
Envolvendo num sorriso genuíno
O seu destino falso.
São mulheres exibindo
O colorido justo das capulanas.
É um tchova oferecendo
Ananases, mangas e bananas.
Busca o imenso céu
Um prédio esguio e alto.
Cá em baixo,
Dorme um corpo ébrio
No calor do asfalto.
Fecha-se o firmamento
E escurece.
E num breve momento
Acontece
Violenta trovoada.
Chove chuva copiosa,
Lavando a estrada,
Arrasta consigo
Fugaz vida ceifada.
Com a mesma violência
E o mesmo repente
Ressurge o sol ausente
E renasce, de novo,
O dia.

Esta cidade real
Parece fantasia.

Explodem odores
Exóticos e inusitados,
Pintam-se de mil cores
Os concorridos mercados.
Há nesta cidade
Uma coisa urgente e séria,
Reergue-se a Humanidade
E isso não é miséria.

Vagueia por aqui
Certo saudosismo português,
Teve o seu tempo,
Teve a sua vez.
Pinta-se de branco
E de negro também,
Fala changana… 
É palavra de Camões,
Traço de Malangatana.
E desvanece-se.
Chegou outra hora…
É tempo
De o mandar embora.

E sonhar
Com o homem justo,
Com a terra prometida.
É preciso pagar o custo
Da liberdade perdida…
E reconquistada.

Maputo
É hoje
Uma alvorada.
É um polícia
Vestido de branco
E outro de cinzento.
E é um povo
Perdido no tempo.

À procura do caminho.

É um sorriso largo,
Um olhar inaugural,
É um ritmo de marrabenta
Numa cintura sensual.
É o sol sobre o mar
Logo pela manhãzinha,
Um pescador lançando
A esperança numa linha.
E passa um chapa ruidoso
Que quase me atropela,
Atrás dele,
Desenha esses na estrada
Uma frenética chopela.
Passam carros com fulgor,
Estacionam num restaurante,
E, nesse mesmo instante,
Surge, solicito, o arrumador.

Vivem aqui
Sólidos e evitáveis
Desequilíbrios.
Uns pedem,
Outros dão.
E há nesta dança
Uma bruma de esperança.

Maputo é olhar em frente,
É uma terra
Semeada de gente.
É uma nação,
Um pátrio solo,
Um chão!
É a diferença
E a semelhança.
Maputo é mãe
De uma criança
Que ri e chora.
Maputo é todo
O tempo do mundo
E o tempo
É agora.

jpv(Maio de 2013)


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Bíblia

casal2

As tuas palavras
Anunciam desejos.
Os teus lábios
Prometem beijos.
As tuas mãos
Semeiam carícias.
As tuas ancas
Conjuram delícias.

Se não for o anúncio falso
E a promessa vã,
Se não for a sementeira estéril
E a conjuração improcedente,
Nascerá uma nova manhã
De odores citrinos e inaugurais.
Manhã ímpar e fresca
De gestos simples e fundamentais.

Um mundo renovado
E uma nova religião,
O credo do pastor amado
E a prece da paixão.
Reescrevo versículos
Com a cabeça abandonada
Em tuas nádegas desnudas.
Se soubesses
O quanto mudas
Só por estar aqui.
Tenho uma nova Bíblia,
Repleta de orações,
Que nasceu em ti.
E esse livro,
Sagrado e controverso,
Desenha um ato de amor
Em cada singelo verso.

jpv


2 comentários

Se me deixasses

semedeixasses

O toque suave
Da tua face
Poderia resolver
Este doloroso impasse
Que é desejar-te
E não te ter.
Bastava que me deixasses morrer
Em teus braços,
Após os longos e exalados cansaços,
Que vêm depois
Do que foi antes.

O odor adocicado
Do teu pescoço,
Quando encosto nele
Meus lábios sedentos,
Deveria ser rastilho
Para inusitados momentos
De luxúria ofegante.
Bastava que me deixasses viver
Em teus seios generosos,
Me desses de beber em tuas fontes,
Subir teus montes
E descer a teus vales frondosos.

E, quando me seguras a mão,
Dá-se um milagre,
Faz-se uma conexão
Entre a tua pele que me convida
E o meu desejo que te deseja.
E essa mão singela,
Inocente e dada,
Impele-me
A reação despudorada
E tentações a acontecer.
Se ao menos me deixasses ser,
Por um bocadinho que fosse,
O teu pecado de prazer…
Nasceria outro homem
Em mim.
E esse homem, sim,
Valeria a pena viver.

jpv


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Santíssima Trindade

Despir a palavra.
Limpar a ideia.
Purificar o gesto.
Tudo o resto
É excesso.
Encontrá-la nua
E, na pureza da nudez,
Guardá-la.

Não há homens assim.
Essa geração encontrou o fim
Pela palavra
Que seduz,
Acaricia,
Tenta
E consome.
Proferida a primeira,
Cresce sempre a fome.

Despir a ideia.
Limpar o gesto.
Purificar a palavra.

jpv