Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Corpo de Pecado

Já ouvi chamar
Corpo de pecado
Às linhas curvas
Com que me endoideces,
Mas não vejo que haja crime
Na imagem de teu corpo deitado
Sob minhas súplicas
E minhas preces.
Já ouvi chamar
Dança da tentação
Ao movimento de tuas nádegas
Enquanto teus pés evoluem no chão,
Mas eu não me sinto tentado,
É de livre vontade,
Passada firme e ritmo certo,
Que meu corpo segue o teu para todo o lado.
Já ouvi descrever-te
Com palavras de luxúria
Vindas de homens desenganados
Com a mente em desespero
E a libido em fúria,
Mas não tenho por ti
Qualquer desejo carnal,
Deitar-te na minha cama
E inaugurar-te o corpo inteiro
É ímpio e sagrado ritual.
E há nesta inversão
Alguma coisa de enganoso
Que é confundir o milagre do teu sexo
Com algo vil e pecaminoso.
Eu sou o fiel seguidor,
E tu, a sensualidade perseguida,
Não pode haver falta de pudor
Em tão singela forma de vida.

jpv


1 Comentário

Entre-Ser

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Não é um amor proibido.
Não é um sentimento fingido, também.
É um desencontro
Que nasceu, quem sabe,
No útero de minha mãe.
Não é o que nunca foi,
E não é, também,
O que nunca será.
É um sentir,
Aqui e já,
O desejo
E a impossibilidade.
É uma coisa nova
Mais antiga que a idade.
Não é um pecado,
E não é lícito também.
É uma transgressão imaculada
Que nasceu, quem sabe,
No útero de tua mãe.
Não é um romance anónimo,
E não é, tão pouco,
Um romance nomeado.
Tu não pronuncias meu nome,
E teu nome, em meus lábios,
Isso, sim, seria pecado.

E vivemos neste entre-ser
Que a vida nos trouxe,
Sem saber como teria sido,
Mas vivendo como se fosse.

jpv


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Lamento

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Não te reconheço, já,
No olhar desviado
E altivo.
Não percebo, sequer,
Qual seja o ímpio
Motivo
De teu fingimento
E de tua distância.
Vivo o desespero
E sofro a ânsia
De ver-te regressar
Ao menino que eras,
Repleto de sonhos
E quimeras,
Sorriso largo,
Palavra cristalina.
Não sei…
Não tenho como saber
Quem te desviou o olhar e o ser,
Quem destroçou teu coração.
Eu sou o amparo,
O peito aberto,
A mão que se estende
E fica estendida
À espera de preencher-se.

Mas a espera, meu amor,
Tem seu tempo.
Meu coração chora
Até deixar de acreditar
Que hás-de vir segurar
A minha mão aberta
Depois disso,
Sobra só uma alma magoada
E deserta
Que se fecha e esconde
E quer morrer sozinha
E devagarinho
Na segurança da solidão.

E este lamento
Que choro como uma prece
É um grito violento
Que expõe e oferece
Minha mão à tua,
Um olhar,
Uma alma nua.

jpv