Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Pré-História

c1c93-sexo

Pré-História

Mora, intacto, em mim,
O teu corpo.
Em tangências de luz e perfeição,
Ainda sinto a suavidade dos teus seios
Preenchendo-me a mão.
Ainda te arqueias e ofereces
Em movimentos lentos e sedutores,
Ainda me lembro das preces
Gemidas sem fronteiras nem pudores.
Ainda sorris convidando,
Ainda chamas empurrando,
Ainda te sacias em mim
Como num altar de promessas.
Ainda te encostas e te entregas,
Sem máscaras nem pressas.
Ainda é vívida a memória
Desses corpos abandonados
À luz da noite,
No tempo antes da história!

jpv


Deixe um comentário

Vermelho Direto – Je Suis Sagres

Diapositivo1

Vermelho Direto – Je Suis Sagres

Era o que mais faltava. Censura a partir de um clube de futebol.
Toda a gente sabe que sou benfiquista e toda a gente sabe que, quando entendo, zurzo no Benfica. Tenho esse direito. O direito de me expressar. De zurzir em quem me apetece, de dizer o que me apetece dentro das regras do exercício da liberdade, de brincar, de criticar, de gozar e de aceitar com respeito as opiniões dos outros. E zurzo nos adversários do Benfica quando me apetece e a propósito do que me apetece. É só a minha opinião. Não peço a ninguém que concorde comigo, só que respeitem o que penso da mesma forma que respeito os outros.

Para mim, o Rui Patrício sempre foi uma mau guarda-redes, muito inseguro, sobretudo quando a pressão aumenta. Viu-se isso inúmeras vezes ao serviço da Seleção Nacional. No jogo do Sporting contra o Belenenses foi protagonista de duas jogadas caricatas e ridículas, próprias de um tipo que treme como varas verdes quando é precisa fibra.

E a Sagres fez um vídeo, onde nem sequer se vê o guarda-redes do Sporting, a brincar com as trapalhadas que ele fez no estádio do Restelo. Trata-de de alguém a preparar um frango no forno enquanto o jogo evolui e termina com um slogan do tipo Frango à Rui Patrício servido no Restelo.

O presidente do Sporting apressou-se a defender o seu jogador, o que é normal. O que já não é normal é exigir pedidos de desculpas e ameaçar com processos e exercer pressões para que o vídeo saísse de circulação. E saiu. A Sagres retirou o vídeo e pediu desculpas ao jogador. Ou seja, a pressão exercida por Bruno de Carvalho calou a opinião da Sagres, o seu direito a brincar e a gozar com uma situação caricata. A meu ver a Sagres errou. Mas não foi quando publicou o vídeo, foi quando o retirou da web.

Bruno de Carvalho agiu como os extremistas islâmicos: calou aqueles com que não concordava. Felizmente diferiu nos processos e nos meios, felizmente, a proporção do crime não é, nem de perto, a mesma. Mas o crime é o mesmo. O de silenciar aqueles com que não concordamos.

Eu não concordo nem um bocadinho com a linha editorial do “Charlie”, respeito mais os meus amigos islâmicos do que alguma vez respeitarei o semanário francês, mas também fui “Charlie” porque a liberdade de expressão é um pilar da vida social e da democracia. Fui “Charlie” porque não se pode matar em nome de nada, não se pode silenciar os outros só porque não se concorda com eles.

E é por isso que agora sou Sagres. Qualquer pessoa tem o direito de pensar e de expressar a sua opinião acerca da prestação de um jogador de futebol. E a brincar com isso. Ou de um político. Ou de um médico. Ou de um advogado. Ou de um empresário. Ou de um jornalista. Eu sou Sagres porque o que a Sagres fez foi uma brincadeira inofensiva que, naturalmente, incomoda os sportinguistas, mas amanhã poderá ser sobre outros. Ainda me lembro o que gozavam com o SLB quando tivemos como guarda-redes aquele espanhol alto e frangueiro. E também me lembro o que gozaram com o Nuno Espírito Santo quando, ao serviço do Porto, deixou entrar um monumental frango na final da Taça da Liga contra o Benfica. Não me lembro, nem do Benfica, nem do Porto, se terem armado em Prima Donna ofendida. O senhor Bruno de Carvalho há muito que perdeu o controlo do clube que dirige e a noção da realidade. É um homem perdido, à deriva, patético. E depois age desesperadamente tentando provar que é líder quando toda a gente, incluindo muitos sportinguistas, se envergonham com as figuras que ele faz. Mas conseguiu calar uma brincadeira. Conseguiu censurar. Conseguiu matar a liberdade de expressão de uma instituição. O senhor Bruno de Carvalho pode ser presidente do Sporting, mas não pode ser censor de coisa nenhuma.

Eu sou Sagres! E o Rui Patrício é um frangueiro!

Tenho dito!
jpv


Deixe um comentário

Crónicas de África – A Boleia

18d31-cronicas-de-africa-img-2

Crónicas de África – A Boleia

Dar boleias não é prudente. Nem aqui, nem em qualquer outro lugar. Este homem anunciava histórias interessantes. Era uma carrinha branca, agastada com a idade, a resmungar quilómetros e a revoltar-se contra a falta de combustível. E, junto a ela, um senhor de cabelos brancos, ar humilde e respeitável, um pequeno jerrican improvisado de uma lata de óleo do motor, o braço a fazer sinal, não como quem manda parar mas como quem pede ajuda.

E eu parei. Abri o vidro do lado dele:
– Então, há azar?
– Sim, pode chamar-se azar. Fiquei sem combustível. Ainda pensei que ela aguentasse, mas ela se negou. Não quer ir mais. Há um posto de combustível junto ao Game, não precisa levar-me até lá, posso apanhar uma ligação.
– Não há necessidade disso. Eu passo à frente do Game, deixo-o lá.
– Muito obrigado.
– Não tem de quê.
– Eu tenho tempo, sabe. Saí cedo de casa. Sou reformado do Estado há 4 anos.
– Posso saber a sua idade?
– Tenho 65.
– É um homem novo.
– Ainda sou novo, mas já fui mais novo. Sabe, às vezes bebo umas…
– Desde que não seja em excesso…
– Claro. O excesso faz-nos perder a responsabilidade. Eu bebo só o suficiente para abrir um sorriso. Por vezes, é preciso abrir um sorriso.
– E gosta da vida de reformado?
– Claro. As reformas do Estado são pobres, sabe, mas a vida privada tem muito valor. Não é incómodo ir até ao Game?
– Não, nada disso. Eu trabalho na Escola Portuguesa.
– É professor?
– Sou.
– Eu fui aluno, sabe. Fiz a sétima classe do Curso Industrial. Naquele tempo não havia energia. Estudávamos à luz das velas. A energia traz das suas. Quando estudávamos à luz das velas não chumbávamos. Quando veio a energia começámos a chumbar.
– Distrações…
– É… mas hoje ainda é pior. Eu vejo pelos meus netos. Na hora de estudar estão ali a ver a telenovela quando deviam estudar.
– Os tempos mudam, sabe.
– Mas não mudam sempre bem. Primeiro veio a liberdade, depois houve ali 10 anos que estivemos morrendo um bocadinho e depois levantámos a cabeça. É, nem tudo muda bem. No meu tempo não tínhamos dinheiro de lanche, mas nos divertíamos e brincávamos e poupávamos para ter um dinheirinho de lanche. Hoje, pai que não dá dinheiro de lanche parece que é criminoso. Isso está mal.
– Chegámos, senhor…
– Sibambo. Era para ter o nome do revolucionário, mas depois mudaram para Sibambo. Acho que tiveram medo.
– Tenha um bom dia senhor Sibambo.
– Muito obrigado, senhor professor.

Andamos nós gastando tempo à procura das causas do insucesso e elas aí estão. Energia e seus derivados. O senhor tinha uma dicção perfeita, falava pausadamente e não tinha dúvidas em relação às suas reflexões. Pensava e estatuía as ideias com as palavras serenas e firmes que encontrava. E nós podemos discorrer das dicotomias do empirismo e conhecimento construído, mas o certo é que o conhecimento do senhor Sibambo também é construído. Construído com as suas experiências e convicções, estudado à luz da vela, posto em prática ao serviço do Estado ao longo de 35 anos. Uma boleia para ele. Uma aula para mim.

jpv
———————————————
*Game: superfície comercial em Maputo, mais precisamente na Costa do Sol, ao longo da Marginal.
*Sibambo: nome semelhante ao do herói moçambicano Eduardo Chivambo Mondlane.


4 comentários

Crónicas de Maledicência – As 50 Parvoíces de João Paulo Videira

fccc1-sexy-red-dress

Crónicas de Maledicência – As 50 Parvoíces de João Paulo Videira

Levantei-me cedo, passei pelo duche e depois pelo espelho, olhei as curvas esculturais do meu corpo. Aqueles vinte quilos a mais vinham mesmo a calhar. Davam-me volume. Lavei as mãos, fiz xi-xi e saí para a rua com um olhar lânguido para o indicador de combustível. O tanque, tal como eu, estava cheio.

Fui ao ‘Builders’ da Matola. Comprei um berbequim de 1200 watts, uma serra manual, 5 metros de corda, uma catana, uma caixa de parafusos de 12 milímetros e outra de buchas, dois ganchos tipo arnês, um tubo de silicone, um par de luvas de pedreiro e um martelo. Regressei em excesso de velocidade, tinha um enchumaço entre pernas, levei a mão ao dito, era o porta-chaves. Cheguei a casa, dirigi-me ao quarto, ela esperava-me com seu corpo de mulher de vinte e quatro anos vezes dois, estava húmido e brilhante, lá fora o sol brilhava, 38 graus centígrados e 87% de humidade relativa do ar. A conversa não poderia ter sido mais explícita:

– Então, vens remodelar o quarto?
– Não. Venho fazer amor à moda de Grey.
– ‘Tás parvo!

E bazou.

——————————————————-

Venho falar-vos do que não conheço e também do que conheço. Não li o livro. Não conheço. Ainda não vi o filme. Ainda não conheço. Tenho lido as reações pró e contra e não posso ficar-lhes indiferente. Conheço. Se é verdade que aquele tipo de literatura não me atrai, não me cativa, tenho de admitir que já teve duas virtudes. Pôr toda a gente a falar de sexo sado-masoquista e bondage e nossa sociedade precisava disto pois já que temos de ser masoquistas por via da crise, ao menos que o sejamos na cama. A outra virtude, ao que dizem, foi ter dado a conhecer ao mundo a filha do Don Jonhson. Ora, eu devo ser um tipo antiquado, mas assim muito antiquado, mesmo mais antiquado que o Marquês de Sade. Eu explico. O sexo, na minha mente retrógrada, tem a ver com amor e com prazer. Muito prazer. Ora, tanto quanto me consegui informar, o sado-masoquismo o o bondage têm a ver com dor. Seja lá porque razão descabida for, o meu cérebro tem dificuldade em associar a dor ao prazer. Já, por outro lado, o meu cérebro associa o sexo a libertação o que, quer queiramos, quer não, não combina muito bem com algemas. Da última vez que verifiquei, as algemas eram umas cenas metálicas que serviam para prender criminosos. Mais uma vez, há uma ligação que tenho dificuldade em fazer: associar o sexo ao encarceramento. Então mas somos amantes ou criminosos? O que me dá Vigor não é a companheira com as mãos amarradas, é a companheira com as mãos livres para… sei lá, fazer coisas!

Se eu não percebo porque é que? Percebo. Mas temo as consequências. Imaginemos que um casal vai para um hotel, ela amarra-o à cama com as algemas e na hora de o libertar aquilo encrava ou a chave parte. Tomba uma sombra de Grey sobre aquele casal. É que a próxima vez que estiverem juntos, vai ser quando ela regressar da rua com um serralheiro. Mas há mais. Estou mesmo a ver escoriações por via de cordas super apertadas, chicotadas que foram além da força, Ups, querida, desculpa… vou buscar um pouco de algodão e álcool para desinfetarmos isso, chapadões que eram para ser na face e acertaram na vista e mesmo, sabe-se lá, a metade do chicote que ficou partida e presa não sei onde, mas onde não chega muita luz e coisas do género. As casas de artigos de construção e carnaval vão esfregando as mãos de contentes, mas a malta do Sistema Nacional de Saúde anda preocupada. Já não bastavam as Urgências cheias de gente a desfalecer de gripe e outras doenças sérias, quanto mais agora terem de ajudar casais que resolveram virar-se à bordoada uns aos outros durante o ato. E com adereços! Ah Xôtor, o meu marido estava a mudar uma lâmpada, desequilibrou-se e caiu sentado em cima da garrafa de cerveja, veja lá o Xotôr o azar!

Mas há mais… nem tudo é negativo. Até aqui, os cônjuges que gostavam de uns filmes pornográficos, andavam à socapa uns dos outros em pesquisas na Internet para as teses de mestrado e doutoramento. Agora, já podem dizer que estavam a ver o clip promocional das “Cinquenta sombras de Grey” e, bem vistas as coisas, podem fazer a investigação juntos e coiso e tal, mas deixem-se de brincadeiras com adereços.

Se as relações entre as pessoas, no plano horizontal, podem ficar aborrecidas? Podem. Mas não é preciso arranjar escoriações para que as mesmas recuperem o interesse. Um jantar à luz trémula e amarelecida das velas, umas pétalas de rosa na cama, uma musiquinha de fundo, um fim de semana em que se entregam os crianços à avó e se vai a um SPA ou a um hotel super romântico. Caro? Há quem ache isto caro? Então experimentem pagar a um serralheiro para desencravar umas algemas e fingir que nunca o fez, experimentem perguntar quanto é que custa encontrar a metade do chicote ou os restos da garrafa de cerveja… isso é que é caro.

E agora, se me permitem, vou-me daqui que a patroa aguarda-me, plena de sensualidade. Brrrrruuuuiiiiiimmmm, brrrrruuuuiiiiimmmm… (tentativa de reproduzir o som de um berbequim)

jpv

 


Deixe um comentário

Vermelho Direto – Claques e Presidentes

66284-red-card-sexyVermelho Direto – Claques e Presidentes

Sejamos diretos e frontais.

1) Eu sou contra todo o tipo de claque de futebol organizada e apoiada por um clube. Esse tipo de organização nunca trouxe nada de positivo ao futebol português e, por mim, poderiam e deveriam acabar todas.

2) Eu abomino o que se passou no pavilhão da Luz, nomeadamente, a evocação, através de uma tarja, de um dos mais trágicos e condenáveis incidentes, a meu ver a configurar um homicídio, do futebol português.

Dito isto. Tomando estes dois pressupostos para início de conversa, não me parece que qualquer clube dos grandes, e não só, possa acusar os outros. A verdade é que todas as claques já perpetraram atos de violência inomináveis. E, sim, um dos mais recentes foi a vandalização do estádio da Luz por adeptos sportinguistas que queimaram umas centenas de cadeiras. Nunca ouvi uma declaração pública de repúdio como ouvi esta semana por parte do presidente do Benfica em relação à abominável tarja. Penso que Luís Filipe Vieira esteve muito bem em relação ao que disse e quando disse. Se eu fosse sportinguista, também gostaria que ele tivesse dito mais cedo, mas a verdade é que estava uma investigação a correr e esses processos requerem alguma prudência. De resto, o presidente do Benfica tocou no ponto certo da ferida: o problema não é esta ou aquela claque, o problema que é preciso atacar é o da violência no futebol. E, no seu discurso condenou claramente o ato. Isso é inequívoco.

Bruno de Carvalho esteve igual a si próprio: mal! Dificilmente estaria pior. Cortar relações em vez de unir esforços, culpar um adversário para branquear um empate que compromete o título, são marcas de atuação que, infelizmente, já vão sendo hábito no atual presidente do Sporting. Quase apetece perguntar com quem é que ele ainda não cortou relações dentro e fora do Sporting? Bruno de Carvalho não veio para acrescentar nada ao futebol português, veio para destruir. E tem conseguido. O Sporting, por exemplo, está de rastos. O treinador não tem paz, está uma pilha de nervos, os jogadores andam perdidos em campo e não, não jogaram bem contra o Benfica, se tivessem jogado bem, tinham ganho por vários a zero porque o SLB, infelizmente, esteve muito fraco, mas suficientemente forte para marcar quando precisou, e toda a estrutura anda em ansiedade. É vê-los a comemorar golos contra o Penafiel, o Arouca e o Belenenses como se fossem os golos das suas vidas. É vê-los a serem campeões dos empates. É ver a figura ridícula e humilhante que um, outrora, muito bom guarda-redes, fez ontem no jogo contra o Belenenses. Patrício, que não merece, foi a imagem de um Sporting instável e esfrangalhado não obstante ter um bom punhado de jovens jogadores. Inácio um excelente ex-jogador e ex-treinador era, no banco, a imagem do desespero provocado pela instabilidade e pelo desacerto da equipa.

Penso que os tipos da claque que colocou a tarja deveriam ir a tribunal, cumprir pena de prisão e nunca mais pôr os pés num estádio de futebol.

Penso que Bruno de Carvalho deveria ter um assomo de consciência e sumir de mansinho.

Penso que Luís Filipe Vieira está obrigado a levar o inquérito e a investigação até ao fim e a identificar e banir os culpados para fora do SLB.

Tenho dito!
jpv


Deixe um comentário

Crónicas de África – Do Amor e Das Feridas

Dia-dos-Namorados

Crónicas de África – Do Amor e Das Feridas

Do Amor
Em Maputo, o Dia dos Namorados é mais vulgarmente conhecido como o Dia do Amor. E é um acontecimento. As pessoas não lhe ficam indiferentes. Os restaurantes preparam menus temáticos, os supermercados decoram camas com roupas temáticas e mesinhas com champanhe a condizer, os namorados compram e vestem t-shirts encarnadas por ser a cor do amor e há uma corrida à melancia, pelas mesmas razões. Todo este folclore explana-se numa sociedade cujas coordenadas culturais são muito diferentes das nossas. Era um homem bem posto. Um senhor. Aproximou-se da bancada das flores. Seria, sem dúvida, uma flor de vaso. Uma gloriosa orquídea. Ele olhava-as, pegava nos vasos, rodava-os para, pensei eu, escolher a mais bonita, a que estivesse em melhor estado. Estava a ser exigente. Passou-me pela cabeça que a visada seria uma sortuda. Se, na simples escolha de uma flor, ele colocava tanto empenho, o que não seria no dia a dia. E foi aí que ele me surpreendeu. Depois de rodar e olhar e voltar a olhar as flores, escolheu e levou… três! Das duas uma, ou a visada é mesmo uma grande sortuda, ou as visadas são um pouco sortudas cada uma. Partindo do princípio de que o Dia do Amor implica uma refeição a dois, fiquei a pensar que este homem iria ter um dia atarefado. Pequeno-almoço, almoço e jantar, no mínimo!

 Das Feridas
Faz amanhã quatro semanas, dei uma topada com um dedo do pé, o do meio, num bloco de cimento. Como estava de chinelos, esfolei a pele do dedo. Nada de mais. Fiz o que faria na Europa. Limpei e pronto. Para meu espanto, na primeira semana, a ferida cresceu e tomou conta da cabeça do dedo. As dores eram tantas que não conseguia dormir. Comecei a tomar anti-inflamatório. A ferida cresceu para baixo da unha que começou a ficar baça, como quando as unhas vão cair. Comecei a colocar uma pomada cicatrizante. Volvidas quatro semanas, a ferida começa, finalmente, a querer fechar e a estar mais seca. A unha, parece-me, morreu. Aí à terceira semana, fui ao mercado e encontrei, como sempre, o meu amigo Francisco. Queixei-me da ferida, que até coxeava, que não sarava. E ele respondeu com toda a calma:

– Com esse calor e essa humidade não vai sarar. Tens de esperar.

E pronto, cá estou à espera. Já tinha ouvido histórias das consequências da monção. Nunca as tinha vivido.


6 comentários

Crónicas de Maledicência – Os Gregos são uns Chatos

tsipras

Crónicas de Maledicência – Os Gregos são uns Chatos

Os gregos, em geral, são uns chatos. E os do Syriza são da pior espécie. A mulherada não fala noutra coisa que não seja em Tsipras, o Adónis da política, ou Varoufakis, o Apolo da finança. Depois de Demis Russos, Nana Mouskouri, e mesmo mais do que eles, os novos e emergentes políticos gregos tomaram conta do nosso quotidiano. E, quer se concorde comvaroufakis eles, ou não, o facto é que não se lhes pode ficar indiferente. E não me venham cá apelidar de sexista porque a mulherada, pelo menos a que me rodeia, fala mesmo deles.

Os gregos do Syriza são da pior espécie. Para já, atrevem-se a ser giros no meio de uma cambada de tipos de aspeto gasto, envelhecido e francamente feio. É fácil identificar um ministro europeu. É sempre o tipo mais feio da sala. Se for alemão, pode mesmo nem se ter nas pernas e andar de cadeira de rodas. E andam todos com o pescoço sufocado e o corpo pendurado de gravatas anódinas, de custo superior ao valor real, realmente pagas pelos nossos impostos.

Já o Tsipras e os amigos têm um ar saudável e desafogado, colarinho despreocupado e um aspeto moderno e informal quase como se os políticos fossem gente como nós e não essa imortal e excelsa casta de eleitos que nos tem governado e guiado pelas trevas da nossa ignorância.

E esses gregos syrízicos andam de mota, deslocam-se em viatura própria, voam em classe económica, têm blogues, conta no Twiter e, imagine-se o inusitado da questão, falam com as pessoas.

Estava a Europa descansadinha e aprumadinha, convenientemente imersa numa crise e numa recessão económicas que duram há quase uma década, têm responsáveis identificados, os ranhosos dos povos do Sul que, com a sua indigência e preguiça e incapacidade intelectual, têm ficado a dever muito do dinheiro que não gastaram às mui nobres gentes do Norte, quando surgem estes rufias, assim lhes chamou o “Die Welt”, e dizem ser necessária uma nova ordem, que pagar submarinos e armamento que não precisavam e que não pediram para guerras que não existiam, não lhes parece muito correto e, como tal, talvez seja melhor pagar ao ritmo do crescimento económico para o garantir e, já agora, se não se importam, convém que sejam pagas dívidas antigas de maus pagadores com boa fama que, em larga parcela, cobrem o que agora se diz que se deve.

Parecia a Grécia tão vulnerável, tão sem soluções, enredada numa teia financeira gerida por tipos antigos, rígidos, sulcados pelas rugas e armadilhados de colarinho branco, e surgem estes giraços, estes modernaços, e ousam desafiar as regras do jogo, ousam ter as suas próprias ideias para o seu próprio país e ajudam as pessoas mais prejudicadas pela crise, aumentam o ordenado mínimo, readmitem funcionários públicos, pagam a luz das pessoas e pensam nelas. Políticos sem gravata a pensar nas pessoas. Os gregos são uns chatos e os do Syriza são da pior espécie.

Agora, que tudo ia tão bem na Europa…

Tenho dito.
jpv


2 comentários

Citação do Pó

pes

“Por mais que nos amemos e nos lavemos os pés e nos purifiquemos, há sempre um pó que se agarra à pele, se cola à carne, às roupas e nos mancha a existência.”

João Paulo Videira
In “A Paixão de Madalena”
a publicar brevemente.

 


3 comentários

Crónicas de África – Questões Culturais

96ec1-cronicas-de-africa-img-2

Crónicas de África – Questões Culturais

Maputo, 1 de fevereiro de 2015

À medida que o tempo passa, as interações em Moçambique, com os diversos e extraordinários agentes das muitas culturas que aqui coabitam vão-se sedimentando e a novidade desvanece-se. Talvez por isso, menos crónicas vêm ver a luz dos vossos olhos.

Ainda assim, reúnem-se diversos aspetos e pormenores e, de quando vez, amanha-se uma Crónica de África.

Ébola.
Estivemos em Portugal pelo Natal. Por um voo Maputo – Lisboa – Maputo, a TAP, de que tanto se fala agora, pediu-me em setembro, quatro mil euros por pessoa. No mesmo dia, comprei dois bilhetes de avião, na South African Airways, Joanesburgo – Lisboa – Joanesburgo, por oitocentos euros cada. Eu quero que a TAP seja portuguesa. Mas a TAP não parece querer que eu utilize os seus serviços. Quando regressámos, em Lisboa estavam zero graus, em Joanesburgo trinta e dois. Com a preocupação de trazer as malas de mão e ver qual o tapete onde estariam as outras, esqueci-me de despir o casaco e comecei a suar. Estava à espera que me carimbassem o passaporte, quando reparei que uma câmara olhava para mim com ar suspeito. Uma luz vermelha acendeu. O funcionário do aeroporto veio ter comigo e perguntou, O senhor sente-se bem? Sinto-me muito bem. Mas o senhor está doente. Não estou não. Está, está, o senhor está todo suado. Sim, tenho calor. O senhor é suspeito de estar infetado com o ébola, a minha colega vai acompanhá-lo à enfermaria. Não me deram a escolher. Ou vais, ou vais. Uma vez lá chegado, apontaram-me uma pistola semelhante àquelas que as meninas dos supermercados usam para ver o preço dos produtos. Fizeram pontaria aos olhos. E a senhora redonda e simpática exclamou: Vejam só, ele só tem trinta e cinco! O senhor sente-se bem? Muito bem, estou suado é só isso, o calor pode fazer-nos suar. Quem diria, não tem febre! Respondeu ela, e simpaticamente despediu-me dali e a mesma alma que me havia levado à enfermaria, levou-me até às passadeiras onde as minhas malas já estavam tontas de tanta montanha russa!

Donde vens?
Raramente falo do meu ambiente de trabalho. É uma questão de separar águas. Por vezes, deixo um apontamento ou outro que possa ter algum interesse mas não revele nada do funcionamento da instituição. Assim continuará a ser. Este apontamento é sobre a multiculturalidade, as vivências tão diferentes que se experienciam por aqui, a enorme diferença nos referentes do quotidiano. Deslocava-me pelos corredores para ir a uma sala de aula quando me cruzei com ele. Não tinha mais de oito anitos, era do terceiro ano. Ora, estranhei vê-lo por ali sozinho e por isso fiz as perguntas que fiz, sabe-se lá o que pode andar a fazer um cachopo divagante pelos corredores de uma escola!
– Olá, onde vais?
– À casa de banho, setôr.
– E donde vens?
– De Portugal!
Toma e embrulha e para a próxima não faças perguntas desnecessárias.

Outros Parâmetros
Para nós, europeus, mestres da consciência cívica, reciclar consiste em dar nova vida a materiais que entretanto deixaram de ter préstimo. O conceito não tem nada de errado. Pelo contrário. É fundamental. Não posso deixar de notar, contudo, que, para os sul-africanos, o conceito é um tanto diferente porque não se aplica depois das coisas deixarem de ter préstimo, mas enquanto ainda o têm. Eles são mestres em prolongar a vida das coisas, sempre que algo tem ou possa ter arranjo, eles consertam não substituem. Isto aplica-se a eletrodomésticos, a automóveis e a todo e qualquer equipamento. Ainda me lembro, quando fiz a primeira manutenção ao meu carro, tinha os discos dos travões todos ferrugentos. Em Portugal colocavam-me uns novos, e pronto. Na RSA deram-me a escolher entre colocar uns novos ou reabilitar aqueles sendo que a reabilitação me custava um décimo do preço. Já lá vão quase três anos e os discos lá andam a travar. Mas não é só neste aspeto que os parâmetros são diferentes. Quando fui para Portugal, a caminho de Joanesburgo parei numa oficina para fazer uma manutenção. Correu tudo bem exceto o facto do empregado se ter esquecido de apertar as porcas das rodas. Ao cabo de dez quilómetros tinha danificado irremediavelmente o braço da direção do lado esquerdo. Telefonei ao dono da oficina a contar o sucedido. Ele disse-me para ir devagarinho até Joburg e passar pela oficina quando regressasse de Portugal. Assim fiz. No regresso, ele reparou o carro, colocou uma peça nova e, no fim, pediu-me desculpa pelo sucedido e assumiu toda a despesa da intervenção para ele. Sem discussões. Sem pressões… Só assim… pelos valores…

Assalto
Enquanto estive em Portugal, assaltaram-me a casa. A minha empregada identificou o ladrão. Fora o próprio guarda da casa. Contingências! O meu vizinho chamou a Polícia que fotografou o local. A Polícia solicitou que, quando eu chegasse, lá fosse levar um relatório completo do que faltava e apresentar queixa. Foi o que fiz. E quando lá cheguei, o Oficial de Dia chamou o detetive e perguntou:
– Sabes de algum assalto na rua tal?
– Sei, foi no dia dia tal, às tantas horas.
E ainda não tinha acabado de falar deitou a mão à camisa onde trazia uns óculos pendurados, estendeu-mos e disse:
– Tome, isto deve ser seu.
E era. Eram uns óculos graduados da minha mulher que o ladrão deixou cair na fuga. O detetive trouxe-os ao peito durante três semanas à espera que eu os fosse reclamar. E quando lhe agradeci, ele respondeu: Assim, pelo menos, já não perde tudo!
O guarda foi substituído por um guarda de uma empresa de segurança e quando cheguei à escola, os alunos quiseram saber porque tinha faltado o setôr que nunca falta. Contei a história sem referir quem tinha sido o assaltante. Quando terminei, três ou quatro disseram, com toda a naturalidade num coro de espanto por eu não ter percebido, à partida, o que iria passar-se: Foi o guarda!

Pré-pago e Contratos
Aqui é tudo pré-pago. O crédito do telefone, a Internet, o serviço de televisão e até a luz. Aqui não se diz luz, diz-se energia. É possível comprar energia numa mercearia, numa loja da EDM ou no multibanco. Escolhe-se o valor, dão-nos um recibo com um código que se insere no contador da luz que converte o valor em watts de consumo. Por um lado, não há aquela preocupação das faturas, por outro lado, cada utente compra à medida do seu bolso e só consome o que paga. Os contratos dos serviços de Internet e televisão são muito mais maleáveis e confortáveis do que em Portugal. Já telefonei para empresas portuguesas a perguntar porque é que não funcionam desta forma e ninguém me sabe responder. Eu explico. Quando se contrata um serviço de TV, por exemplo, se, por alguma razão, se falhar o prazo de pagamento, não há cá cartas de aviso, nem multas, nem comissões de reativação. Pura e simplesmente o fornecimento é cortado e, no dia em que se fizer novo pagamento, o fornecimento é retomado. Simples, não? Mas há mais. O teor do contrato muda automaticamente de acordo com o valor depositado, não é preciso contactar uma menina que remete para outra menina que remete para uma senhora que remete para um técnico que manda outro técnico a casa. Nada disso. Se pagamos mil meticais, temos 44 canais. Se, no mês seguinte, pagamos dois mil meticais temos 88 canais, se pagamos quinhentos, temos 20 canais, e assim sucessivamente. Os pacotes estão pré-definidos e ligados a um valor, o simples pagamento desse valor ativa um determinado pacote. Genial, não?

Ainda falta falar do F. Mas acho que fica para a próxima.
Todos os dias nos cruzamos com diferenças culturais muito acentuadas que, com o tempo, vamos interiorizando no nosso quotidiano e na nossa mente. Deixámos de estranhar, mas, por vezes, paramos para pensar e percebemos que vivemos noutro universo. Completamente diferente. Deliciosamente diferente.

jpv