Short Stories – Equívoco
Era um tipo decidido. Resoluto. Sabia bem o que queria da vida e raramente olhava para trás. Era um cavaleiro andante, um destes homens que não para em lado nenhum porque está em todo o lado. Um conhecedor. E, sem ser belo, era charmoso. As suas palavras tinham o dom de comandar e o poder de seduzir.
Um dia atravessou um oceano e dois continentes e conheceu uma menina meiga e tímida, de poucas palavras e muitos e calorosos beijos, uma menina de satisfazer-lhe os caprichos na cama, de rir-se com ele, de cuidar de si, de andar consigo de um lado para o outro como uma sombra apaixonada. Ela nunca soube, porque ele não o permitiu, manteve sempre a pose e a atitude da personagem que tinha construído, mas ele apaixonou-se. O desejo incendiou-lhe o peito, semeou-lhe a dúvida na mente e assustou-o.
Saíu. Atravessou os continentes e o oceano em sentido contrário.
Estava longe dela, já, onde os dias começam ao contrário e os rios correm noutra direção, quando a viu na rua. Ali, onde seria impossível que estivesse. Estava agachada, dando um nó aos atacadores no sapato de uma criança e ele olhou-a enquanto passava e o seu pescoço foi-se virando para trás até que deu meia volta e ficou a dois passos dela, a olhá-la como que a certificar-se de que era mesmo ela. A rapariga pressentiu a sombra dele e olhou para cima:
– Desculpe, em que posso ajudá-lo?
– Nada, nada. Eu é que peço desculpa. Confundi-a com outra pessoa.
À medida que se afastava, o homem das palavras certas lutava contra as lágrimas e as suas próprias convicções.
jpv

22/09/2014 às 21:10
Como sempre, um ótimo texto! As vezes a pose tem seus motivos, é melhor ficar sozinho que magoar o outro… porém se manter alheio a tudo não ajuda em nada também. Me senti parte deste homem com seus conflitos.
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23/09/2014 às 22:35
Olá Bruna. Obrigado por suas palavras! Sim, sua análise é perfeita. Acontece que a vida é feita de tensões e o segredo para encontrar a paz interior reside, julgo eu, no equilíbrio com que se gerem essas tensões. Em todo o caso, tudo tem um preço e uma consequência. Esse personagem está pagando o seu preço, vivendo as consequências das suas opções. Beijinhos. jpv
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21/09/2014 às 23:50
Quando deixamos que a pose tome conta da nossa vida, quanto perderemos sem saber?
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22/09/2014 às 00:33
Olá Isa! Depende das pessoas, penso. Neste personagem acho que era um mecanismo de defesa. A pose faz parte da vida. O problema, como bem realças, é quando toma conta dela. Beijinhos. jpv
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