Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio foi de Carro

O Clã do Comboio foi de Carro

Como foi público e notório, no dia 30 de Maio houve greves na CP. É um direito que os trabalhadores têm e é um mecanismo de protesto que podem accionar quando entendem que os seus direitos estão a ser lesados. Emerge daqui, como quase sempre acontece, um conflito ou, se quiserem, um contra-direito. É que os direitos dos passageiros saem lesados. Não me refiro, claro está, aos direitos de quem compra bilhete no próprio dia ou mesmo momentos antes do comboio partir. Para esses a solução é simples, não há comboios, não compram bilhete. O problema, o efectivo e mais sério problema, são os milhares de passageiros que, por esse país fora, compram um passe no início de cada mês adquirindo o direito a viajar ao longo dos 30 ou 31 dias. Para esses, há o prejuízo directo de perderem esse dia de viagem e um dia de trabalho ou, para não perderem este último, terem de se deslocar de outra forma o que equivale a dizer pagarem a mesma viagem duas vezes.
No dia 30 foi assim. Acontece que nem tudo foi mau. O Clã do Comboio tem destas vantagens. As pessoas conhecem-se, conversam e são capazes de se unir em momentos de adversidade. Fomos de carro. Chegámos à estação, olhámos com desespero as linhas desertas, o trabalho era imperativo, não havia como faltar, como queimar aquele dia. E aí, nesse ponto da situação, o Escritor, o Aluno do Escritor e a Rapariga do Riso Fácil resolveram a questão em poucos segundos e com poucas palavras:
– Vamos de carro?
– Vamos!
– Também queres ir?
– Eu vou!
– Então vamos.
– Vamos. Dividimos a despesa.
– Ok.
E pronto. Mais nada. E o engraçado é que foi engraçado. Havia muita chuva, acidentes vários, filas intermináveis, e tudo pareceu passar-se rapidinho, sem sofrimento. Saímos às 7:30 e foi pouco depois, às 10:30, que chegámos! Todo o espírito do Clã viajou connosco, as conversas, as teorias, a boa disposição.
Contudo, o mais interessante do dia revelou-se à tarde. Combinámos encontrar-nos junto a Santa Apolónia entre as 18 e as 18:30. Quando parei o carro para eles entrarem, olhei para o relógio e não pude deixar de sorrir: 18:18. A hora do nosso comboio mais frequente de regresso. Quando chegámos ao Entroncamento eram 19:33. A hora de chegada do nosso comboio mais frequente de regresso. É evidente que houve um prejuízo financeiro para todos nós, mas isso acabou por esbater-se na companhia e na cumplicidade que vivemos. Como disse a Rapariga do Riso Fácil:
– Foi um dia diferente.
Afinal, o Clã do Comboio também anda de carro.


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A noite mais longa

Mails para a minha Irmã
A noite mais longa

Olá mana,
há já muito que te não escrevia. Sabes como é, as coisas urgentes vão-se fazendo primeiro que as importantes. Hoje, no início de uma reunião de trabalho, agarrei no meu caderno, escrevi com quem era a sessão de trabalho e coloquei a data. E, o que de imediato me veio à mente, foi a tua face com o aspecto reguila dos seus três anitos ainda plenos de esperança. Essa mesma esperança que estava prestes a sofrer uma contrariedade. Mas não só, porque a vida, felizmente, não é homogénea.
Faz hoje 36 anos que embarcámos. Sozinhos. Eu com 8 anos e tu com 3. E viajámos um oceano de desespero e solidão. E sobrevivemos. E houve uma desesperança e uma desentrega e uma sensação de estar tudo a desmoronar-se e a fugir por entre a impotência do nosso querer. Era uma espécie de fim. Mas, como disse, a vida não é homogénea. Eu acho, mana, que nós sempre gostámos muito um do outro. Acho mesmo que sempre fomos unidos porque nunca soubemos ser de outra forma, mas a violência daquela noite e dos dias infinitos e infindáveis que se lhe seguiram constituíram para nós um teste, uma provação. E o elo reforçou-se. Tornou-se inquebrantável. E as coisas que viríamos a viver daí para a frente, boas ou más, haveriam de estar para sempre eivadas dessa superação conjunta. Eu acredito, mana, que as pessoas que sofrem juntas, nunca mais se separam. O sofrimento é uma cola da alma.
Faz hoje 36 anos, os homens quiseram-nos fazer mal. Muitos morreram, entretanto. Outros ficaram sozinhos, outros perderam-se nas multidões, a maioria está esquecida e nós, da fragilidade e da vulnerabilidade das nossas vivências, crescemos irmãos, fortalecemo-nos e viemos a viver este dia olhando para trás no vácuo do tempo e sorrindo aos homens esquecidos com a ternura do nosso amor irmão. Nós, mana, estamos aqui. Companheiros de vida, com alegria e com sofrimento. Ainda bem.
Beijo,
Mano.


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"Com Amor," – Documento 26

Olá, Minha Menina Verónica,

O amor é uma forma de revolução, de reencontro e de libertação. É uma revolução nos nossos sentimentos comuns e consentidos, é a libertação da verdade e a única verdade é amar.

Sim, mantém-se o desejo e se há momentos em que rememoro as linhas elegantes e sensuais do teu corpo, também os há em que não vejo senão o teu olhar procurando abrigo no meu e nesses instantes prevalece o amor ao desejo. Eu já percebera que eras assertiva, que sabias bem o que querias, mas não imaginava que tudo isso pudesse sentir-se na tua volúpia fogosa, no teu sentir fundo cada respiração. Não me interessa nada se foi sexo ou amor. Interessa-me que ambos quisemos e interessa-me que foi lindo.

Não podia haver pecado, minha menina Verónica, precisamente porque foi em consciência e precisamente porque foi harmonioso. Sabes, às vezes ouso colocar-me no lugar de Deus e pensar como julgaria os actos dos humanos. Neste caso, no nosso caso, nem julgaria. Que fazer perante a realização plena do amor senão assentir e consentir? Era preciso ser um Deus muito deslocado do amor para condenar o que aconteceu entre nós. E sabes que mais? Foi bom… gostoso…gostei em particular daquele momento em que tu… esquece! Tu sabes ao que me refiro. Acho que se notou!

Antes que isto aqueça mais, deixa-me dizer-te, minha querida, que quero mais do que reencontrar-te. Quero reencontrar-nos. O quanto antes!

Teu homem Rui.


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Sem Medo das Alturas

Ainda na saga das cantoras menos divulgadas, mas cujo talento merece um pouco da nossa atenção, aqui fica o clip de “No Fear of Heights” da fantástica Katie Melua. A canção faz parte da banda sonora “The Tourist”. Um filme com o excelente Jonnhy Depp, a bela Angelina Jolie e a maravilhosa Veneza como pano de fundo. Só faltou mesmo que o filme fosse bom.


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Be My Baby

Ando nas cantoras alternativas. Vanessa Paradis canta em inglês mas é francesinha de gema. Este é um tema dos anos 90. Tem energia e uma letra interessante.

(Be my Baby – Vanessa Paradis)


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O Tempo das Flores

O Tempo das Flores

Nasce o dia perfumado
Por um doce aroma a flores,
Como uma tela pintado
De muitas e diversas cores.
Andam lilases esvoaçando
E tons quentes também,
Andam os deuses brincando
Com o tempo que a gente tem.
Jorram doces líquidos no sabor
E erguem-se taças em comunhão,
Há corpos afogados em suor
Rolando sensuais pelo chão.
E há trocas e oferendas
A marcar o compasso da vida,
Invocam-se teorias e lendas
Para encontrar a fé perdida.
E fica no ar o prazer
De um amor cego e louco,
Para tanto que há a fazer
Todo o tempo de uma vida é pouco!

jpv


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Fidelity

Regina Spektor é uma jovem cantora de voz doce e límpida que nos merece alguma atenção. Esta canção, “Fidelity”, faz parte da banda sonora de um interessante filme de 2010, “Love and Other Drugs”. Para que não vos falte nada:


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"Com Amor," – Documento 25

Meu Homem Rui,

Escrevo-te em papel, para o trabalho como combinámos, para que me sintas mais próxima de ti, para que toques o papel que eu toquei, para que admires o selo que eu colei, para que sintas o perfume do papel que eu perfumei.

Agora percebo o que dizes sobre tomar decisões em consciência. O que aconteceu entre nós roçou a perfeição, pelo menos, a perfeição de amar. E não houve pecado naquilo que fizemos. Não pode haver pecado numa entrega assim, num amor e numa harmonia tão divinais. Sabes, Rui, os mails são mais rápidos e mais eficazes, mas hoje quis escrever-te em papel para cristalizar e materializar o que aconteceu entre nós e o que aconteceu entre nós foi como a nossa escrita, mas com o requinte do papel que tem um toque particular e um odor próprio.

Andei-me revelando nos teus braços, andei-me entregando e andei recolhendo-te no meu corpo. Conversámos olhos nos olhos, Rui, e esse foi outro milagre. E depois despimos roupas e preconceitos e todo o universo cristalizou à nossa volta. Ninguém viveu, nem morreu, nem correu, nem andou, nem sonhou, nem trabalhou, enquanto nos amámos. O mundo suspendeu-se da sua vida e da sua existência.

Não resisti porque não quis. E não quis porque quis. E tinhas razão, meu homem Rui, nada mais havia naquele momento que valesse a pena ser vivido, nada mais havia que valesse a nossa respiração, o nosso tacto, o nosso olfacto, a nossa visão, nada nos nossos sentidos e nas nossas capacidades, nada nos nossos gestos tinha outra intenção que não as carícias a incendiarem o desejo e o bailado dos corpos na entrega. E vem-me de novo à mente aquela tua teoria do sexo e do amor. Não sei exactamente o que foi, mas nenhum deles ali esteve sozinho.

Neste momento, Rui, não vejo nem sinto mais nada que não seja o desejo de reencontrar-te.

Tua menina Verónica.


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Que bem que eles se entendem!

JJ – Fica ali ao pé das Finanças.
VM – Não! Fica ali… ao pé das Finanças!

Palavras para quê?
JJ e VM sobre a localização da
Taberna do Quinzena em Santarém.
Como não estavam de acordo
quanto à localização,
disseram o que se transcreveu!!!


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Curtas do Metro – Não Mexas Nisso, Pá!

Não Mexas Nisso, Pá!

Estação de Baixa/Chiado, sentido Santa Apolónia.
Mais uma vez saí tarde do trabalho. São mais ou menos 20:30h. Venho a chegar à plataforma. Acabei agora mesmo de descer as escadas que lhe dão acesso. Do outro lado da linha, no sentido Amadora-Este, vinda do cimo das escadas, oiço uma voz feminina que grita de forma bem audível e em tom zangado, muito zangado:
– Não mexas nisso, pá!

Olho para trás no sentido do som e vejo um corpo de homem bem constituído, a rondar os quarenta anos, a voar e a rebolar escada abaixo até se estatelar no patamar intermédio com um estrondo surdo. Com ele rebolou uma mochila e um saco de papel que acabaram junto ao corpo. O homem ficou caído, imóvel. Uma rapariga de mini-saia azul-escura e uma blusa às riscas desce a escada. Ao lado dela vem um rapaz musculado com calças de ganga e uma t-shirt cinzenta. Apressa o passo. Quando passa junto do homem estatelado, o rapaz coloca o dedo em riste, baixa-se e grita-lhe:
– Nunca mais mexes no que não é teu!

Os dois acabaram de descer as escadas tranquilamente. Algumas pessoas rodearam o homem caído. Uma levantou-lhe um braço, mas ele não reagiu. O meu Metro chegou. Entrei, espreitei pelo vidro e vi o homem levantar-se amparado à parede. Parecia apontar no sentido do casal. O meu Metro arrancou. Troquei umas palavras de circunstância com uma senhora, mas nenhum de nós sabia mais do que isto. Gritos, um corpo caindo escada abaixo, mais gritos.

jpv