[Presidente Jorge Sampaio (Portugal) aceita a demissão do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Presidente Jorge Sampaio (Portugal) convoca eleições para 20/02/2005. Terremoto de 5,4 graus na escala Richter atinge o cabo de São Vicente. Eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique.
[Data da primeira publicação: 31 de Dezembro de 2004]
Falta de Originalidade Recomendável
Querida mana,
Nem mesmo no dia de todos os descansos, nem mesmo no dia em que quase toda a humanidade pára para se olhar eu deixo de escrever-te. Hoje são 24. Hoje cairá a noite das noites no primeiro de todos os jantares. Sinto encher-me a alma uma vontade indomável de fazer bem, de ser melhor. Um impulso de procurar os que necessitam de água e dar-lha a beber, de encontrar os que clamam por alimento e dar-lho a comer. S
into encher-se-me o peito de vontades inusitadas de cantar e fazê-lo só por isso. Apetece-me sair para a rua e cumprimentar os anónimos todos, distribuir apertos de mão, abraços e sorrisos pela medida do excesso de dar.
Hoje ouço as músicas que já todos conhecemos e pouco me importa quem as canta, como as canta, quem as publica ou quanto custaram os cd’s onde estão registadas. Interessa-me só que estejam no ar. Hoje todas as piadas têm graça e todas as pessoas são bem intencionadas. Hoje não vejo semblantes carregados porque não consigo.
Um dia destes assisti, com tristeza no olhar e escuridão na alma, a uma entrevista em que uma jornalista, no papel de interrogada, afirmava convicta das suas convicções, sólida nas suas posições, que não dava prendas para não alimentar a máquina consumista. E pensei nas suas razões. Pensei que a azáfama das compras pode ser só uma moda, pode ser só a consequência da monopolização de mercados e da manipulação de mentalidades. E pensei, também, que pode ser tudo o que quisermos, tudo o que sentirmos. Pensei que pode ter os significados todos que lhe imputarmos com a intenção do gesto de dar. A jornalista, mana, não tinha razão. Pior do que a moda de consumir para dar, é a moda da indiferença. A moda do comodismo racionalizado e solidamente assente e justificado nas razões que encontrámos para nos desculpar do acto de dar. Essa moda, eu não quero. Prefiro a recomendável falta de originalidade da elaboração da lista dos presenteados, do adivinhar do que gostariam, do tentar surpreender, da ginástica entre o que se quer dar e o que se pode dar no jogo do manuseio doméstico dos euros e dos dias do mês. Prefiro o sacrifício de enfrentar as multidões, prefiro oferecer um objecto que, como dizia a jornalista, não vai servir para nada, mas que oficiou o meu gesto de reconhecimento, de dádiva, de partilha, que fez de mim um homem melhor, mais em paz com a sua consciência e que, possivelmente e apesar da sua inutilidade futura, teve ali, por breves instantes, o poder miraculoso de arrancar um sorriso a uma pessoa que me é querida.
Não quero a originalidade crua e indiferente de virar as costas a um passado de tradições que representam o melhor que há na nossa envelhecida humanidade. Quero reviver e reavivar sempre esse inexplicável impulso que toca os homens e por breves dias, momentos especiais, nos faz ser melhor, traçar pontes e pontos de união, nos levanta os olhos à procura da estrela envoltos de pensamentos e sentimentos que, por instantes, se irmanam com aqueles que impeliram Baltasar e os companheiros na busca de um menino…
Quero, mana, o consumismo absoluto e sôfrego desse espírito a que chamámos natalício seja no abraço que vou dar-te daqui a minutos quando chegares para estarmos juntos, seja no brilho que me iluminou o olhar quando retirei da prateleira de uma superfície comercial a lembrança que escolhi para ti! O mundo continuará a rodar, os hipermercados passarão de moda, a jornalista não resistirá aos anos passados, eu também não. Contudo, desconfio que o espírito permanecerá sejam quais forem as circunstâncias que orientem as coordenadas da humana condição.
Feliz Natal, mana, agora e mais logo, também, quando abrires o teu presente.
Beijo
Mano.
Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me!
Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras...
jpvideira
https://mailsparaaminhairma.wordpress.com
25/07/2009 às 00:30
Tudo na vida tem uma explicação e como dizia o poeta no seu caderno de viagens “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Estranhei pois, os meus sentimentos e apelei às minhas memórias de forma a encontrar uma razão para tal desprendimento relativamente ao Natal e a tudo o que o rodeia. “Tertuliando” com uma amiga, vivi o sabor do passado e senti verdadeiramente os vestígios de inúmeras lembranças pouco agradáveis, onde muito poucas vezes o perfume da felicidade e da alegria aromatizou os meus encontros familiares. Esta viagem não ficaria completa se eu não dissesse que me fez bem recordar e entender que a magia se pode sempre encontrar ainda que com alguns anos de atraso.
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24/07/2009 às 09:52
Luís, eu, que sou ribatejano e de inegável costela marialva, logo, de masculinidade segura e afirmada, ainda que não preconceituosa, quase senti vontade de ser sua mana!!!! 🙂
Espero que volte e continue e presentear-nos com as suas palavras e, se quiser, envie também a foto ou o desenho que terei muito gosto em publicá-los aqui…
Um abraço,
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24/07/2009 às 01:11
Querida Mana. Segui a tua recomendação e cá vim. O Natal é o que nós quisermos. Infelizmente o sentido religioso já (quase) ninguem lhe o dá. Assim é tb com a Páscoa, com tantas outras datas que nos ensinaram na catequese. O que sobra do Natal para muita gente é poder presentear sem espirito algum de partilha. Os nossos e os armários de muita boa gente estão cheios daquelas coisas inuteis que muita gente nos deu. A minha luta, ainda sem as armas (ideias e ideais) bem organizadas, é criar as pontes. E continuo a achar que faço muito melhor as pontes com um desenho ou uma fotografia do que com um pyrex que vai ao forno a 300º. E se essa foto ou desenho, ou abraço for dado com sentimento, é uma ponte irredutível. Acredito nos brinquedos para as crianças, mas para nós, querida mana, devemos por mais AMOR nesta data. Idealista? sonhador? serei, mas um dia hei-de conseguir mostrar esse lado bom do Natal: partilha e comunhão.
Já vai longa a conversa, querida Mana. e escrever sem ler, vai sair bem, de certeza 🙂
Um beijo e feliz Natal (é quando quisermos)
Luis
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23/07/2009 às 00:20
Não fiques a pensar que sou desprovida de sentimentos, não é isso, porque felizmente gosto muito de presentear amigos e família com a minha disponibilidade, quer ao nível de sentimentos, quer ao nível de presentes propriamente ditos. Acredito que o Natal ainda é “sentível”, eu é que não o sinto, provavelmente da mesma forma que a maioria das pessoas.
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22/07/2009 às 23:22
Olá Teresa, não o sentimos todos da mesma forma mas gosto de acreditar que ainda é “sentível”…
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22/07/2009 às 22:24
Tentei várias vezes fazer um apontamento digno para este post, mas não consegui. Infelizmente não consigo sentir o Natal como a maioria das pessoas,nem o seu lado religioso, nem o seu lado consumista.
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