Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Quanto vale um par de cornos?

4 comentários

[Esta é a primeira publicação deste texto: 3 de Julho de 2009]

Olá Mana,

O título, hoje, pode parecer-te estranho. E é!

A sua estranheza vem-lhe do estranhamento que sinto na evolução do mundo que nos circunda e da inversão de valores que, paulatina e gravemente, se vai operando. Estive para titulá-lo com um mais digno e ilustre “A inversão” mas depois decidi não fugir a este apelo ribatejano e intrínseco de ruralidade e realidade confrontadora!
Eu lembro-me, como tu te lembrarás, de que não tivemos uma infância marcada pela punição física. Nem o pai nem a mãe iam por esses caminhos com facilidade. E lembro-me também de que, quando optaram por essa solução, ela teve sempre duas características, resultou de algo desproporcionalmente grave que pudessemos ter feito ou dito, que é fazer com palavras, e a falha foi-nos explicada. Valha a verdade, nenhum de nós ficou traumatizado ou deixou de fazer o seu percurso por causa de umas palmadas! Enfim…

Ora, estive aqui a tentar lembrar-me que razões poderiam levar os nossos pais a darem-nos umas palmadas pedagógicas ou, com menos pruridos de linguagem, uma tareia à moda antiga. E a primeira, a razão central, é a mentira! A mãe e o pai suportavam-nos as falhas quase todas mas a mentira vinha à cabeça das inadmissíveis. Por exemplo, se um de nós, na malandrice da infância que leva aos primeiros desafios do status representado e mantido pelos adultos se lembrasse de fazer um par de cornos a alguém, levaria, por certo uma repreensão, uns olhos muito abertos, umas palavras mais severas mas nunca uma tareia, umas palmadas… pura e simplesmente não era falta para tanto. Era uma parvoíce e uma falta de respeito mas nada que se comparasse a uma mentira.

Repara como as coisas mudaram. o Primeiro-Ministro mentiu ao parlamento e à nação quando disse que não conhecia o que se passava no negócio PT/TVI que depois, afinal, já conhecia. O ministro Manuel Pinho fez um par de cornos na Assembleia da República. o Primeiro-Ministro continua em funções. O ministro Manuel Pinho demitiu-se! E a demissão foi aceite por quem? Pelo Primeiro-Ministro!

Ambos tiveram um comportamento reprovável na Assembleia mas repara na inversão. Um gesto, reprovável, é certo, mas superficialmente desrespeitoso, uma parvoíce, uma criancice, teve a reconhecida gravidade de uma demissão enquanto que um gesto profundamente desrespeitoso, um dolo, uma fraude de carácter, passa em branco e incólume.

O que me preocupa é que há pessoas adultas e crianças a ver, a assistir, a comentar e há uma mensagem que, subtilmente, passa: mentir já não é tão grave como dantes. Mentir são só palavras ditas ao contrário da verdade. Aquilo que era a essência passa para a periferia dos valores, bons e maus, e aquilo que era a periferia está a tornar-se essência. E porquê? Porque é visível, porque as câmaras mostram! Ou seja, eu não sei, mana, ao certo, quanto vale um par de cornos mas fico apreensivo quando um par de cornos começa a valer mais do que uma mentira!

Beijo,

Mano.
Desconhecida's avatar

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

4 thoughts on “Quanto vale um par de cornos?

  1. Desconhecida's avatar

    eu imagino algo como isto: “ó pá… tu estás de saída e tem que ser depressa. como é que queres fazer isto, a bem ou a mal?”. “aaaaa… à doida!”, respondeu o outro. e se mal o pensou, pior o fez.

    gosto deste sítio!
    abraço

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  2. Desconhecida's avatar

    Uns dez minutos antes do Ministro ter “marrado” com o deputado Bernardino, o Primeiro Ministro gozou com despudor e insidiosamente o deputado Portas, disse Às gargalhadas que ele estava histérico e descomposto. Não tenho nenhuma simpatia pela ideologia perfilhada pelo deputado Portas, mnas confesso que me incomodou ouvir no rádio do carro, o tom e o conteúdo do que o Primeiro Ministro disse a Portas.
    Incomodou-me incomensuravelmente mais que o par de cornos do Ministro! Até porque o Bernardino bem os merecia, estava a “pegar” com o ministro hà imenso tempo.

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  3. Desconhecida's avatar

    Amiga, põe “piqueno” nisso…

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  4. Desconhecida's avatar

    O que Manuel Pinho fez na Assembleia é o reflexo da falta de valores e de educação existente neste país. Apesar de não ter desculpa, porque como nosso representante não o devia ter feito, penso que assistimos a muitas faltas de respeito e ofensas por parte destes senhores durante toda a legislatura.
    Este gesto foi apenas um desabafo de alguém que já não conseguia apresentar os seus argumentos por palavras e como diz o ditado popular “o gesto é tudo”, decidiu facilitar a sua defesa desta forma. As férias estão à porta, assim como, a temporada tauromáquica e esta foi apenas uma atitude publicitária ( grátis) de um dos valores culturais de Portugal. E assim vamos nós vivendo burlescamente neste “piqueno” país.

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