Monthly Archives: Julho 2009
O prémio da Gigi
[José Sócrates assume o cargo de primeiro-ministro de Portugal. Pedro Miguel Santana Lopes assume a Presidência da Câmara Municipal de Lisboa. O primeiro-ministro José Sócrates (Portugal) apresenta programa de governo. Portugal ratifica a European Landscape Convention.
[Data da primeira publicação: 4 de Março de 2005]
O prémio da Gigi
Querida mana,
A capacidade de viajar no tempo, assunto há muito debatido por cientistas e explorado por romancistas e cineastas, está ao alcance da memória de qualquer um. Viajava pelos dias primeiros da minha existência em busca de uma memória libertadora, algo que instigasse a reflexão, o sorriso e, porque não, a lágrima.
E aconteceu-me um fenómeno interessante. Fui para trás no tempo mais do que minha memória permitiria, consegui uma viajem catapultada pela convivência com esse ser extraordinário de generosidade e amor que é a nossa tia Geralda, à altura, infantil e carinhosamente tratada por Gigi que Geralda eram sílabas a mais para quem articulava as primeiras palavras. Como é que se deu tão peculiar viagem, com o me lembro de coisas que estão para lá do que consigo lembrar? Lembrar, não lembro. A minha mente vai só até à história que a Gigi contava. A história, essa sim, remonta a tempos que me estão difusos na neblina que tomba sobre o olhar do passado. Confiaremos, por isso, na tia Geralda que relatava, vezes sem conta, os dias que me tratara das fraldas, os passeios que dera comigo pelas ruas da cidade, exibindo o menino mais recente da família até chegar ao momento em que mostrava a recompensa que por tudo isso recebera. Levantava o dedo indicador e mostrava, bem visível, certa cicatriz que os meus dentes jovens lá deixaram… e terminava sempre comentando a firmeza com que eu fincara os dentes parecendo não querer largar a presa do momento. O que sempre me impressionou naquela cicatriz que o tempo foi tratando com dificuldade foi o facto de nunca ter sido realmente uma cicatriz mas mais um prémio de quem ama e dá só por dar e amar… Impressionou-me sempre o orgulho com que a nossa tia exibia todos os momentos que tínhamos vivido juntos mesmo que deles emergissem as coisas menos boas que a vida pode trazer.
E fiquei, assim, lembrando as minhas memórias e as memórias da Gigi que via nas feridas do tempo os prémios da vida. E fiquei, assim, pensando, como os educadores de hoje e os psicólogos e os pedagogos e os pais e os tios vão vendo estigmas de violência e agressividade onde a Gigi via amor e carinho. E lembrei-me de que queria dizer-te como seria bom que o nosso mundo estivesse mais polvilhado de tias assim, de mulheres que conseguem ver o amor mesmo onde parece que não está. A nossa tia tem crescido e envelhecido dando e amando como deveriam ter sido sempre os gestos de dar e amar: sem nunca esperar nada em troca, sem nunca conhecer os limites de dar e amar porque não têm limites, assumindo sempre o seu dar e o seu amar como prémios de vida de si para consigo…
E veio-me à memória um outro momento. Um momento em que cantámos toda a tarde uma cantiga que ela me estava ensinando. Um momento, mais, de dar desmesurado, de paciência infinita e dedicação total tão próprios da nossa tia: ela entoava a letra num ritmo suave e jocoso. Esperava que eu a aprendesse para a vida. E aprendi! Tal foi a lição de música, tal foi a convicção no ensinar que ainda hoje sou capaz de entoá-la de novo, e faço-o quase todos os dias…
2 x 1… 2
2 x 2 …4
2 x 3 …6
– Vá lá, filho, agora salteado… 2 x 4 … 8
2 x 3 … 6
E agora que o tempo passou e as máquinas de calcular querem fazer as contas todas eu ainda vou exibindo com orgulho esta canção de tabuada que numa tarde só a minha tia me ensinou enquanto brilhava ao sol certa cicatriz que o tempo ainda não apagou…
Beijo grande
Mano
O convite
[A TAP Air Portugal apresenta sua nova imagem corporativa. Morte de Lúcia de Jesus dos Santos (última pastora que viu a Virgem Maria em Fátima). Eleições legislativas em Portugal (vitória do Partido Socialista).Fundação da Sociedade Portuguesa para o Desenvolvimento da Educação e do Turismo Ambientais.
[Data da primeira publicação: 4 de Fevereiro de 2005]
O convite
Querida mana,
Não me surpreende, já o correr do tempo, a sucessão dos dias, a humana indiferença no atropelo quotidiano dos valores que deveríamos preservar. Não me surpreendem as grandes imoralidades, nem as grandes ofensas, não me surpreendem, também, os grandes gestos e as mais nobres atitudes. Nos dias que vão correndo, aqui sentado de frente para estas árvores que me cercam, a humanidade tem-me banalizado a grandiosidade e, por isso mesmo, as mentes mais despertas acordam para as pequenas coisas, os gestos mais insignificantes, as palavras mais simples. E tanto querer o grandioso, o Homem acaba idolatrando aquilo que primeiro ignorara: a autenticidade das coisas simples.
É precisamente de um gesto simples que venho falar-te.
É precisamente de um gesto simples que venho falar-te. Um gesto revestido de uma singela autenticidade, a marcar-me a alma, a deixar-me pensando nas horas que se seguiram e a multiplicar consequências e entrelaçados pensamentos que tentarei explicar-te em palavras poucas para o que senti. Um gesto que me chegou marcado por uma enternecedora singeleza mas que viria, em poucas horas, a assumir contornos de grandiosidade imensa no mundo de coisas a que este teu mano vai chamando seu.
Há pouco dias, o nosso primo Carlos passou cá por casa e convidou-me para seu padrinho de casamento. Senti a responsabilidade e senti, também a alegria de quem é eleito, considerado, amado. Como calculas, o facto só por si bastaria para me deixar radiante. A possibilidade de apadrinhar a felicidade daqueles que amamos é uma dádiva, é uma alegria pouco comum. Estarmos vivos e testemunharmos o crescimento daqueles que queríamos ver crescer, a felicidade daqueles que queríamos ver felizes é razão grande de despertar as emoções boas desta vida.
Houve, no entanto, na formulação daquele convite, algo que o viria a tornar ainda mais singular, uma realização do curso da vida que eu não esperava tão cedo. A certa altura ele terá articulado qualquer coisa como “o teu pai e a tua mãe são os meus padrinhos de baptismo, como o teu pai já cá não está, gostava que fosses tu o meu padrinho de casamento”
Foi aqui que vi o filme todo da existência humana. As sementinhas a germinarem em plantas que dão flor donde nasce o fruto feito vida que se come e se rejeita o caroço, quem sabe, se joga porta fora para ficar apodrecendo no chão onde estarão, também as sementinhas que reiniciarão o ciclo interminável da existência de todas as coisas. Alguém tinha pensado que eu podia estar no lugar do meu pai, do nosso pai. No lugar do homem que amámos e continuamos a amar, do homem que tinha o mundo nas mãos para no-lo dar, aquele de quem as nossas vidas dependeram durante tanto tempo, do homem por nós, em primeiro lugar, considerado insubstituível.
É bem verdade que estas coisas geram sentimentos contrários. Por um lado senti que, de alguma forma, a idade me estava chegando, as gerações se estavam passando e estes cabelos brancos e também a falta deles tinham agora a confirmá-los um convite para padrinho de casamento. Por outro lado, alegrou-me, mais do que isso, honrou-me a naturalidade e a simplicidade com que o Carlitos pensou que eu poderia assumir o que o nosso pai já não pode.
E ficaram para trás as grandes questões da actualidade, as grandes campanhas políticas, as grandes coisas da humanidade ficaram pequeninas à medida que a minha alma crescia e se aproximava do nosso pai pelos caminhos mais estranhos. Senti-me como a sementinha que vai gerar planta mas, curiosamente, esta sementinha sabia que houvera antes uma árvore frondosa e forte naquele local. Quase fui o poeta que queria ser a ceifeira e ter a consciência disso… e eu tinha a consciência que faltara ao poeta. Resta-me, agora, cumprir para com a família tal como faria o nosso pai. Tanto esforço gasto para perceber os males da nossa sociedade e encontrar-lhes o remédio e a resposta, a milagreira solução que se busca está mesmo à nossa frente: apostar inequivocamente nessa teia de relações, de sentimentos, de amores e ódios, de aproximações e afastamentos a que, consensualmente, chamamos família. Vê, mana, as voltas que um homem dá por causa de convite tão singelo, tão singelamente feito, tão sublimemente formulado.
Beijo
Mano.
Doze Passas
[Desmultiplicam-se os apoios, vindos de todo o mundo, para com as vítimas do Tsunami que atingiu em finais de Dezembro a Ásia. O número de vítimas calculadas sobe para uns incríveis 200000 (duzentos mil!!!). Portugal anuncia a retirada de seus soldados do Iraque. Assina-se o acordo de Cooperação Económica entre Portugal e China. Assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação entre Portugal e Argélia. Terremoto de 4,1 graus na escala Richter na região sul de Portugal.
[Data da primeira publicação: 14 de Janeiro de 2005]
Doze Passas
Querida mana,
Ultimamente, por uma qualquer razão ainda não consciencializada, tenho cedido ao impulso de indicar-te o dia em que me sento para escrever-te. Deve tratar-se de uma insondável necessidade de marcar a ferros, a fogo e a vontade de persistir a minha passagem pelo tempo dos nossos dias. Penso que todos os homens, ao menos uma vez na vida, sofrem de tal necessidade. Acomete-nos a dita quando nos apercebemos, com clarividência, da efemeridade de passarmos por este mundo. Hoje é dia 1 de Janeiro de 2005. O dia, só por si, pelo mundo de simbologias que carrega consigo dava assunto para uns quantos mails, teses de mestrado, doutoramento, dissertações diversas. A mim, serve-me, apenas, para usufruir da bruma de paz que envolve as árvores lá fora, para deixar passar o tempo sorvendo a tranquilidade do momento que, infelizmente, não é para todos os humanos, longe disso.
Sentado na cama, com o portátil no colo, contemplando a mulher de todos os momentos, de todas as alegrias e das dificuldades todas, descansando a meu lado, lembrei-me das doze passas que ontem comi no momento em que, no tempo do tempo dos homens, acordámos que fenecia um ano e nascia outro. Como sabes,não sou supersticioso. As minhas crenças na superstição não vão além do bater três vezes na madeira antes do Simão Sabrosa cobrar um livre directo para o Benfica o que, em abono da verdade, não tem servido de muito. Voltemos às passas. O primeiro problema que se me pôs foi se deveria comê-las uma a uma, como manda a tradição, ou engoli-las todas. Traí a tradição. Acho que este nosso Portugal e esta nossa Humanidade andam a fazer tudo com medos e prudências exageradas. Andamos todos com medo que algo corra mal e a vida acabe quando o mais certo que temos, consultados todos os tratados de filosofia e lidas todas as bíblias, é que a vida encontra sempre um caminho, uma saída, um trilho de luz. É chegada a altura, mana, de vivermos o bem e o mal, de caminharmos em frente, de sorvermos a vida como se cada momento fosse o último que o pode ser de facto! É essa a grande vantagem da condição humana, é esse o grande milagre da nossa existência: cada momento do devir é uma surpresa de vida! Nem mesmo os Deuses, pagãos, cristão e de outros credos têm essa benesse de uma vida continuamente suspensa no milagre do seu curso.
Assim, comi as passas todas à uma, como se tivesse a escolher viver nesta vida as vidas todas de que for capaz. E que desejei eu por elas? As coisas mais simples e fáceis de conquistar… se o Homem quiser!
Uma passa: que cada homem, no próximo ano, ao dirigir-se a um semelhante, o faça com amor nas intenções e verdade no coração.
Duas passas: que cada homem dê um passo pequeno ou faça um pequeno gesto para diminuir o sofrimento de um semelhente seu desde os sem-abrigo em Lisboa, às crianças doentes e famélicas no mundo inteiro passando, claro, por aqueles que sofrem na Ásia as consequências da devastação desse fenómeno natural que julgávamos só habitar os filmes de ficção americanos mas que, infelizmente, deixou de ser um efeito especial para ter efeitos reais.
Três passas: que a tecnologia que dominamos seja por nós dominada noutras direcções para além do armamento, das bombas, da destruição de nós mesmos. Que a continuemos a dominar, sim e sempre, mas, por exemplo, para fazer andar os que não andam, ver os que não vêem, tratar os que sofrem das maleitas da moda…
Quatro passas: que o poder político, humano que é, se oriente no sentido do entendimento das “pólis”. Dito de outro modo, que os homens de fato cinzento falem menos e façam mais e melhor.
Cinco passas: que saibamos orientar os excedentes de produção onde os há, porque os há, para onde possam suprir necessidades.
Seis passas: que todas as religiões se unifiquem num só propósito com um só sentido: trazer a tranquilidade espiritual e a vontade de bem fazer e de fazer por bem a toda a Humanidade.
Sete passas: que a saúde e a educação passem a orientar a política económica e não a serem orientadas por ela.
Oito passas: que a justiça social oriente o quotidiano dos homens e não viva ao sabor do que ele traz.
Nove passas: que os dias especiais como o Natal, o dia da Mãe, o dia do Pai, o dia do Professor, o dia da Água, o dia da Mulher, deixem de ser especiais porque passaram a ser todos os dias.
Dez passas: que as crianças sejam instituídas como o primeiro e mais importante património da Humanidade.
Onze passas: que se fundem muitas famílias e que todas as famílias cresçam e prosperem unidas na certeza de que a família é o primeiro de todos os valores da Humanidade.
Doze passas: que a nossa família assista com saúde, união e prosperidade a tudo isto no ano de 2005.
Como vês, mana, não sou um indivíduo de superstições nem de impossíveis. Não desejei nada que dependesse de entidades superiores, divinas. Nada desejei que dependesse de artes mágicas ou forças transcendentais. Fiquei-me pelas coisas simples que estão ao alcance da acção do Homem!!!
Feliz ano!
Beijo grande
Mano
Falta de Originalidade Recomendável
[Presidente Jorge Sampaio (Portugal) aceita a demissão do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Presidente Jorge Sampaio (Portugal) convoca eleições para 20/02/2005. Terremoto de 5,4 graus na escala Richter atinge o cabo de São Vicente. Eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique.
Querida mana,
Nem mesmo no dia de todos os descansos, nem mesmo no dia em que quase toda a humanidade pára para se olhar eu deixo de escrever-te. Hoje são 24. Hoje cairá a noite das noites no primeiro de todos os jantares. Sinto encher-me a alma uma vontade indomável de fazer bem, de ser melhor. Um impulso de procurar os que necessitam de água e dar-lha a beber, de encontrar os que clamam por alimento e dar-lho a comer. S
into encher-se-me o peito de vontades inusitadas de cantar e fazê-lo só por isso. Apetece-me sair para a rua e cumprimentar os anónimos todos, distribuir apertos de mão, abraços e sorrisos pela medida do excesso de dar.
Hoje ouço as músicas que já todos conhecemos e pouco me importa quem as canta, como as canta, quem as publica ou quanto custaram os cd’s onde estão registadas. Interessa-me só que estejam no ar. Hoje todas as piadas têm graça e todas as pessoas são bem intencionadas. Hoje não vejo semblantes carregados porque não consigo.
Feliz Natal, mana, agora e mais logo, também, quando abrires o teu presente.
Beijo
Mano.
A Dissolução da Assembleia e a Demissão do Ministro
[Presidente Jorge Sampaio (Portugal) aceita a demissão do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Presidente Jorge Sampaio (Portugal) convoca eleições para 20/02/2005. Terremoto de 5,4 graus na escala Richter atinge o cabo de São Vicente. Eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique.
[Data da primeira publicação: 17 de Dezembro de 2004]
A Dissolução da Assembleia e a Demissão do Ministro
Querida mana,
As famílias têm destas coisas. E estas coisas são as oscilações nos relacionamentos entre os que compõem as famílias. Hás-de lembrar-te, como eu, de dias intermináveis de entendimento em que parecia ter baixado à terra um qualquer halo de entendimento e comunhão, em que todas as pessoas das pessoas todas que nos interessavam pareciam ter acordado para sorrir, para oficiar a simpatia. Eram dias de tolerância e de uma humanidade melhor. Um almoço em comum com viagens de sacrifício, esperas de preocupação sem telemóveis para as encurtar, a alegria do reencontro, as lágrimas, os abraços, e a falta de originalidade das perguntas que não nasceram para ser originais, tão só a expressão sincera de estarmos juntos: “estás com bom aspecto!”, “como corre a vida?” “a viagem foi boa? Fiz uma receita de bolo rei…” Ou um piquenique de areias brancas, fatos-de-banho à anos setenta e talhadas roídas de melão a espreitar, inconscientes e despreocupadas, da areia vulnerável ao ser português que vem morrendo sem consideráveis melhoras da areia. Ou noites infindas de natais maravilhosos de dormir pelo chão, conversar as conversas todas, provar todos os doces, beber de todas as taças e contar as histórias todas já todas ouvidas mas sempre bem-vindas aos momentos de estarmos juntos!
Nestas alturas fomos uma união, um grupo coeso, sem brechas no horizonte.
Fomos uma célula coesa da sociedade que gravitava em volta. Não nos dissolvemos nem nos demitimos do que escolhêramos ser!
Também te lembrarás, com menos razões para sorrir, dos dias mais cinzentos (perdoe-me o cinzento pela parcialidade cromática), das vozes iradas, das grandes discórdias. E lembrar-te-ás, com apreensão no teu rosto de menina que nunca te vejo mulher, dos gestos de que a família se arrependeu ou devia ter arrependido, das decisões a abrir facções de opinião, do não pensarmos todos o mesmo. Lembras-te, de certo, dos períodos mais ou menos longos, mas sempre condenáveis em que alguém não conversava com alguém. Em que o peso de afirmar-se na vida e nas convicções pessoais rasgou a coesão e a vontade de estarmos em uníssono. Eram momentos de dor para os envolvidos e de dor eram esses momentos para os que observavam o processo com conselho daqui, opinião dali. Quase parecia, nesses momentos, que o mundo fazia menos sentido. Que a razão de estarmos vivos se nublava na frente dos olhos e perdíamos, um pouco, perante a imensidão do mundo sem a coesão dessa célula a que fomos chamando família por hábito e tradição.
Não fomos, nesses momentos, uma célula coesa da sociedade que gravitava em volta, contudo, mana, a menos que a memória me atraiçoe o raciocínio eu diria que nem mesmo nesses momentos algum de nós se atreveu a dissolver a célula ou a demitir-se dela!
O que seria de nós se o avô deixasse de ser avô, se as tias deixassem de ser tias, se o pai deixasse de ser pai, se a mãe deixasse de ser mãe, se a avó deixasse de ser avó? O que seria de nós se nos tivéssemos dissolvido e demitido deste compromisso que é ser eu teu irmão e tu a minha mana?
Beijo,
Mano.
Um homem no mundo
[Presidente Jorge Sampaio (Portugal) aceita a demissão do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Presidente Jorge Sampaio (Portugal) convoca eleições para 20/02/2005. Terremoto de 5,4 graus na escala Richter atinge o cabo de São Vicente. Eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique.
Querida mana,
Há homens que vivem a vida que os escolheu.
Há homens que nunca chegam a saber que estiveram vivos.
Há homens que passam ao lado da vida empunhando bandeiras de nada e ideais que nunca o foram de tão vazios.
Há homens que vivem perdidos porque já nasceram perdidos na imensidão humana de um universo que os assusta e os apouca como se a mesquinhez do universo fosse grande.
Há homens que tentam ávidos ou desesperados a dignidade e procuram-na, diligentes, por todo o lado menos por onde se pode encontrar a dignidade.
Há homens que se enganam a vida julgando enganá-la.
E há o nosso avô. Esse colosso de existir que sepultámos há poucos dias. Essa perda para o mundo mais do que para ele.
O nosso avô Velez caracteriza-se facilmente. Um corpo imenso como convém para abrigar uma alma também ela imensa. Um corpo de enfrentar as agruras, de segurar as investidas que os cornos da vida fizeram numa geração que sofreu tudo o que havia para sofrer. Um homem de encher uma sala de risos ou lágrimas que ele próprio derramava numa antítese figura-corpo para quem o não conhecesse mas, digam o que disserem, a fazer todo o sentido para quem cresceu à sua beira. Um homem cuja primeira palavra era honra e a última também. Um carinho a brotar de um corpo imenso no elogio dos netos, das filhas, do mundo que o rodeava. Um dinamismo de querer viver a vida toda de uma vez na avidez de segurar cada momento. Uma presença inigualável. Uma saudade que magoa mas adocica a memória de lembrar o que vivemos com ele.
O avô Velez tinha duas características e lembro-me do o ver viver sempre de peito erguido para a vida empunhando-as como a lemas, como espadas de defender-se, como a lemes de conduzir-se, de conduzir quem o acompanhava. Uma era a força das suas virtudes. Irrompia com ela pela vida de quem se cruzasse. Desempanava automóveis na beira da estrada, dava boleias a quem já se cansara de esperar, distribuía o que tinha como se tivesse muito e, por vezes, pouco era. Distribuía alegria como quem dá tudo o que tem: o dom de viver a vida sempre pelo lado do sol… uma só palavra, uma só honestidade, uma só cara, uma só seriedade e, com elas, a força de encarar o mundo e o que ele trouxesse. A outra característica era a coragem dos seus defeitos. Assumia-os como quem dá a cara a ver se dói. Assumia-os como que para garantir a sua humanidade e nunca se escondeu deles, nem os ocultou de quem tinha o privilégio da sua companhia. E era neste tactear de defeitos e virtudes que nos mostrava como vive um homem no mundo.
O que mais aprecio no homem que agora nos deixa saudade é um aspecto que me parece um tanto esquecido por quem quer ser homem nos nossos dias: a integridade e a verticalidade. Um homem que nunca fugiu do seu mundo mas o encarou, o trabalhou, o amou e por fim, o deixou com a serenidade de que só os heróis são capazes quando enfrentam a negra e derradeira inimiga.
Paz à sua alma.
Beijo,
Mano
A Joana e a Carmo são
[Durão Barroso aceita ser presidente da Comissão Europeia e é substituído por Santana Lopes no Executivo. O Prtesidente da República, Jorge Sampaio, dissolve o Governo e convoca eleições antecipadas. Realiza-se o XXVI Congresso do Partido Social Democrata – PSD (Barcelos). Tem Início o julgamento do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa. XVII Congresso do Partido Comunista Português (Almada).
[Data da primeira publicação: 19 de Novembro de 2004]
A Joana e a Carmo são
Querida mana,
À medida que os anos passam e se alonga e expande a teia de memórias que me faz homem e à medida em que os pratos da balança em que colocamos a vida vivida e a vida por viver se vão aproximando até trocarem, inexoravelmente, as posições originais alteram-se-me na alma as perspectivas do mundo ou, quem sabe, altera-se o próprio mundo. Quando era pequenito e passeava contigo no carrinho de bebé rua abaixo, rua acima, perguntei, certa vez, à mãe o que é que o papá era… é exactamente aqui que quero parar para reflectir contigo. O verbo, à altura, altura de anos poucos e verdes não foi reflectido, foi intuído pela intuição que nos traz o senso comum, a vida que nos rodeia. Lembro agora o quotidiano de então, os amigos, as conversas dos adultos e sempre que encontro na memória alguém a perguntar a alguém qual o seu trabalho, encontro este perturbante verbo ser. As pessoas de então não faziam para ser, eram para fazer. Era-se professor, era-se camionista, era-se engenheiro, era-se pedreiro, era-se médico, era-se empregado de balcão e devido ao que se era fazia-se o que se devia. A profissão instituía-se, nas diversas áreas, com foros de vocação de ser para uma vida inteira, pressupunha um indagar interior, um descobrir das capacidades, das tendências e exigia a dedicação de ser-se o que se tinha escolhido para sempre. Excepções à parte, que as há-de haver sempre, os profissionais tinham esta peculiar e inusitada característica: eram o que escolhiam ser, eram uma profissão, só uma, eram-no para sempre. Conheci mesmo pessoas que, aos cinquenta ou sessenta anos tinham sido aquela escolha sempre e só!
O pai foi comerciante, o senhor Sá foi alfaiate, a Nô foi médica, a Paula David foi professora.
Foi-me a memória remexer o sótão das ideias e levantar a poeira dos tempos porque tenho reparado nas mudanças que estas coisas sofreram. Hoje não se pergunta às pessoas o que elas são, pergunta-se o que elas fazem: “dou aulas”, “faço projectos para a Câmara Municipal”, “atendo ao balcão”, “dou serventia”, “arranco dentes”, “faço próteses”, um sem número de coisas que toda a gente faz ninguém é…
Talvez seja altura de nos perguntarmos como veio isto a ser assim. Talvez que a sociedade tão afanosamente construída e alicerçada em princípios de pluralidade cultural, princípios de economia global, princípios de generalização universal, tenha esquecido a especificidade dos povos e, claro, das gentes. Decorre daí que, ao formarmos os jovens, ao apontarmos as saídas do presente e as entradas do futuro, não estejamos a induzir essa tão básica mas tão fundamental questão posta por um grego antigo, velho e desactualizado já só visto na secção dos bustos alvos dos museus ou nas páginas esquecidas de livros da especialidade: conhece-te a ti próprio. E a formação dos homens e das mulheres que hão-de tomar conta do nosso mundo assenta em profissionais que o vieram a ser com base em questões intrigantes e perturbantes: “Que saída tem este curso? Dá emprego?”, “O que é que eu posso fazer que chegue para um apartamento e um carro?”, “Quanto ganha um…?” “Em que universidade é que há este curso? A que distância fica ela? Quanto custam as propinas?”
Talvez por isto, a maioria dos jovens chega aos vinte e muitos anos e ainda não é nada mas já fez muita coisa. Contudo, trazem nos olhos a insegurança, a incerteza e ainda não tiveram tempo nem oportunidade para ter a coragem de perguntar o que sou eu?, que quero eu de mim?, da vida?
Por isso te escrevo hoje sobre duas jovens que conheci, acabadinhas de formar: a Carmo e a Joana. Terminava o século vinte, abriam-se os portões sombrios da crise com que se inaugurou o século vinte e um e elas foram para artes. Formaram-se em pintura! Assim, sem mais nem menos, em pintura. E sabiam que não teriam emprego, e sabiam que percorreriam o calvário, que tu própria trilhaste, dos centros de emprego, dos curricula, das cartas de apresentação, e sabiam que a resposta seria um não rotundo e invariável, mas assumiram a coragem de ser e não o imediatismo de fazer! E onde vivem a Carmo e a Joana? Vivem num país que se queixa de falta de mão-de-obra especializada, de falta de formação, de falta de educação, de crise cultural, de crise de identidade, vivem nesse mesmo país que rejeita e atira para as malhas do desemprego e do desânimo as pessoas que tiveram a coragem de aprender e que podiam proporcionar-nos tudo o que nos faz falta. Vivem num país que se lamenta da falta de essência e atira a essência para a valeta da negação e do insucesso.
Aprender, em Portugal, mana, é uma coisa muito perigosa. Perigosa ao ponto de poder dedicar-se uma vida a aprender e depois levar-se com rótulo de inútil e incapaz para a moderna sociedade das tecnologias, da informação, da comunicação, das skills, das visibilidades, das quintas, das celebridades, da negação da essência. Mas tenho esperança em Portugal, mana, enquanto houver uma Joana e uma Carmo que, como tu, teimosa e obstinadamente teimem em ser!
Beijo,
Mano
A professora Cilita
[Durão Barroso aceita ser presidente da Comissão Europeia e é substituído por Santana Lopes no Executivo. O Prtesidente da República, Jorge Sampaio, dissolve o Governo e convoca eleições antecipadas. Realiza-se o XXVI Congresso do Partido Social Democrata – PSD (Barcelos). Tem Início o julgamento do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa. XVII Congresso do Partido Comunista Português (Almada).
[Data da primeira publicação: 5 de Novembro de 2004]
A professora Cilita
Querida mana,
A vida tem destas coisas. Institui em algumas pessoas e no percurso que traçam certo estatuto que escapa à quadrícula mesquinha dos impressos onde, por razões diversas, vamos deixando o rasto da vida: nome, profissão, número do bilhete de identidade. Umas ficam marcadas pela alcunha que descreve em poucas palavras toda uma vida e, às vezes, a vida dos antepassados também. Toino Manso, Manel Carrapicho, Quim Meia-Leca, Baltasar Sete-sóis, a menina Augusta, que foi menina até aos seus noventa e sete garbosos anos, altura em que combinou com o Senhor que já chegava e, claro, a Zefa da rua de cima, a Laurinda das lãs e a Clarinha do Felisberto que tentou, em vão, ser Clara como gostava e queria. Outras, marcadas ficaram por essa segunda pele que é o ofício, o labor do quotidiano e a responsabilidade de dar a cara por cumpri-la substitui-se à pessoa que lê, que cozinha, que ri, que chora, que ama, que cria os filhos, que vive e morre sem direito ao nome que lhe puseram, bonito ou feio não vem ao caso. O que importa são as frases que ficaram no ar a vestir a identidade dos humanos que, por vontade própria ou não, se rouparam com elas: “Telefonas ao canalizador?”, “Falaste com o empreiteiro?”, “Passas no sapateiro?”, “Hoje tive de enfrentar o gerente…”, “a senhora professora dá licença?”
E chegados aqui à senhora professora, fico a ver, na segunda carteira da fila da janela, um miúdo de olhar posto no entusiasmo da vida a sorver as palavras de encanto e magia que a professora Cilita tem para revelar. Nunca soube, como não sei hoje, o nome da minha professora da primeira classe e, contudo, marcou-me os dias de crescer devagarinho com as primeiras letras lidas, os primeiros traços atabalhoados de escrita. Uma carreirinha de as, uma carreirinha de bês, “vá lá, não te esqueças: para cima, para baixo, mais um pouquinho para cima e agora a perninha, isso, vês que bem…” Revelou-me o mundo mágico das histórias e um dia ofereceu-me um livro. Que milagre aquele. Um livro inteiro só para mim, dado pela minha professora…
Na comunidade em que vivíamos poucos saberiam, à excepção da família porque lho puseram, o nome da professora Cilita. Professora não era nome. Cilita era meio nome ou um nome a fazer de conta de outro nome. A expressão junta, professora Cilita, era uma alegria de ir pela manhã de pasta às costas, era um respeito de tratá-la como aos próprios pais, era o poder mágico e inimaginável de ver o giz desenhar milagres no quadro negro. Era o mundo pela frente nas mãos de uma voz suave e firme, de uma bata branca a cheirar a aprender, de um olhar que dizia, a cada momento “vai, aprende e toma o mundo que é já teu ainda que o não saibas…”
Esta autoridade natural, este respeito pela figura do professor, este acreditar tranquilo na transmissão do saber e do universo de geração em geração foi sendo conquistado pelas modernas teorias do ensino, da aprendizagem e da aprendizagem da aprendizagem. Da professora Cilita, entretanto desactualizada, jubilada pela idade, fica só a memória. O presente é que sim, é que está bem, é que ensina. Se não vejamos: para começar, o ano lectivo acaba muito mais tarde e começa muito mais cedo! Logo, o tempo de aprendizagem é maior! A coisa vai até Julho com uns a acabar e outros a continuar como convém à tranquilidade e à especificidade do clima mediterrânico! E começa logo em Setembro, sem tempo a perder. Aliás, para que precisam as famílias de férias em Setembro se tudo enlatadinho em Agosto faz muito mais jeito às carreiras turísticas formatadas pelas agências? Brincar não serve, a brincar não se aprende. De resto, quem é que guardava as crianças? Onde é que as enfiávamos? Depois, bem, depois, os professores são electronicamente colocados e claro que o computador adivinha com a exactidão de quem não sabe o que é errar qual a especificidade humana mais compatível com as características de certa região, determinada população. Por isso estão os de Bragança em Faro e vice-versa! Mas há mais. Vêm aí as novas tecnologias e anunciam-se os tempos em que um bom orador pode facilmente ser substituído por um monitor e duas colunas de som. Em que um conselho, um olhar, uma intuição, uma metodologia e um acompanhar como quem embala serão substituídos pela voz metálica das instruções multimédia! Repara mana, repara bem, o professor continua lá: estuda as metodologias, passa-as aos técnicos que as colocam nos cd’s e na web que são vendidos aos alunos que lêem os professores em diferido, assim é que é: futuro a valer!
Faz-me falta, mana, a tranquilidade de ser professor. A naturalidade de ensinar, a força de não ter vergonha de transmitir conhecimentos, esse pecado pedagógico com que andámos anos a fio a traumatizar as criancinhas! Esse pecado com que me mutilou a alma a professora Cilita. Mutilada está, sim, de saudade…
Beijo,
Mano
Não sou um construtor desta modernidade
[Assinatura de acordo relativo à Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Eléctrica. 8ª Conferência Nacional de Ambiente – Centro Cultural de Belém – Portugal. Morte do poeta português José Maria Machado de Araújo. Timor-Leste torna-se membro do International Finance Corporation – IFC.
[Data da primeira publicação: 22 de Outubro de 2004]
Não sou um construtor desta modernidade
Querida mana,
As palavras que te escrevo hoje têm a intitulá-las uma frase que assume foros de anacronismo a desafiar a contradição. Tentarei deixar-te marcado na alma o percurso que me levou a tal síntese. Tentarei que percebas as voltas que levam um homem do seu tempo a negar a sua construção. O natural é sermos todos construtores de tudo o que nos rodeia. Activa ou passivamente, bem entendido.
Quando a memória me deixa, vagueio pelos tempos passados à procura, neles, das coisas, dos pensamentos, dos sentimentos e das atitudes que mais sentido fizeram como que a pedir-lhes reedição para este presente que vivemos. O tempo é nosso. Usamo-lo como queremos. Até me espanta que se gaste por esse mundo fora tanta verba em investigação sobre máquinas de viajar no tempo quando a melhor delas tem-na cada um de nós nesse precioso acervo que o cérebro vai coleccionando do quotidiano que hoje é e amanhã foi!
Em São Pedro d’Alva não havia dias amenos. Ou as manhãs acordavam frias de deixar a roupa hirta de gelo nas cordas de estender depois de noites que cobertor algum conseguia aquecer, ou o sol despontava forte a queimar, a pedir águas para as sedes, sombras densas para os calores. E foi debaixo de um sol assim que o nosso avô se sentou num banco à porta da loja tantas vezes que parece que ainda o lá vejo quando por lá passo. Os homens passavam, entravam ou não, mas saudavam-no sempre. Ali, o tempo tinha tempo. Por vezes, como que a desafiar a monotonia da tranquilidade, dos dias sem surpresas, os homens demoravam-se um pouco mais. Falavam do clima, contavam das eiras, dos valados, dos pinheiros, das batatas, da vinha, como se falassem de filhos pequenos a crescer. E por vezes, também, a criar uma nota diferente na conversa, surgiam frases atiradas ao vento e aos ouvidos como quem lança uma sorte, desafia um destino: “aquelas terras ali abaixo daquilo do compadre Celestino eram boas para o compadre…” Não eram precisas mais palavras que outras tantas como estas: “eram sim senhor, e quanto quer vossemecê por elas?” Ajustava-se a verba e sem mais palavras nem papéis que aquelas que haviam sido ditas nem mais garantias que “ser eu quem sou e vossemecê quem é” o negócio fechava-se digno e justo na confiança dos homens.
São estes gestos simples mas absolutos, de uma integridade a desafiar futuros incertos, de uma honestidade de homens rectos, erguidos na vida do chão ao céu, com o corpo maltratado, mas a face limpa, que vão escasseando e fazendo falta à nossa modernidade.
Entristeço-me, hoje, com a poeira que as palavras levantam a tentar ocultar verdades que se não podem esconder porque estão à vista de todos. Entristeço-me com os atletas olímpicos que tomam substâncias dopantes, dizem que as não tomam e vêm depois pedir desculpas por tê-las tomado! Entristeço-me com as mães que lastimam os filhos raptados que elas próprias, afinal, haviam subtraído à vida! Entristeço-me com os políticos que ontem tinham provas inequívocas da existência de armas que hoje sabem nunca ter tido a certeza de existirem. Choca-me a impunidade de tudo isto mas, sobretudo, magoa-me a forma como se maltrata a dignidade humana. Magoa-me a leviandade com que se vive com duas caras. Magoa-me o coração de pai, a facilidade com que se mal educam os nossos jovens. A palavra dita não vale muito. A palavra, mesmo escrita, vale muito pouco! O que hoje se diz amanhã se nega. Vivem-se os materialismos e os interesses inerentes e esquecem-se os princípios que deveriam reger as relações entre os homens.
É neste sentido, mana, que não quero ser um construtor desta modernidade. Prefiro erguer a face, o corpo e o carácter e fazê-los fustigar, erectos, pela imoralidade que graça, do que ceder aos jogos de palavras, aos arranjinhos, ao diz que não disse… prefiro um gesto verdadeiro que doa do que um sorriso meigo sem verdade nem dor.
Este homem que sou veio ao mundo pelas mãos honestas de seus avôs, de seu pai e, mais tarde, de seu sogro. Este homem que sou não quer esta modernidade para si. Não é esta a herança que quero deixar ao meu filho. Este homem que sou há-de viver a sua honestidade, há-de sofrê-la, morrer com ela seja qual for a face da modernidade.
Espero só que, enquanto vivo os meus dias, consiga fecundar no carácter do meu filho e dos jovens que me passam pelas carteiras da escola umas quantas sementinhas de verdade e de integridade a ver se amanhã a modernidade é outra!
Beijo,
Mano