[A razão principal da guerra no Iraque não foi a questão das armas de destruição maciça, mas o afastamento de Saddam, a fim de permitir a Washington “retirar as suas tropas da Arábia Saudita e abrir caminho ao controlo global do conflito no Próximo Oriente”. A afirmação é de Paul Wolfowitz, braço direito de Donald Rumsfeld e número dois do Pentágono. Herman José é constituído arguido no caso da pedofilia. Paulo Pedroso é detido no âmbito da investigação do mesmo caso. O F.C. Porto vence a Taça Uefa na final contra o Celtic de Glasgow treinado pelo incontornável José Mourinho.
Olá mana,
Lembro-me de quando ainda éramos quatro à mesa.
O pai no topo, cotovelos assentes e mãos entregues uma à outra como que encimando uma pirâmide. Olhava-nos com a alegria de quem vê crescer uma obra de arte. A sua obra de arte. E o seu sentir era um misto paradoxal do altruísmo de quem deixa crescer, de quem sabe deixar viver, e do narcisismo de quem se regozija na contemplação de si na sua obra. Nós ladeávamo-lo.
A mãe e tu de um lado, eu do outro, bem de frente para ti, à distância de uma malandrice, de um risinho, de um segredo por desvendar. A mãe chegava-se bem para cima até conseguir cruzar um braço seu com os do pai. Às vezes penso que fazia isto só para sentir a força. Era a nossa mestra da mesa no preparo dos alimentos, no cruzar artista dos temperos. Lembro-me de a ver olhar o pai e servi-lo com o carinho e o desvelo de quem guarda um tesouro. E nós, cachopos de pontapés por baixo da mesa a retomar uma qualquer escaramuça de antes da refeição, nem reparávamos no milagre que ali tínhamos. E com o passar do tempo aquele ritual de quatro à mesa instaurou-se nos hábitos, no estar, no ser e ajudou a construir as pessoas que somos hoje. Era muito mais do que estarmos juntos. Tratava-se de um momento íntimo daquele núcleo de força, daquela família. O mundo lá fora podia estar a desabar de desgraça, a inchar de riso, a política podia mudar, a finança podia colapsar, podíamos até estar zangados, tristes uns com os outros ou só com o rumo da vida mas… àquela mesa não se faltava. Aquele era um momento em que estávamos os quatro em um só. Era a reunião do clã. Tudo ficava para trás e o mundo era nosso por uns momentos. Por esse tempo, de vez em quando, um de nós caía à cama com as maleitas próprias do tempo ou dos descuidos que marcavam a idade em que os casacos estorvavam e os chapéus-de-chuva eram para os velhos. Depois do tempo necessário para a recuperação ter passado, assinalavam-se as melhoras do paciente com o retorno ao convívio à mesa dos quatro. Ainda me lembro de pensar, ingénuo, no dia em que regressou à mesa após o primeiro enfarte que o pai estava curado, até já tinha jantado connosco!
Sabes, assaltaram-me estas lembranças quando um destes dias fui a Lisboa com a Paula participar num congresso. Numa das pausas para almoço dirigimo-nos a um restaurante da Universidade e, por via da falta de lugares, partilhámos a mesa com uma pessoa desconhecida. Foram minutos dolorosos de silêncio, dolorosos de indiferença, de nada para dizer. Três à mesa e ninguém parecia estar ali ou querer ali estar. Só então percebi o quão íntima é uma refeição. Tudo o que de nós revelamos nos pequenos gestos, nas opções mais insignificantes. Só então percebi que a impessoalidade cresce entre nós por mais que sejamos. Ali estava eu numa urbe de milhões, cercado de semelhantes aos milhares e completamente só numa mesa com três pessoas. Ali se cometera um crime. Ali se assassinara o milagre da refeição. Em nome de quê? Em nome de quê a indiferença? Em nome de quê a impessoalidade? Em nome de quê a solidão? Em nome de que crescimento este definhar das relações humanas? Ainda esbocei um gesto que salvasse o momento:– Vou buscar cafés, a senhora aceita um café?
– Eu pré-comprei o meu. Obrigada.
E pronto. A tecnologia dos almoços em pé, dos pré-adquiridos, dos pré-comprados, dos pré-pagamentos, aniquilou o meu estender de mão e hoje guardo, para contar aos netos, a história triste do dia em que almocei com uma desconhecida, em que violei a sua intimidade e vi a minha devassada sem saber porquê. É essa a parte que me assusta : três à mesa sem saber porquê!
03/06/2009 às 17:43
Conheci em tempos alguém que quando queria estar só, sentava-se na esplanada da pastelaria Suiça em Lisboa e olhava demoradamente os movimentos dos corpos e rostos de quem ia passando com um livro por entre as mãos. Mas também havia quem estivesse só e ia para a mesma esplanada para se sentir menos só e às vezes um simples molho de grelos espigados era um ramo de flores oferecido.
GostarGostar
03/06/2009 às 13:25
Vale. Claro que sim… Em coerência com o teu texto… não sejas o outsider dos outros… de mim neste caso. JP
GostarGostar
03/06/2009 às 12:37
Pois posso, posso usar o mail do blogue. E também posso usar outras formas de contacto que tenho à mão. Mas valerá a pena deixar o meu ilhéu ?
GostarGostar
03/06/2009 às 10:07
Anónima, o teu comentário, além de exacto, está soberbamente escrito. Muito obrigado pela luz das tuas palavras. Gostava muito de saber quem és. Podes usar o mail deste blogue… Mais uma vez, muito obrigado. JP.
GostarGostar
02/06/2009 às 22:54
Este teu texto tocou-me especialmente.
Li-o, ficou em banho Maria e só pensei nele a sério, um pouco mais tarde quando alguém muito querido me dizia que costuma assistir a concertos de uma cantora de que gosta, completamente sózinho, só para ninguém o chatear.
Aparentemente o facto nada tem a ver com o assunto do teu texto. Mas para mim algo se cruzou.
Porque é solidão que o teu relato me evoca. Solidão da pior; aquela que nos faz uma ilha no meio de um concerto, um corpo sózinho numa cama de casal ocupada por dois, ou uma boca vorazmente solitária entre convivas.
Aquela solidão que está fora de nós, a que reside nos que nos rodeiam.
Mil vezes estar sózinha a sério.
GostarGostar