Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

O meu ET

7 comentários

[Este texto nasceu de forma espontânea e nunca foi corrigido ou melhorado. Foi enviado por e-mail para a minha irmã. Ela pediu mais e fui escrevendo, foram-se conhecendo e acabaram num jornal regional. Guardo-o sempre como a origem de todo o processo de escrita destes mails que se transformaram em crónicas. A ideia era ir ao passado desenterrar tesouros e confrontá-los com o presente…

Primeira Publicação: o texto data de 2000 e nunca foi publicado. É, portanto, inédito.]

O meu ET.
Coimbra, algures no Outono de 1984…

Nas águas furtadas do nº 49 da rua figueira da foz há um cadeirão, nesse cadeirão está um rapazola, os olhos brilham… O entusiasmo torna-o rubro, parece que vai rebentar de alegria. Entre as mãos trémulas de felicidade tem um envelope perfumado de um remetente feminino. Abre-o à saciedade, os olhos procuram a escrita do coração e… Mais rápido do que crescera, o entusiasmo morre súbito, a alegria cai pelo chão, o encarnado das faces mantém-se mas agora é de raiva. A carta era do passado, escrita em tempos anteriores, já lida e relida, já sem novidades. De súbito levanta-se, “foi ela” pensa. Apressa-se para o quarto da irmã mas não precisa de lá chegar. A meio do caminho, na sala, mãe e irmã riem-se cúmplices da partida, e o pai, ao fundo, sorri. Acha piada mas o respeito impele-o à serenidade. Sempre.

O resto já sabes… A remetente era mesmo uma cabra safada. Não é isso que interessa. O que interessa é o quadro que me ficou gravado na memória: tu, cabelito curto, olhar brilhante, sorriso de quem surpreende, malandreco como só o teu. A mãe, já na altura lembrando-me a avó, só a minha memória ainda se não tinha apercebido disso pela certeza de que ela ia durar para sempre e não seria preciso lembrá-la. Ilusões de cachopo adolescente que acredita no dia em que virá um ET com a poção da vida eterna para ele usar com um número limitado de pessoas: curiosamente as da sua família. Tantos anos contei a família. Tantos esperei por ele. O meu ET não veio. E agora se viesse seria tarde demais. Já não o quero. E o pai, indescritível, por não ser necessário relembrar o que se não esquece. Um pilar. Uma segurança. Uma certeza de que tudo vai correr bem. Isso é ser pai. O resto são complicações de heranças e distribuições de coisas que ninguém precisa mas todos querem.

O que quero é mais fins-de-semana contigo por perto. O teu cheiro, ainda de menina, sempre de menina para mim, a tua sinceridade pueril – como é possível conservar uma coisa assim tão pura aos 28 anos! – a tua honestidade, gravada no mais profundo de ti e espelhada nos teus gestos, na tua insegurança feminina. Escrevo-te porque ainda agora aqui estiveste, ainda agora partiste e já as saudades me roem o peito, e já quero ver-te outra vez. Primeiro não soube porque era este tumultuo mas depois investiguei a minha mente e descobri: é que algures neste fim-de-semana movimentado de almoços e jantares, bolas e filmes, pais, mães e cunhados, eu vi os teus olhitos pretos, brilharem outra vez como no dia em que me pregaste a partida da carta e senti-me renascer. Foi o meu pequeno milagre. O meu ET afinal revelou-se… Veio na nave da memória e eternizou-te na minha alma… A ti, à mãe e ao pai…

Eu sei que me amas muito. Eu amo-te mais do que posso explicar. Foi isso que os pais nos ensinaram. É essa a nossa herança. A mais preciosa de todas. A palavra irmão (irmã, neste caso) só faz sentido para mim porque tu existes. Sabes quando começamos a aprender a escrever e nos ensinam ca-dei-ra e pensamos logo naquela em que nos sentamos lá em casa? Para mim é assim com a palavra irmã(o)… Vou logo vendo os teus cabelitos, o sorriso, o tom da voz… A pureza dos sentimentos: tu!

Um beijo,

Mano
Desconhecida's avatar

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

7 thoughts on “O meu ET

  1. Pingback: 12 anos de MPMI | Mails para a minha Irmã

  2. Desconhecida's avatar

    Os anos passaram, mas na essência somos os mesmos, às vezes tão longe e sempre tão perto…é bom saber que estás sempre por perto!

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  3. Desconhecida's avatar

    Bem recebido e, como sabes, generosamente devolvido. JP.

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  4. Desconhecida's avatar

    Delicioso e encantador este mano. A mana não necessita procurar seu ET porque há sempre um mano que a recorda com muito carinho e amor.
    A família, hoje quase em vias de extinção, e os seus valores bem presentes nestes manos, reflectem a grandeza e a mestria dos seus progenitores.
    Na realidade é importante relembrar e reflectir sobra a nossa vida para que possamos ser mais seguros na nossa forma de estar neste mundo.
    Um abraço carinhoso para os dois textos que acabei de ler.

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  5. Desconhecida's avatar

    Obrigada amigo por este espaço maravilhoso com que me vou deliciar a ler diariamente.
    Este blog és TU, na tua essência. NÃO PARES!

    Um beijo grande

    Teresa

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  6. Desconhecida's avatar

    Obrigado amiga. Esta será uma versão diferente de mim que anda, há muito, para vis parar à blogosfera. Um abraço. JP.

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  7. Desconhecida's avatar

    Mas que lindo e profundo este texto!
    Que belo começo de dia ao ler estas palavras!
    Fico muito feliz com esta tão inesperada surpresa!
    Obrigada por teres voltado a deliciar-nos com os teus pensamentos.
    Estou feliz com este regresso!
    Um grande beijo

    Ana Paula C.

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