Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Verdade

Não há culpa
Nas tuas mãos
Quando me acariciam.
E não há crime
No teu olhar
Quando teus olhos
Me procuram.
Não há mentira
Nos teus lábios
Quando me beijas.
E não há pecado
Entre as tuas coxas
Quando me mostras
O que te peço
E desejo.
Não há cansaço nem defesa,
Não há, não pode haver, pejo
Em viver as palavras
E os gestos da alma acesa
E renascida.
Não há morte
Onde, a cada instante,
Brota vida.

Vieste como a nau

Na bruma da manhã
Deslizando sossegada
E silenciosa.
E a alma do poeta,
Habituada e ociosa,
Reergueu-se
E veio abraçar-te
E receber-te,
Veio ver-te
E acreditar.
A alma do poeta
Veio amar
Onde se podia amar.
Chão estendido e fértil,
Chão prenhe e quente,
Onde pulsa
O coração da gente.
E a gente és tu,
Pura e limpa
E diáfana,
Sem idade.
Meu Destino.
Minha Verdade.

jpv


3 comentários

De Rerum Natura

A verdade… Hoje em dia.

As pessoas não querem a verdade. Não estão preparadas para a verdade. Não sabem lidar com a verdade. Não sabem viver em verdade.

Desaprenderam há muito. Foram habituadas a contorná-la, a pintá-la de cores plausíveis, a doseá-la, a apresentá-la de acordo com as situações, e aceitam estes comportamentos como se fossem aceitáveis.

Mas não são. A verdade não se contorna, não se matiza, não se doseia, não se ajusta. A verdade é uma coisa simples e incrivelmente valiosa. É um tesouro. Um tesouro indesejado, mas, ainda assim, um tesouro.

O que as pessoas sabem é viver em hipocrisia, o que as pessoas sabem é viver na mentira, num universo de plausibilidades, num universo de verdades aceitáveis. As pessoas, hoje em dia, sabem viver em jogos de faz de conta, em gestão de tensões, em gestão de verdades parcelares e meias mentiras. As pessoas, hoje em dia, não sabem conviver com a frontalidade. Quando alguém diz que é muito frontal, normalmente, vai começar uma discussão acesa e litigante. A verdade é tão estranha à generalidade das pessoas, hoje em dia, que, para dizê-la, as pessoas têm de discutir, têm de se zangar… as pessoas estranham a verdade e reagem-lhe mal. As pessoas, hoje em dia, não reconhecem a verdade. É algo estranho e inusitado e, por isso mesmo, se são confrontados com ela ou por ela, reagem mal e não descansam enquanto não destroem esse tesouro simples e precioso e o convertem num jogo de argumentos matizados, contornados, plausíveis de ser aceites, não à luz do valor intrínseco da verdade, mas à luz do que os outros são capazes de ouvir, querem ouvir…

Quem diz a verdade, quem tem essa coragem e essa ousadia, é expurgado pelos seus pares sob rótulos tão trágicos quanto a arrogância, a insensibilidade, a falta de cuidado, a brutalidade, o egoísmo, o politicamente e o socialmente incorreto. Hoje em dia, quem diz a verdade arrisca-se a ser um apátrida dos relacionamentos pessoais e sociais, um excomungado, um votado à solidão.

E isto tudo é tão mais desgraçadamente trágico quanto não sucede só entre conhecidos, entre colegas de trabalho, entre amigos de ocasião, isto acontece entre pessoas que se estimam e se amam, ou creem que se amam e se estimam, entre pais e filhos e irmãos e primos e maridos e mulheres e amantes e amados… Hoje em dia é expectável que tudo cresça no relacionamento entre duas pessoas, exceto a verdade. A verdade é um estorvo, um cancro social. E os que têm a ousadia e a coragem de falar serenamente com verdade são os infetados, os pútridos.

Não sei viver assim. Não sei viver aqui. Este mundo não é já para mim. Não há já lugar para a minha existência neste conto de fadas, neste tratado de fingimentos em que se converteu o relacionamento entre as pessoas.

Tenho dito!
jpv