De Rerum Natura
Simplicidade
A letra desta canção, um belíssimo poema de Agepê, nome artístico de Antônio Gilson Porfírio, um belíssimo letrista brasileiro, sempre me impressionou pela sua simplicidade. São palavras comuns, do quotidiano, despojadas da ambição de outros vocabulários envoltos em dissimulação, cagança imperial sem sustento intelectual e ético. O poema é tão singelo e, sobretudo, tão despojado que se torna intenso precisamente por isso. A simplicidade, não o simplismo, do pensamento e da atitude é, hoje em dia, uma surpresa, quase um choque. Transporta consigo a limpidez de raciocínio e a clareza de caráter próprias dos justos e serenos. Vivemos num mundo de rodeios e supostas importâncias, de justificação do injustificável, de licitação do crime que é o triunfo da ignorância sobre todos os valores, sobre todo o mérito e nobreza. Vivemos num universo de valorização do zero, de coisa nenhuma, da insignificância e parecemos esquecer a nossa igualdade e equidade supremas: somos todos um pouco de pó, somos todos pateticamente perecíveis, somos todos pouco mais do que nada. Parecemos esquecer que o que nos define não é o ter, mas o ser. Parecemos esquecer que não somos definidos pelo carro que temos, o modelo do telemóvel, a casa onde vivemos, o cargo que ocupamos, o título que ostentamos. Aquilo que nos define são os pequenos gestos. A compaixão, a nobreza de caráter, a frontalidade, a capacidade de sermos felizes e fazermos alguém feliz. O que nos define é a tenacidade e a determinação em sermos melhor do que somos. E tudo isto se oblitera numa nuvem de argumentos e razões e justificações que mais não são do que a criação de uma confusão generalizada e lamacenta da qual os nobres de caráter se afastam para poderem respirar e na qual a ignorância maledicente e mal intencionada triunfa. Vivemos uma gigantesca e universal batalha de palavras de complexidade porque não somos capazes da simplicidade desarmante com que Agepê nos brinda neste poema tão sublimemente interpretado pela inimitável Simone. “Na beleza desse teu olhar, eu quero estar o tempo inteiro.” O problema é que há já muito poucos olhares de beleza genuína e verdadeira e há, menos ainda, quem reconheça essa simplicidade e saiba viver nela como quem navega em águas calmas. Se todos conseguíssemos ser assim tão simples… seríamos todos tão mais profundos… e felizes! Tenho dito.
