
Tenho hoje por vizinhos
Os telhados altos
Do casario antigo
Dessas ruas escusas
Onde não chegam os carros.
Ruas do tempo
Em que os não havia.
Cheira a café
Pela manhã
E a um delicioso
E persistente refogado
À hora do almoço.
E circula um sussurro
De vozes afagadas
E músicas longínquas,
Lá, onde as gentes se encontram.
O castelo, já sem nobres,
Mas com a nobreza
Da idade antiga,
Ameaça histórias
E acorda-me memórias
Do que não vivi.
O fresco da noite
E as palavras
Prendem-me aqui,
Como se sempre, aqui,
Tivesse estado.
O corpo abandonado
Ao prazer de sentir
O tempo preso entre os dedos
Da contemplação.
Nem me apetece dormir.
Dormir é uma doença
Que nos impede de viver.
Quero só sentir.
Sentir tudo.
Até esta mentira
Que é sentir
Que não vou morrer.
Vai estar aqui,
Para toda a eternidade,
Este lugar
De olhar a paisagem
E sentir o universo
Suspenso no tempo.
Sem passado
Nem presente
Nem futuro…
Só esta existência
Absorta de toda a vida
E isenta de qualquer morte.
Estranha ilusão,
Benigna sorte.