Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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De Rerum Natura

Rosa do Deserto denominada “Bárbara Dias”

Não é…

Este texto não é sobre a Covid-19. É sobre coisas realmente importantes. Não são urgentes. São importantes. Não são mediáticas nem vão vender jornais ou fazer subir audiências. São só importantes. E o que é importante, hoje, tem muito pouca importância.

Não é porque não reajo que não vejo o que fazeis ao meu redor. Como vos reunis à volta da minha carne e farejais o sangue. Eu vejo. Não reagir é uma opção consciente e calculada. É um gesto de preservação da minha serenidade e da minha paz. Só depende de mim. Oiço música tranquila, neste momento em que escrevo à brisa de uma sombra fresca. E ninguém, nem nada, me tira isso. Não estou interessado em mais nada. Só na brisa e na frescura da sombra.

Não é porque não me insurjo que não percebo a injustiça e a ignomínia. Como conjurais com base em argumentos falaciosos construídos com conhecimento quase nulo de coisa nenhuma. Eu percebo. Mas não sinto. Não sentir é uma opção consciente e calculada. Nada do que digais ou façais tem o poder de, sequer, bater-me à porta da consciência tranquila em que me cerro e encerro.

Não é porque não veja o afastamento delicado e maquinado que não o denuncio. Eu vejo bem todo o direito e todo o avesso conjurado da trama. Sei por onde passa, para onde vai e que objetivos tem. Não denunciar é uma opção consciente e calculada. Porque, ao contrário de vós, eu já sou feliz e não careço da conjura para realizar-me e ser o que já sou. Porque a minha paz não se alimenta dessa matéria pútrida e fétida que alimenta a vossa existência. Por vezes, é melhor não existir do que cheirar mal. É melhor deixar correr os rios de lama do que cais na inglória e vã intenção de pôr-lhes diques. A lama corre sempre.

Aqui, onde me encontro, chegam sons da Natureza e dos Homens e a brisa e a sombra fresca e afetos simples e caseiros. Aqui, chega o tempo de ter tempo, chega a paz da contemplação e nada abaixo disso trepa os muros que lhe coloquei à volta. Neste Olimpo de serenidade, a conjura não tem como formar-se, crescer e subir porque é de outro universo. Um universo que não se cruza com este. Correm realmente paralelos.

Ainda há pouco aqui veio Deus perguntar-me o que mais queria para ser feliz, quem queria que resgatasse ou condenasse, um desejo só, que falasse e concretizar-se-ia. Vai pelos outros e dá-lhes do meu viver, disse-Lhe. E Deus foi, amuado e com um sorriso semi-desenhado na face imprecisa. Foi educado. Pediu desculpa por interromper. Eu fiz-Lhe um aceno desajeitado e reconfinei-me à minha efémera, perecível e doce felicidade. A felicidade de quem assoma à proa da vida e conduz o Destino de forma consciente e calculada. Esse nauta vê a borrasca no horizonte e vê-a aproximar-se e passa por ela e recupera o sol na pele e o céu limpo a fundir-se com o mar no olhar. Não se debate com a ondulação enfurecida. Navega-a, impassível e imperturbável. Sem hesitação nem temor. É que o nauta tem um segredo. Sabe onde fica o porto seguro. E tem uma bússola no coração. E tem um sextante na alma.

Não é porque não vejo a rebentação feroz das ondas na tempestade que não me debato com elas. Não debater-me com elas é uma opção consciente e calculada.

jpv


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Sangue

Eram de sangue,
As lágrimas
Que secaram
Na face.
Talvez um dia
Passe
Essa dor
Da distância,
Fruto da errância
Dos homens.
E quando os homens
regressarem
E fecharem o abraço
Que os espera…
Hão de chorar de novo
Lágrimas…
De sangue.

jpv


2 comentários

Tenho Poemas

palavras

Tenho poemas inteiros
Escritos a sangue
No peito.
E tenho poemas inacabados
No peito rasgados
A sangue.
Tenho palavras soltas
Sem destino nem jeito.
Restos de vida,
Gotejar impreciso
De um ideário morto.
Tenho linhas a direito
Com sentimentos a torto.
E tenho este grito
Que não sai.
Este mudo vociferar
Contra mim
E contra o fim
Que tarda em chegar.
Tenho palavras salgadas
E doces mentiras.
Tenho musas inspriradoras
E suaves liras.
E tenho este muro de impotência,
Esta coisa que não é Deus
E também não é Ciência.
Um sacrifício absurdo,
Um caminho doloroso.
Um querer tanto,
E tanto brilho,
Que torna mais penoso
O trajeto na escuridão.
Tenho tanto Sim
E vivo tanto Não.

jpv