
Não é…
Este texto não é sobre a Covid-19. É sobre coisas realmente importantes. Não são urgentes. São importantes. Não são mediáticas nem vão vender jornais ou fazer subir audiências. São só importantes. E o que é importante, hoje, tem muito pouca importância.
Não é porque não reajo que não vejo o que fazeis ao meu redor. Como vos reunis à volta da minha carne e farejais o sangue. Eu vejo. Não reagir é uma opção consciente e calculada. É um gesto de preservação da minha serenidade e da minha paz. Só depende de mim. Oiço música tranquila, neste momento em que escrevo à brisa de uma sombra fresca. E ninguém, nem nada, me tira isso. Não estou interessado em mais nada. Só na brisa e na frescura da sombra.
Não é porque não me insurjo que não percebo a injustiça e a ignomínia. Como conjurais com base em argumentos falaciosos construídos com conhecimento quase nulo de coisa nenhuma. Eu percebo. Mas não sinto. Não sentir é uma opção consciente e calculada. Nada do que digais ou façais tem o poder de, sequer, bater-me à porta da consciência tranquila em que me cerro e encerro.
Não é porque não veja o afastamento delicado e maquinado que não o denuncio. Eu vejo bem todo o direito e todo o avesso conjurado da trama. Sei por onde passa, para onde vai e que objetivos tem. Não denunciar é uma opção consciente e calculada. Porque, ao contrário de vós, eu já sou feliz e não careço da conjura para realizar-me e ser o que já sou. Porque a minha paz não se alimenta dessa matéria pútrida e fétida que alimenta a vossa existência. Por vezes, é melhor não existir do que cheirar mal. É melhor deixar correr os rios de lama do que cais na inglória e vã intenção de pôr-lhes diques. A lama corre sempre.
Aqui, onde me encontro, chegam sons da Natureza e dos Homens e a brisa e a sombra fresca e afetos simples e caseiros. Aqui, chega o tempo de ter tempo, chega a paz da contemplação e nada abaixo disso trepa os muros que lhe coloquei à volta. Neste Olimpo de serenidade, a conjura não tem como formar-se, crescer e subir porque é de outro universo. Um universo que não se cruza com este. Correm realmente paralelos.
Ainda há pouco aqui veio Deus perguntar-me o que mais queria para ser feliz, quem queria que resgatasse ou condenasse, um desejo só, que falasse e concretizar-se-ia. Vai pelos outros e dá-lhes do meu viver, disse-Lhe. E Deus foi, amuado e com um sorriso semi-desenhado na face imprecisa. Foi educado. Pediu desculpa por interromper. Eu fiz-Lhe um aceno desajeitado e reconfinei-me à minha efémera, perecível e doce felicidade. A felicidade de quem assoma à proa da vida e conduz o Destino de forma consciente e calculada. Esse nauta vê a borrasca no horizonte e vê-a aproximar-se e passa por ela e recupera o sol na pele e o céu limpo a fundir-se com o mar no olhar. Não se debate com a ondulação enfurecida. Navega-a, impassível e imperturbável. Sem hesitação nem temor. É que o nauta tem um segredo. Sabe onde fica o porto seguro. E tem uma bússola no coração. E tem um sextante na alma.
Não é porque não vejo a rebentação feroz das ondas na tempestade que não me debato com elas. Não debater-me com elas é uma opção consciente e calculada.
jpv