
Tempo
O verdadeiro Deus
É o Tempo.
Sempre certo,
Sempre isento.
De leis simples
E universais.
Sempre justas,
Sempre benévolas,
E sempre fatais.
Sem piedade, consome
O espírito e o corpo do homem.
E aceita uma única e singular
Oferenda de adoração
Em seu magnânimo altar:
Exige, em regime exclusivo e absoluto,
A entrega do crente
E o seu usufruto.
Não tem catedrais,
Nem mesquitas,
Nem sinagogas.
O templo do Tempo
É a praia
E a sombra generosa
De uma pinheira mansa.
É esta cadeira em que me sento
E a minha pele
Como palco da dança
Da brisa leve que me acaricia.
É o sorriso de uma criança,
E o olhar meigo
De um idoso
Que teve o que quis:
Morreu tranquilo e feliz
E primeiro que os seus.
A esta regra e a esta ordem
Obedecemos todos.
Até mesmo Deus,
Seja qual for o seu credo,
A sua fé,
Ou a sua raça,
Observa o tempo que passa
E curva-se ao seu passar.
Já foram os dias
De não ter consciência.
Já foram as horas
De conquistar a independência.
Já foi o tempo
Das impetuosidades todas.
Já foram as certezas.
Já quis consertar o mundo.
Já foi o tempo
De saber o que quero.
Agora, só e resignado,
Espero.
É o tempo de cada minuto.
É o tempo de descontar.
É o tempo
Do Tempo absoluto.
É o tempo
Do Tempo passar,
Cortante,
Por mim.
É o tempo das rugas.
São os dias do fim.
Não dobram, já, os joelhos,
Como costumavam.
As raparigas que passam,
Não olham
Como olhavam.
Estão mais longe, as distâncias,
Mais pequeninas, as letras impressas.
Não há razão para ter pressas.
Deixa-O passar… devagar.
Evitam-se os espelhos
Que nada têm para espelhar
Que não seja decadência.
Perdi a fé na Ciência
E no Homem também.
Recordo meu pai
E minha mãe
No tempo de antes de mim.
E sei
Que já nem eu
Sou assim.
Esta cadeira, de novo.
O papel.
A tinta deslizando
O desenho das palavras
Como um arado
A rasgar a terra.
Sou mais um capítulo
Que se encerra
Neste poço sem fundo.
Já pouco me resta.
Já só me falta
Erguer
E conquistar o Mundo.
jpv