Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Reflexo da Dor

Naquele dia,
Naquele fim de tarde
De cores difusas,
Encontrei Deus e perguntei:
Que fazes aqui?
A Potestade,
Com olhar supremo e doce,
Respondeu:
Vim cuidar de ti.
Como não acreditasse,
Incrédulo e surpreso,
Que a Divindade
Viesse ver uma só faúlha
De todo um fogo aceso,
Repliquei com a voz trémula:
De mim?
E olhei em volta.
E Deus,
Como se soubesse tudo,
Falou comigo
Tal pai aconselhando o filho:
Não haja surpresa nisso
Que são insondáveis,
Para os humanos,
Os motivos do seu Criador.
Em tua face
Está um olhar.
Nesse olhar
Brilha uma lágrima.
No brilho,
Mostra-se uma emoção.
Na emoção,
Baila uma mulher.
Nessa mulher,
Vive uma morte.
Dessa morte,
Nasce uma revolução.
Na revolta,
Estende-se uma mão.
Junto com a mão,
Revela-se um braço.
Ao cimo do braço,
Está um peito
Onde bate um coração.
O coração prende a dor
Que vim libertar.
Mas, respondi,
Não poderias ir direto
Ao peito sofredor?
Não, filho.
Toda a chuva
Tem um céu,
Toda a luz
Tem um sol,
Toda a noite
Tem um breu,
Toda a dor
Tem uma estrada
A ser vencida,
Passada a passada,
Até que o pó do sofrimento
Seja alimento
E brilhe de novo um olhar.
Só então,
Teu Deus te virá libertar.
E, como veio,
Deus partiu.
E quando saiu,
A tarde já se fizera manhã.

jpv


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M de…

[Um texto de 2013 que vale muito a pena republicar hoje.]
https://mailsparaaminhairma.wordpress.com/2013/03/08/m-de/

M de…
M de Solidária,
M de Persistente,
M de Amante
E Mãe da gente.

M de Perspicaz,
M de Sofrida,
M de Ipunemente
Agredida.

M de Dádiva,
M de Entrega total,
M de Proteção
À escala global.

M de Graciosidade,
M de Ternura,
M de Amor
Que perdura.

M de Elegância,
M de Sedução,
M de Querer
A tua roupa no meu chão.

M de Educar,
M de Resiliência,
M de Suportar
A vida
Com infinita paciência.

M de Solteira,
M de Casada,
M de ser a única
Que tem um M de Divorciada.

M de Trabalho,
M de Corpo,
M de Seio,
E M de Espera…
E o homem não veio.

M de Presença,
M de Paixão,
M de Crer,
M de tentar até morrer.

M de Inteira,
M de Companheira
Da companheira M.

M de Mulher
Para o homem que souber.

M sem mais nada,
Nua e despida,
M na morte toda,
Porque M toda a vida.

jpv


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Rumores de Tinta 01- A Culpa é das Mulheres?

O primeiro episódio de Rumores de Tinta revisita o mito de Prometeu, a criação da Humanidade e curiosas analogias com outros textos. Pelo meio, o intrigante papel da Mulher nesta trama!


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Dia da Mulher Moçambicana

Mulher Moçambicana, Mulher de Moçambique, Mulher em Moçambique, Mulher moldada por Moçambique.

Como agem, como reagem, como se submetem, como submetem, como dão, como exigem, como pedem, como querem, como aceitam, como rejeitam, como estão, como obrigam a estar, como resistem, como sofrem, como riem, como choram, como amamentam, como maternizam, como eternizam, como maridam, como namoram, como iludem, como se desiludem, como acariciam, como amam… únicas… como as outras todas e como só cada uma é capaz.

Ámen!

jpv


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Mulher é Mesmo Assim

Mulher é mesmo assim,
Chega no teu peito,
Rasga ele
E rouba teu coração.
E, no fim,
Pergunta porque não palpitas de amor.
Mulher não percebe a dor
Para lá da dor.

Mulher é mesmo assim,
Chega no teu universo,
E vira tudo do avesso.
E, no fim,
Pergunta porque não arrumas a casa.
Mulher quer que tu voes
E quer ficar com a asa.

Mulher é mesmo assim,
Leva tua caneta
Para escrever receita de bolo de tâmara.
E, no fim,
Pergunta se és poeta
Porque não escreves-lhe
Um poema de arrebatar.

Mulher é mesmo assim,
Quer carinho a toda a hora,
Há de pedir passares mais tempo com ela.
E, no fim,
Exige que vás trabalhar
E faças um curso de vela
Para teu físico melhorar.

Mulher é mesmo assim,
Quer comprar sapato
Que vale um mês de trabalho.
E, no fim,
Baila na tua frente
Com os pés nus no soalho.

Mulher é mesmo assim,
Critica porque só pensas em sexo
E não conversas com ela de mansinho.
E, no fim,
Quer com vigor
E também devagarinho.

Mulher é mesmo assim,
Não tortura,
Mas quer loucura
E pede juízo sem fim.
Mulher é mesmo assim.

jpv


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Desejo Noturno

Uma só.
Uma só palavra.
Uma só palavra no momento.
Uma só palavra no momento exato.
Explode a invasão,
Doma-se o domador,
Toma-se o tomador.
Perde-se a visão, o sabor, a audição e o olfato.
Fica só a palavra.
A intenção.
A remota ideia de existir
E o êxtase sublime do tato.
Já viveu o homem.
O homem agora morre.
Já não sabe quem foi.
Não se lembra, já,
Nem lhe ocorre,
Quem tivesse sido.
Esta palavra foi a morte
Do homem renascido.
Alonga-se o tempo.
Alonga-se o tempo todo.
Alonga-se o tempo todo no espaço exato.
Não fica, sequer, o tato.
Só o abandono.
Só o abandono nos braços.
Só o abandono nos braços da mulher.
Tudo renasce.
Tudo renasce quando.
Tudo renasce quando o homem quer.

jpv


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Fogo

woman-black-and-white

Porque me namoras assim?
Porque me incendeias a alma
E a palavra
E ateias o lume do corpo?
Porque me dás sem pedir?
Porque me prendes
E me libertas?
Porque ofereces tuas formas
Às minhas mãos desertas?
Porque me acaricias a existência
E me abandonas a arder?
Porque me deixas ganhar-te
Se te não posso perder?

João Paulo Videira


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Vã Figura

Vã figura,
Traço imperfeito.
Esticada na altura,
Desajeitada no jeito.
Robusta estrutura,
Olhar cristalino.
Incerto, o cabelo,
E o lábio fino.
Passada errante,
Palavra pendente.
Alma distante,
Coração ausente.

jpv


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Religião

couple

Gosto da tua voz serena
E do teu olhar sem pressa.
Gosto de sentir na tua pele
O nascer de uma promessa.
E gosto quando me tocas
E finges não ter tocado.
Gosto desse sorriso despercebido
Por cima do colo decotado.
E gosto dos teus seios firmes
Quando me roçam devagarinho.
Gosto das tuas palavras quentes
Quando me pressentes sozinho.
E gosto quando à noite
Te chegas a mim
E me sussurras ao ouvido
Que retome no altar do teu corpo
O ritual todas as noites repetido.

És minha deusa profana,
Senhora da minha oração.
És minha virtude e meu pecado,
Minha fé e minha religião.
E gosto quando me despes
Das roupas e do pudor.
Gosto quando me incendeias no sexo
A insana chama do amor.

E quero ter-te, então,
Sob meu corpo e meu suor,
À procura do momento
Em que o grito se faz maior.
Ouve, meu amor…
Descansemos agora,
Faz frio lá fora
E o mundo foi dormir.
De tudo o que resta viver,
Já pouco falta cumprir.

Gosto da tua voz serena
E do teu olhar sem pressa.

jpv


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Sementeira

sementeira

No início, era um quase sorriso,
Um esgar.
Um olhar tímido e indeciso,
Um choro contido,
A preocupar.

Depois desse tempo inicial,
Em que não me vias
Ainda,
Chegou a coisa mais linda.
Uma esperança.
Um gesto de confiança,
As tuas mãos mais perto,
Um sorriso aberto.

Foi tempo de me falares
Com emoção,
De me olhares como quem pede,
De me estenderes palavras
À passagem,
De fazermos a viagem
Dos riscos
E do prazer.

E chegou, por fim, o infinito.
O lânguido e ocioso grito
Durante e depois do sexo.
Veio o tempo do côncavo
E do convexo.
Veio o tempo de me incendiares
A carne
Com a saliva do teu desejo,
Uma gula voraz,
Em sentido e profundo beijo.
E tuas mãos tomaram conta de mim,
Novos gritos e urros
E carícias sem fim…

E houve a descoberta!
Não está mais deserta
A planície do teu corpo.
Está semeada de mim!

jpv
Imagem daqui.