Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Âncora

Uma nau navegava
Em água tranquila
E quase parada.
E o nauta esquecera
A âncora fundeada.
Arrastava-se a embarcação,
Metro a metro,
Dor a dor.
E o nauta ergueu a mão
Para admirar o esplendor.
Era Terra…
Uma terra de promessas,
Vegetação ardente,
Areia alva nunca pisada.
E a nau sem pressas…
Acorda-lhe uma emoção no peito,
Põe a voz a jeito
E dá a ordem inaugural.
Mas a âncora estava ali,
Adormecida e fundeada.
A nau imóvel,
Na ilusão do sucesso,
Não tinha ida
Nem regresso.
E o nauta gritava incitações,
Pedia dados e explicações
Para tal imobilidade
Na visão do Paraíso.
Perante tudo o que um nauta quer,
Como poderia estar a nau imobilizada.
Um homem soturno e cobarde
Segurava a âncora fundeada.
Recebeu ordens para a içar,
E não respondeu nem agiu.
Outro marinheiro o viu
E foi afastá-lo.
Mas o homem era já só
Um hirto corpo
De olhar fixo e morto
No passado.
A alma vazia e desesperada,
Em âncora convertida,
Pesada, inerte e fundeada.
A ilha se desvanece,
O ânimo do nauta perece.
A tripulação insurge-se, irada,
E é assassinado o marinheiro
Da visão inalcançada.
A âncora permanece
Inerte e fundeada.

jpv


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Carrossel sem Anestesia

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Não faco balanços, nem arrumações de casa, nem limpeza de amizades e, menos a ainda, resoluções de ano novo. Cinjo-me a factos com a naturalidade de quem já não tem tempo a perder com rodeios.

Eu sou, sempre fui, um tipo positivo e otimista. Muito. Quase como uma doença incurável, uma espécie de segunda pele. Tenho uma tendência natural para acreditar que as pessoas e os acontecimentos são bons, ou têm algo de bom, e acredito nessa bondade antes de tudo o resto. Digo isto para que se perceba que não é com leviandade que me refiro a 2017 como tendo sido um mau ano. Um dos piores que vivi desde que me lembro de viver.

Demasiados fatores alheios a mim por controlar, demasiadas deferências, demasiadas esperas, alguma contemplação para com a ignorância e a estupidez inconsciente, alguma falta de determinação, algum evitar o inevitável e as soluções a saírem-me ineficazes e as situações a perderem-se no espaço e no tempo certos. Ficam a brilhar no escuro da insatisfação algumas amizades, a família e a saúde que, não obstante o avanço da idade, ainda me não trouxe preocupações de maior.

Naturalmente, isto terá de mudar. Isto vai mudar. Se não mudasse, teria de despedir-me de mim e isso não posso, não quero e não sei. Que é como quem diz, não farei senão o que tiver sentido para mim, sem cedências, nem contemplações… não haverá esperas nem brechas para a ignorância. Seja com quem for, há de ser sem anestesia.

Eu fui um menino sossegado, um adolescente rebelde e trabalhador e sou ou, pelo menos, tento ser, um bom homem. Erro, claro, mas tenho essa intrínseca humildade de reconhecer o erro e a força para melhorar a partir dele. Sou cordato, mas não sou, por imperativo de preservação dos princípios, anuente. E sou frontal o que, diga-se, me tem conquistado bastantes problemas e dissabores.

Os meus amigos serão sempre os meus amigos e não sentirão diferenças nem mudanças. Mas haverá quem o venha a sentir. Antes de mais, eu. Os outros poderão espantar ou nem sequer notar. Não quero saber. Quero saber que a terra dará mais uma voltinha à volta do sol, mas o carrossel será outro. Sem anestesia.

jpv


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Revolta

Muda o tempo,
Muda a gente,
Muda a palavra
E a promessa,
Muda o encanto,
Muda o olhar
E o mudar não cessa.
Muda a luz,
Muda a paisagem,
Muda o piloto
E o destino da viagem.
Muda a intenção,
Muda o imutável,
Muda a geração
E o destino favorável.
Muda o amor,
Muda o corpo
E a sensação.
Muda o sexo,
Muda a cama
E o frio do chão.
Muda o desespero,
Muda a fome
E muda a solidão.
Muda o suor,
Muda o sol
E muda o vento.
Só não muda
Esta revolta cá dentro.

João Paulo Videira


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Back To Life

Nascer do Sol em Maputo

Nascer do Sol visto da nova habitação às 5:05h da manhã.

Caros Amigos e Leitores,

Depois de dezasseis dias sem publicações, uma eternidade(!), cá estamos de volta à vossa companhia. Claro que trazemos muitas histórias.

Já experimentaram fazer uma mudança em África? Nós já! Foi agora. Daí a ausência. Traquitanas às costas e mudámo-nos do centro da cidade de Maputo para os seus campesinos arredores. Um outro espaço, um outro sossego. Claro que levou o seu tempo até restabelecer comunicações e a falta de Internet bem como a exigência das tarefas de mudança e manutenção têm-nos mantido afastados da escrita.

Pelo meio, conhecemos algumas personagens bem interessantes e vivemos uns quantos episódios deliciosos. Claro que daremos fé de tudo!

Para já, só o regresso ao vosso contacto.

Até breve!
jpv