Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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A Subtil Desonestidade de Ricardo Araújo Pereira

Ricardo Araújo Pereira é um comediante que se arroga o direito de dizer tudo sobre todos em nome da liberdade de expressão. Para Ricardo, o limite do humor é não ter limites. E eu estou de acordo. Estranhei, por isso, que o humorista, este domingo, 16 de junho de 2019, tenha imposto limites a si próprio, num gesto lamentável de auto-censura.

Numa semana em que o episódio político mais contundente e polémico foi o discurso proferido por João Miguel Tavares nas celebrações do 10 de junho, Ricardo Araújo Pereira resolveu ignorar o mesmo e dedicar-se ao Vara no parlamento, aceitável, e a um tal de Pinhal que ninguém sabe quem é nem nunca saberá. Se sobre o Vara se aceitavam algumas chalaças, já sobre o Pinhal não se percebeu aquela mão cheia de nada com que o humorista passou o tempo.

Longe de mim querer interferir nas escolhas de Ricardo. O programa é dele, as escolhas são dele. Pacífico. Nada me impede, contudo, de as comentar. O Ricardo Araújo Pereira não falou do João Miguel Tavares porque é amigo dele. O discurso prestava-se a umas quantas piadas. Eu mesmo, que não sou humorista, consegui imaginar algumas. Acontece que Ricardo, tal como os corruptos no discurso do amigo, deixou-se tomar pela “mundanall afeiçom” e pela “natural inclinaçom” de que nos falava Fernão Lopes.

Para não fazer dói-dói no amigo, calou-se. Poderia não valer nada, o ato. Mas vale tudo. Com que legitimidade ética Ricardo criticará quem quer que seja daqui em diante? E porque poupará outros? Qual o critério? Até aqui, para Ricardo, o critério do humor era não ter limites. Sabíamos isso, aceitávamos isso e vivíamos com isso, mais sarcasmo, menos sarcasmo. O critério do humor de Ricardo Araújo Pereira, agora, é não ter limites, exceto se o eventual visado for amigo do humorista. Mudou pouco, o critério, e, contudo, mudou tudo. Morreu um homem de face erguida e nome limpo e nasceu mais um corrompido. Já nem com a inefável liberdade de expressão dos humoristas podemos contar. Quando os não calam, eles calam-se sozinhos. Lamentável. Só.

jpv


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Quadras satírico-humorísticas de timbre antigo e desusado escritas enquanto não estavas a ver…

vamos-fazer-uma-coisa-gostosa

Hoje fiz amor contigo,
É pena que não estivesses presente.
Ficas a saber, para castigo,
Que posso amar teu corpo ausente.

Sei que dirás, com desdém,
Que são devaneios de um pobre coitado.
Pois fica a saber, também,
Que deixei teu corpo deliciado.

Não te dês ares de superioridade,
Superior é coisa que não és.
Aqui, do alto da minha humildade,
Ainda te hei de ver a meus pés.

És vaidosa e usas roupas finas,
Para te passeares pela rua,
Enquanto vês montras e cruzas esquinas,
Eu fico em casa a imaginar-te nua.

Já vai longo este fado incerto,
De rumo sinuoso e complexo,
Quem dera ter-te por perto
Para intenso e despudorado sexo.

Será teu corpo uma plantação
De envolventes e suaves carícias,
Onde hei de ir colher à mão
Uma sementeira de malícias.

Vá lá, diz que sim,
Ao menos uma vez.
Não queiras apressar o fim
Do coração que tão bem te fez.

Hei de ver-te, finalmente,
Em minha cama deitada,
Corpo esguio e presente
Desde a noite até à alvorada.

E do que ali se passar
Faremos inviolável segredo,
Até ao dia em que subas ao altar
Com uma aliança de oiro no dedo.

jpv