Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Desejo Noturno

Uma só.
Uma só palavra.
Uma só palavra no momento.
Uma só palavra no momento exato.
Explode a invasão,
Doma-se o domador,
Toma-se o tomador.
Perde-se a visão, o sabor, a audição e o olfato.
Fica só a palavra.
A intenção.
A remota ideia de existir
E o êxtase sublime do tato.
Já viveu o homem.
O homem agora morre.
Já não sabe quem foi.
Não se lembra, já,
Nem lhe ocorre,
Quem tivesse sido.
Esta palavra foi a morte
Do homem renascido.
Alonga-se o tempo.
Alonga-se o tempo todo.
Alonga-se o tempo todo no espaço exato.
Não fica, sequer, o tato.
Só o abandono.
Só o abandono nos braços.
Só o abandono nos braços da mulher.
Tudo renasce.
Tudo renasce quando.
Tudo renasce quando o homem quer.

jpv


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Manhã

Um gesto intencional
E resoluto.
Um cadáver sem vigília
Nem luto.
E a imensidão do mar.
O amor todo do Mundo
Preso num olhar.
A entrega vulnerável
Da vida
Nas tuas mãos…
Em rituais sagrados
E desejos pagãos.
Não sou eu, já.
E, contudo, nunca fui tanto eu.
Até ver a manhã doirada,
Um homem tem de palmilhar
Muita noite de breu.

jpv


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Sementeira

sementeira

No início, era um quase sorriso,
Um esgar.
Um olhar tímido e indeciso,
Um choro contido,
A preocupar.

Depois desse tempo inicial,
Em que não me vias
Ainda,
Chegou a coisa mais linda.
Uma esperança.
Um gesto de confiança,
As tuas mãos mais perto,
Um sorriso aberto.

Foi tempo de me falares
Com emoção,
De me olhares como quem pede,
De me estenderes palavras
À passagem,
De fazermos a viagem
Dos riscos
E do prazer.

E chegou, por fim, o infinito.
O lânguido e ocioso grito
Durante e depois do sexo.
Veio o tempo do côncavo
E do convexo.
Veio o tempo de me incendiares
A carne
Com a saliva do teu desejo,
Uma gula voraz,
Em sentido e profundo beijo.
E tuas mãos tomaram conta de mim,
Novos gritos e urros
E carícias sem fim…

E houve a descoberta!
Não está mais deserta
A planície do teu corpo.
Está semeada de mim!

jpv
Imagem daqui.


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De Rerum Natura

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De Rerum Natura

Eu não sou aos 47 o homem que queria ser aos 17.
E não há nisso mal algum, nada de errado. Só desilusão. Toda a que foi nascendo de meus gestos e toda aquela imensa desilusão que nasce em mim só por ver os outros. O Homem é o animal que mais me desilude. Aquele de quem espero menos. O meu cão dá-me mais motivos de esperança do que a generalidade dos homens. Creio, firmemente, que a Humanidade está condenada. Não há ninguém de que não tenhamos de nos defender. O Homem move-se, unica e exclusivamente, pelos seus próprios interesses. Mesquinhos e egotistas. E disfarça. E cria máscaras. E engana. E acredita que está bem assim. Há pouca nobreza de caráter e nenhuma pureza de alma. A Humanidade é um lodaçal. É o estrume apodrecido dos seus próprios gestos. A hipocrisia medra, viçosa, adubada pelos jogos de ludibriar e pelas efémeras e ilusórias conquistas. Os vitoriosos são, normalmente, os melhores neste jogo. Aqueles cujo caráter apodreceu há mais tempo. Os derrotados não aceitam as derrotas e consomem-se em retomas de pelejas perdidas e vinganças a quente e a frio e a morno. Para mim, há em cada gesto humano um motivo de suspeição.

Aos 17, eu queria salvar o mundo e queria-o porque era possível. Quanta ingenuidade! O mundo esteve sempre irremediavelmente condenado. Aos 17, eu tinha ideais e planos. Os homens corromperam-nos todos. Envolveram-nos na sua teia de jogos de interesses, serviram-se da minha energia e eu acabei desviando-me do que queria ser. Uma vida desperdiçada. Com crueldade. Passo a passo. Momento a momento. Batalha a batalha. E hoje consigo orgulhar-me do que sou, de algumas coisas que tenho comigo, no meu peito, na minha mente, mas admito, dolorosamente, que me desviei do meu próprio caminho. Eu não sou aos 47 o homem que queria ser aos 17.

jpv