O único princípio realmente genuíno nos seres humanos é o egoísmo.
Até mesmo os gestos altruístas são orientados por um profundo egoísmo. Sobretudo esses.
Nós, humanos, somos visceralmente incapazes de ver além do nosso umbigo. E quando o fazemos, a visão é distorcida pela nossa premência egocêntrica.
Todas as formas de partilha, de companheirismo e solidariedade constituem um exercício racional de hipocrisia.
Na generalidade, não aceitamos isto. Lutamos contra isto e tentamos ser superiores à nossa própria condição. Há nobreza nesse ensaio. Mas só isso. A teia, o vórtex umbilical, é mais forte porque a verdade é que a incomensurável dimensão do universo, os biliões de estrelas e galáxias, não interessam para nada sem que sejam validadas pela singular e ínfima existência de cada um. De cada ser. Humano. A velhinha que se ajuda a atravessar a estrada, o dinheiro que se deposita naquela conta com muitos algarismos que se anunciou na televisão e vai para ajudar crianças carenciadas não se sabe bem onde, um saco de arroz e um pacote de bolacha maria à porta do supermercado, uma esmola num semáforo a um senhor de cadeira de rodas, nada disso é solidariedade. Tudo isso é um enorme pano encharcado de limpar consciências. O ser humano quando ajuda, não ajuda os outros. Ajuda a sua consciência a sobreviver. Ajuda-se a si próprio a convencer-se de que merece a vida que tem, despoja-se de culpas e arrependimentos e respira de alívio até que voltem. As culpas. Os arrependimentos. Nada do que é humano nos é estranho, mas nada, sendo humano ou não, nos rouba à indiferença se não entrar na esfera dos nossos interesses pessoais, na esfera de validações do nosso ego. Egoístas nos confessamos e professamos o egoísmo a cada dia que passa aprisionados na nossa umbilical condição. É terrível, isso. E maravilhoso!
jpv