Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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23.08.2021

23.08.2021

Um só dia, alguns momentos na verdade, e fluiu tudo o que nos une.
Um olhar trémulo pela manhã, uma conversa irrepetível. Tu, eu, a menina, os nossos amigos, os de casa e os de fora, todos do coração, e o madala a comandar as tropas, exército de emoções. E a senhora Cônsul de Portugal em Maputo, e a sua incansável equipa, e o resultado de tantos abraços, de tantos esforços, de tantas emoções e projetos e quilómetros de estrada e palavras e bater de corações… tanto, tanto, tanto…

E leu-se o texto que nos une e segurámos as mãos com força como quem se certifica de que o Destino é mesmo este e não outro diverso.

E veio depois o tempo da paisagem, dos copos a tilintar palavras de saudação e do repasto de conversas e olhares e todos a recordar os momentos que acabaram de acontecer como que para certificar que tinham acontecido. E notícias de longe a brindar sorrisos e uma lágrima emocionada a trair o olhar na presença de quem nos agita o coração.

Aqui estamos, agora, olhando o futuro com esperança no amor que nos une…

Renascemos, reinventámos, retomámos, reinvestimos, refizemos com coragem e determinação as passadas cuja marca na poeira da estrada era quase impercetível.

Aqui estamos para cuidar, para amparar, para respeitar, para construir, para fruir o tempo e a vida e para admirarmos, em comunhão, a comunhão.

Hoje, 23 de agosto de 2021, pelas 11h, no Consulado de Portugal em Maputo, João Paulo dos Santos Videira e Cláudia Cristina Garcia Lopes Videira uniram-se em matrimónio de sua livre vontade…

Imagens sem tratamento e com tamanho e resolução reduzidos para efeitos de publicação.


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Uma Zanga e uma Citação

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A escrita é tramada. Zanguei-me com ela. Zanga antiga de dedicar-me sem medida e não receber em troca a mesma atenção. Zanga antiga de procurar a qualidade, mas andarem textos andrajosos de mão em mão. Que me divorciava, que não escrevia mais, que tinha por vendidos um punhado de livros entre familiares e amigos, que não era vida de escritor este dar sem receber. E mordia-me os calcanhares da mente a história daquele tipo que publicou catorze romances inteiros em doze anos, todos feitos de páginas às centenas e capas rebrilhando nos escaparates. E eu aqui, tecendo e destecendo, qual Penélope das palavras, amanhando investigações, enjeitando umas frases e erguendo outras à luz cristalina de meus dias não mais que um romance a cada par de anos vencido. Mas a Escrita é amante caprichosa. Que não, não haveria partilhas, que o casamento seria para sempre, que teria de continuar a suportar-lhe os trejeitos de dama que subjuga o coração de quem a ama e ela me suportaria os dias em branco, as linhas riscadas, as páginas desconseguidas… Mas não, homem que é homem, por macho ser, leva  a sua adiante, e vai de depor as armas e arrumar as canetas e esconder os cadernos e comprar livros e ler. Seria leitor por vingança de não ser lido. O primeiro sinal de recaída foi um caderno em branco de capas acastanhadas e gravadas de palavras no exterior. E lá dentro, nada. E depois um outro, discreto, com uma fitinha de marcar páginas e limites. E depois uma caneta. Coisa imperdoável de se desperdiçar ali, na montra, a olhar. E assaltou-me, à traição, uma personagem, e invadiu-me a imaginação uma história e entre a verdade esfumada na pobreza da memória e a vívida clareza dos momentos a perpetuar, sentei-me a rabiscar. E a zanga cá andava no peito a perder terreno para o entusiasmo desta nova história que chegou calma, tranquila e sem pressa. Assim começa: “Quando nasceu, Indesejada da Conceição Nhaca, não soube, não poderia ter sabido, que viera a este mundo para ser emigrante em sua própria terra, estranha no chão que a ouvira chorar pela primeira vez, despojada dos afetos, filha da miséria. Mas não foi isso o pior que a vida lhe reservou.”

João Paulo Videira