
A alegria não inspira poemas.
E, mesmo que inspire escritos,
Não são poemas.
São erupções falaciosas
De um estado de alma
Que não existe.
Mera ilusão.
A poesia não vive do chão,
Nem de certezas,
E menos ainda de conquistas.
A poesia a sério,
A que se lê nas sessões públicas
E ganha prémios,
É grave e melancólica.
Sofre e faz sofrer.
Vive da dor
E do que faz doer.
A poesia, a ser mesmo poesia,
Alimenta-se da dúvida
E da insatisfação.
Da incompletude,
Da doença mental.
Da do corpo, não.
As doenças do corpo
São mesquinhas e surdas
Às verdadeiras razões
Por que se deve sofrer.
Um não querer ser-se
Quem se é
E querer-se ser
Quem se não é.
Um estar deslocado
De onde se queria estar
E sentir-se desacompanhado
Onde se está.
A solidão.
Sim, a solidão é poesia.
E a autoanálise obsessiva também.
O amor incorrespondido de alguém.
Os amores felizes
Não são poesia.
São invejas
De quem queria
E não tem.
A verdadeira poesia,
A de qualidade,
A poesia dos anfiteatros e dos salões
E das mais belas edições,
Não se escreve
Nem se lê.
Sente-se…
Um sentir puro e contínuo,
E, supremo pecado,
Não se explica.
Frui-se!
Eu cá, não sou poeta.
Eu acho graça
Às flores na Primavera,
Às manhãs luminosas
E aos regatos de água cristalina
Sob o chilreio fresco dos passarinhos.
Eu acho graça
Aos amantes de mão dada
Trocando beijos na rua,
À descarada.
De poesia, não sei nada.
jpv
