Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Da Essência

Já não meço o tempo.
Já não conto os dias,
Nem as semanas,
Nem os meses,
Nem os anos…
Já não conto as pessoas que passam,
Nem peso as palavras nas frases.
Já não me detenho pelo comum,
Nem faço vénias à ignorância,
Embora também já não a corrija…
Já não quero tudo,
Nem muito,
Nem pouco.
Quero só o que quero.
Seleciono.
Separo.
Deixo passar, livres,
Os rios de lama,
E sorrio
À sua desventura.
Como cheguei aqui
Importa pouco.
Sou um estilhaço de nada.
Trouxe algumas pessoas,
Um punhado de memórias.
Árvores de errância plantadas
E livros escritos ao sabor do acaso.
Não sou escritor.
Desenho coisas com palavras
Escolhidas sem critério.
Não sou professor.
Ensino a vida
A vidas que me hão de sobreviver.
Não sou pai.
Sou filho de meu pai
E de meu filho também.
Não sou marido.
Sou imensamente amado
Por um raio de luz
Que me colheu de surpresa.
Não sou nada…
Talvez nunca tenha sido.
Talvez nunca tenha querido ser.
Amo a brisa
E os beijos escaldantes da musa
Com quem partilho a cama
E o olhar.
Amo o filho, a filha, os netos…
Fontes de todos os afetos…
Amo estar.
Amo observar.
Amo as palavras
E o sentido que dão
Às coisas sem sentido.
Amo.
Já não desejo que acreditem
Em mim.
Nem, tão pouco, que gostem de mim.
Fico-me pela breve partilha
De um tinto,
De uma conversa casual e vadia,
De uma roda de amigos
À volta de um lume crepitante.
Recolho-me no canto de um sofá
E na penumbra de uma árvore
De pensamentos que rego
Em silêncio.
E depois,
No fim de todas estas
Indispensabilidades,
Sobra muito pouco desta vida
E desta idade.
E o que fica
É uma qualquer ideia
Indefinida e essencial.

jpv