Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Mãe

Mãe

Tens na voz
Um tom suave
De ternura
Que me diz
Viver em nós
Um sentimento sem fratura.
Aceitas para mim
A minha vida
Como se fosse tua.
Entregas perdida
Na minha decisão
A tua alma nua.
E sofres baixinho
Para não me incomodar,
Como se o teu carinho
Pudesse estorvar.
Tens gestos
E cuidados mil,
E tens, como ninguém,
A bater-te no peito
Um coração de Mãe.

Sossega…
Não há tormenta
Nem tempestade
Que nos ameace.
Passe o que passar,
Não há humano evento
Capaz de desatar
Este enlace
De Amor.
Nasci de ti,
Em dias de felicidade
Desmedida.
Vives em mim
Os dias todos
Da mesma vida.

Sossega, Mãe…
Não deixes que a tua voz
Perca o cristalino e a alegria
Com que me disseste um dia
Que tudo correria bem.
E eram lei as tuas palavras.
Lei sagrada,
Gravada em certezas de Mãe.

jpv


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O Clã do Comboio – A Amy Winehouse de Riachos

A Amy Winehouse de Riachos

Vi-a durante todo o inverno, mas nunca lhe dirigi a palavra. Não havia motivos para isso. Não a conhecia, nunca fôramos apresentados e nada justificava que o fizesse só por que sim. Eu era só mais um trabalhador a apanhar o regional das 7:47 em Riachos para Santa Apolónia e ela era só mais uma moça com a pele muito alva a emergir da escuridão das roupas. Botas de tropa. Calças de ganga pretas. Blusa preta. Casaco de cabedal preto.

Um dia destes, porém, senti o impulso de dirigir-lhe a palavra e fiz bem em não resistir-lhe porque a resposta dela foi deveras interessante.

Eram 7:35. Fui beber um café e ela lá estava com uma amiga. Acontece que o dia amanhecera quente e abafado a prometer suores e a pedir menos roupa e mais corpo.

Ela tinha as mesmas botas pretas de tropa, as mesmas calças pretas de ganga, uma blusa preta com tiras de tule alternadas com tecido opaco, cabelo preto, liso e comprido, a face oblonga e muito alva e os olhos castanhos e rasgados marcados com um risco de lápis que os faziam parecer ainda mais rasgados. Acontece que a blusa era de cavas e permitia ver os braços na íntegra e nos braços é que estava a história de vida, a marca indelével da sua individualidade, aquilo que é, para mim, o reflexo de um traço de caráter.

Do ombro direito até quase ao cotovelo estende-se uma enorme tatuagem a ocupar-lhe quase todo o braço. É um complexo desenho de flores e ramagens entrelaçadas onde pontua uma palavra e duas violas cruzadas. No pulso do antebraço direito mais um complexo apontamento gravado a tinta. No braço esquerdo, junto ao ombro, a imagem de duas mulheres em jeito de pin-up girls e, nesse antebraço, uma inscrição em chinês.

Não sou muito bom a adivinhar idades, quer dizer, até me dizem que sou mas, para isso, tenho de conhecer minimamente as pessoas, o que não é o caso. Ainda assim, diria que a Amy Winehouse de Riachos tem entre 17 e 20 anos. E, com uma idade tão tenra, tão jovem, ter já assumido o compromisso de marcar e alterar o seu corpo para toda a vida parece-me de uma alma com grande determinação, muito segura de si, muito convicta das suas opções e foi por isso que perguntei o que perguntei. Não tanto pela resposta concreta, a do sim ou não, mas mais para perceber se essa determinação e essa força de caráter habitavam o corpo tatuado. Acho que a resposta dela foi inequívoca e fala por si:

– Essas tatuagens são permanentes?
– Mas porque é que toda a gente me pergunta o mesmo? Quando se faz uma tatuagem tem de ser para sempre, para toda a vida, se não for, não é uma tatuagem.

E pronto. Eis uma pessoa que na aurora da vida tem convicções para todo o caminho a percorrer. É raro na juventude, mas acho que é muito saudável. Falta este caráter ao nosso país. E a jovem Amy Winehouse de Riachos tem-no.

É muito interessante a semelhança física entre ela e a cantora falecida. Espero, sinceramente, que viva muitos mais anos, uma vida longa a passear pelo Universo a sua determinação e as suas tatuagens. As do corpo. E as da alma.

jpv


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Saudade que Fica

Já está!
Já tem novo dono!

Desejo ao novo proprietário tantos bons momentos quantos o Bronco me proporcionou a mim e à minha família.


Não sei como é que se agradece a um carro. Nunca tive de o fazer antes. Sei que fica a saudade da sua força. Da sua incapacidade de desistir, da forma como conversava comigo, da sua generosidade, das paisagens que nos levou a ver, do mato, da serra, da praia, das noites ao relento só com o céu por manto. Não foi um carro, foi um verdadeiro companheiro. Mas a vida espreita ali àquela esquina e a mudança anuncia-se.


Um LandRover Defender não é um carro. É um conceito. Uma forma de estar na vida. Hei de voltar!

jpv


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Conversas Vadias – Por causa do Sexo

Conversas Vadias – Por causa do Sexo

– Tu amas-me?
– Não.
– Uf… que alívio… eu também não te amo…
– Sim, eu sei…
– Então, porque é que continuamos a fazer isto?
– Solidão, creio…
– Tens razão… por momentos achei que ias dizer que era por causa do sexo…
– Porque haveria de dizer isso? O sexo é péssimo…

jpv


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Conversas Vadias – Horário Zero

Conversas Vadias – Horário Zero

– Neste ano letivo que vai entrar, faço vinte anos ao serviço da mesma escola!
– Ena, ena, motivo para celebrar… devias receber um prémio.
– Já recebi.
– Não me digas, o que foi que te deram?
– No próximo ano sou “excedentária” e tenho um horário zero…
– Oops… e isso é assim?
– Sim. Parece que vinte e tal anos de carreira a educar e a instruir crianças e jovens e a servir o meu país, não valeram de grande coisa…
– Lamento.
– Também eu, também eu.

jpv


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Surpresa

Surpresa

Não pensei que magoasse
Mas magoou.
Não pensei que doesse
Mas doeu.
Não chegou a começar
E terminou.
Não chegou a nascer
E morreu.

jpv


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Citação da Porta para a Vida


“Sabes, Mary, antes da morte, mesmo antes da morte, há sempre uma porta para a vida”

Busted John
In Motorcycle Chronicles – “Life and Death”
A publicar brevemente neste blogue.


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Auto-Citação do Absoluto

“Vou fazer amor com a vida até cair nos braços da morte!”
jpv


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Histórias do Autocarro 28 – É a Vida!

É a Vida!

Eram cerca de 18h da tarde. O 28 ia muito composto mas não estava completamente cheio. Ao aproximar-se de uma paragem, uns dois ou três metros para lá dela, estava um homem nos seus sessenta anos. Fez sinal para o autocarro parar. O motorista parou, mas advertiu:
– Oiça lá, a paragem não é aí. Era ali atrás…
O homem lá entrou com algum custo e o 28 seguiu caminho. Um pouco mais à frente, nem era uma paragem nem nada, era só um semáforo, a luz estava amarela, prestes a passar a encarnado, ainda assim, se o motorista passasse no amarelo, não seria o primeiro em Lisboa a fazê-lo. Acontece que, nesse preciso momento, uma mulher jovem de aspecto muito saudável e atraente, com um vestido de alças, em motivos florais e tons de rosa escuro, decote bem pronunciado, esticou o bracinho, fez um sorriso e foi assim que pediu ao motorista do 28 que parasse. E ele, todo simpático, parou a viatura e deixou a beldade entrar em pleno… semáforo! Nem paragem por perto.

Lá dentro ia um velhote ao meu lado, agarrado ao varão, com um bigode branco e farfalhudo e as rugas a sulcarem-lhe a pele. E falou num tom conformado e encolhendo os ombros naquele gesto de não há nada a fazer:

– O que é que você quer? É a vida!

jpv


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Histórias do Autocarro 28 – A vida dela em 20 minutos

A vida dela em 20 minutos

O autocarro 28 que liga o Restelo à Portela e volta anda a surpreender-me.

Será possível conhecer a vida privada e íntima de uma pessoa entre a Av. Infante Santo e Santa Apolónia num percurso que demora entre 20 e 30 minutos?

Claro que sim. Desta vez havia pouco trânsito, não chovia, logo, a coisa foi breve. Vinte minutinhos apenas. Tinha uma voz serena e um olhar tranquilo. O telemóvel pendurado ao pescoço, um fio para onde falava e outro com phones por onde ouvia. Assim que entrou, a geringonça apitou e a conversa começou. Falava olhando para a rua como se estivesse a conversar com o vidro. Não sei se chegou a aperceber-se de como se estava a expor, mas ficámos todos a saber o seguinte:

– Estado civil.
– O que pensa do ex-marido e família.
– De como o processou.
– Porque o processou.
– Que indeminização espera.
– Quantos filhos tem.
– Como se chamam.
– Porque não quer de novo homens na sua vida.
– Que companheiros tem.
– Como se encontra com eles.
– Onde se encontra com eles.
– Como se chama a pessoa que propicia os encontros.
– Onde vai estar no próximo fim-de-semana.
– Com quem vai estar no próximo fim-de-semana.
– O que pensa da vida.
– Como pensa que as pessoas se devem comportar umas com as outras.
– O que pensa da amizade e o que vale para si.

Tudo enquanto falava com, e cito, “O cota mais curtido que existe” que, também se soube, era seu tio e se chamava… sim ela disse!

jpv